Hierarquia nas carreiras Jurídicas e Policiais

É pacífico que não existe hierarquia[1] entre carreiras jurídicas (magistrados, promotores de justiça, procuradores, advogados[2])[3]*. Pelo menos não existe de forma transparente, mas digamos, não existiria sim uma hierarquia invisível, velada, intrínseca ou aveludada? Diferentemente, as polícias civis e os militares, em razão das suas "missões" e das atividades fins a hierarquia não teria sido elevada a categoria de axioma dogmático e incontestável?

No âmbito interno, o segundo ponto é que a hierarquia também não se constitui princípio estanque nessas instituições ditas jurídicas em termos de previsão legal, apesar de estar presente de forma implícita em todos os meandros e nas relações institucionais, apesar de não apresentar repercussão disciplinar[4] como no caso da nossa Polícia Civil catarinense (violar a hierarquia ou a disciplina e transgressão disciplinar, além da "insubordinação").

O fato é que em todas as carreiras jurídicas existe uma hierarquia subjacente como condição imanente ao próprio órgão com reflexos tanto no campo político (v.g.: Presidente dos Tribunais de Justiça são substitutos dos governadores dos Estados e isso não vale para juízes de primeiro grau e até mesmo para Desembargadores), como, principalmente, no âmbito das competências, além do exercício da judicatura, que se distribui por meio das comarcas, tribunais de segundo graus e superiores, seguindo normas constitucionais e legislações infraconstitucionais (leis orgânicas)[5].

A par disso é que na magistratura um juiz de entrância inicial não poderá julgar fatos que não são da sua competência, também, não poderá ser lotado numa comarca de entrância incompatível com a sua graduação (hierarquicamente superior), devendo se sub-rogar aos processos de promoção (cujos cargos se distribuem dentro das estruturas das carreiras com consequências nos  subsídios/remunerações). Muito menos poderá um juiz de primeiro grau assumir cargos isolados de Desembargador ou de Ministro de Tribunais superiores (exceto em regime de substituição).

O mesmo vale para o Ministério Público e outras instituições jurídicas similares (onde está consagrado que existe uma hierarquia não só quanto a competência e no que  pertine ao exercício da atividade fim). Aliás, no MP catarinense o cargo de Procurador-Geral de Justiça, segundo a LC 197/2009[6],  é privativo de Procurador de Justiça. Há que se levar em consideração que, por exemplo, tanto o Colégio de Procuradores como o Conselho Superior da PGJ/MP/SC exercem prerrogativas que no caso de descumprimento podem importar em reflexos disciplinares[7]. Aliás, nesse sentido, consta do  art. 157, da LOMP/SC que os membros do Ministério Público estão sujeitos ao cumprimento de ordens superiores (deveres funcionais), o que importa se inferir que existe uma hierarquia (e disciplina) implícita no âmbito interno, nos seguintes termos: "XVII - acatar, no plano administrativo, as decisões e atos normativos dos órgãos da Administração Superior do Ministério Público; XVIII - prestar informações solicitadas ou requisitadas pelos órgãos da Instituição". Registre-se de passagem que dispõe a LOMP/SC que: "Art. 39. O Corregedor-Geral do Ministério Público será assessorado por Promotores de Justiça da mais elevada entrância por ele indicados e designados a seu pedido pelo Procurador-Geral de Justiça". O que importa inferir que - diferente da Corregedoria da Polícia Civil (qualquer Delegado de Polícia pode ser "designado" para exercer função de "Delegado-Corregedor" - esse órgão correcional não têm o condão de apurar faltas atribuídas a Procuradores de Justiça, considerando implicitamente princípios de hierarquia.

É possível que muitos Delegados - especialmente aqueles que têm anos de carreira pela frente - prefiram o "samba de crioulo doido" que é o sistema que importa na abertura da temporada de caça aos cargos de direção (mudanças de governo...), pois isso terá reflexos quanto aos aspectos de visibilidade, promoções, oportunidades para fazer cursos, e por aí vai.

Nessa corrida, muitas vezes entra em voga o "vale tudo" em termos de se lançar mão dos fins em detrimento dos meios, e aí entram em cena padrinhos políticos, participações em planos de governo, amigos, indicações e etc.

Noutro viés, vale também a qualidade e competência de muitos Delegados novos, cheios de gás e vontade (temos muitos exemplos por aí, especialmente, ocupando cargos de Delegados Regionais, profissionais valorosos...), entretanto, com o passar dos anos, percebe-se alguns vencidos pelas vicissitudes (frustrações, decepções, constrangimentos...), pois perdem a "vibe" ou se acomodam, enclausuram-se nos seus orgulhos ou feitos do passado, como o fez no cárcere o patriota Policarpo Quaresma no seu triste fim, ou ainda, contabilizam o tempo para fins de uma célere aposentadoria.

De sorte que nossos pares mais esclarecidos se defrontam com um grande dilema que é ter que conviver com o "princípio da hierarquia" inerente à atividade profissional (mandamento estatutário) e, ao mesmo tempo, têm que defender outros valores como (no exercício da atividade fim): "autonomia institucional", "direito de externar o livre convencimento nos seus atos" e  "o exercício pleno da liberdade de expressão quanto as suas manifestações decorrentes da função pública" (v.g.: deixar de lavrar um APF, não requerer uma medida cautelar, não instaurar um procedimento policial, deixar de comunicar uma falta disciplinar,  e etc.)[8].  

Em resumo, afinal,  aprendemos desde cedo a entender os códigos hierárquicos ao longo da nossa existência, desde a mais tenra idade, quando somos totalmente dependentes de nossos pais, depois nas escolas e pela vida. A hierarquia possui vários tons e no plano das carreiras jurídicas, policiais e militares, sua aplicação depende de variantes e variáveis institucionais, podendo transitar do plano concreto (por imposição) como no plano abstrato (implícita).

 

 

[1] Mas prestem atenção no conceito de hierarquia: "organização fundada sobre uma ordem de prioridade entre os elementos de um conjunto ou sobre relações de subordinação entre os membros de um grupo, com graus sucessivos de poderes, de situação e de responsabilidades. Fig.: fig. classificação, de graduação crescente ou decrescente, segundo uma escala de valor, de grandeza ou de importância" (https://www.google.com.br/?gws_rd=ssl#q=hierarquia).

[2] Ver art. 6º da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia).

[3] "Disponível em: www.manualdoadvogado.com.br/2015/.../existe-hierarquia-entre-advogado-juiz-e.ht.

[4] As solicitações têm caráter de "convite", o que pressupõe a presença de valores éticos, tão importantes quanto aos disciplinares.

[5] Diz-se que todo magistrado é igual, especialmente, quanto ao exercício da atividade fim que exerce e em termos de garantias (art. 95 CF/88).

[6] "Art. 9º O Procurador-Geral de Justiça será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, dentre os Procuradores de Justiça integrantes de lista tríplice elaborada na forma desta Lei Complementar, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, observado o mesmo procedimento”.

[7] LC 197/99, art. 34, inciso VII: "convocar membro do Ministério Público para prestar esclarecimentos quando não atender aos deveres funcionais", o que decorre do poder hierárquico que exerce o órgão deliberativo.

 

[8] Idêntica situação a de um magistrado ou representante ministerial no exercício de seus múnus público (sentenças, indeferimentos de recebimento de recursos, homologação de APFs, arquivamento de inquéritos, indeferimento de pleitos de autoridades policiais e etc.).