Filosofia, história da linguagem e linguística histórica: convergências e divergências

Por David Yoshii | 01/04/2012 | Filosofia

RESUMO

A linguagem é o instrumento de comunicação que o homem usa para se expressar. Tal premissa levou inúmeros pensadores a debater qual seria a origem da linguagem e, durante muito tempo, houve amplas discussões, mas sem nenhum consenso ideológico. Embora a linguagem seja o instrumento de um filósofo, não havia uma área do conhecimento destinada a estudá-la em sua plenitude ontológica e histórica. A partir do século XIX, após a publicação das teorias de Saussure, a Linguística Histórica começou a ganhar notoriedade como a área do conhecimento responsável pela investigação dos pressupostos evolutivos da língua, sendo muitas vezes confundida com a História da Linguagem – área do conhecimento que analisa a linguagem humana sob termos filosóficos e históricos. Em suma, o presente artigo tem como principal objetivo fazer um estudo destinado à compreensão das convergências e divergências existentes entre a História da Linguagem e a Linguística Histórica, pois ambas as áreas contribuem ao entendimento da dimensão filosófica, social e cultural da existência do homem como ser comunicativo.

Palavras-chave: Filosofia, Linguagem, História, Linguística.

 

Considerações Iniciais

A comunicação é um dom natural do homem, mediante o qual se podem expressar pensamentos e emoções, e sem a qual não se pode sobreviver. Por se tratar de um todo sistemático, a comunicação uma se concretizará através da linguagem – fator este que diferencia o ser humano dos demais animais, tornando-o um ser social e criativo: trata-se da comunicação verbal, pela qual o homem se utiliza da palavra para mover o seu agir histórico (LUFT, 2002).

Partindo da premissa que o homem é um ser puramente histórico, que sempre buscou explicar a gênese de seus processos, a origem da linguagem é uma das muitas questões que mais têm preocupado o espírito humano em toda a sua existência. Durante a história, inúmeras explicações foram discutidas por sábios acerca da influência que a linguagem exerce sobre o fazer do homem.

Sendo assim, o presente artigo pretende abordar o pensamento acerca do desenvolvimento da linguagem humana em seu percurso existencial, embasando-se na visão da História da Linguagem e da Linguística Histórica, correlacionando-as através de suas convergências e discrepâncias.

 

História da Linguagem: fundamentos filosóficos

O ser humano, através da linguagem, expressa pensamentos e sentimentos por intermédio da palavra. A palavra, em seu sentido mais abrangente, representa muito mais do que um conjunto fônico organizado a fim de estabelecer comunicação. Chauí (2002, p. 141) define a linguagem como:

[...] um sistema de signos ou sinais usados para a comunicação entre pessoas e para a expressão de ideias, valores e sentimentos [...] essa definição [...] esconde problemas complicados com os quais os filósofos têm-se preocupado desde há muito tempo.

 

Desde a mais remota antiguidade, a origem da linguagem vem sendo discutida por sábios e pensadores, sem que até hoje tenham chegado a um consenso sobre a problemática. Por causa de sua importância, a gênese da linguagem por vezes é atribuída a questões divinas.

Na cultura cristã, a Bíblia relata no livro de Gênesis que Deus dotou o homem de linguagem para que este nomeasse tudo o que havia na Terra, dando-as apenas um único nome. Além disso, este mesma epístola bíblica apresenta a diferença das línguas através do relato sobre a Torre de Babel. Entretanto, esta versão pode ser contestada, visto que o retrato religioso parte de princípios míticos e não-comprováveis.

Partindo do pressuposto que o homem tem a necessidade de racionalizar o seu pensamento, levantou-se a seguinte questão filosófica: como explicar a origem e a utilidade da linguagem na vida do homem? Diante dos questionamentos filosóficos sobre este assunto, Martin (2003, p. 119) discorre que:

[...] a linguagem apresenta a existência dos objetos gerais – dos conceitos abstratos – como uma existência fora da linguagem. Por natureza, a linguagem impõe a crença numa realidade [...] as palavras pressupõe uma existência.

 

Neste panorama, os aspectos filosóficos sobre a origem da linguagem atrelavam a existência de seus enunciados à lógica, pois estes eram “sistemas prescritivos de raciocínio, ou seja, sistemas que definem como se deveria pensar para não errar, usando a razão, dedutivamente e indutivamente” (CHAUÍ, 2002, p. 180).

A respeito da busca pela origem da linguagem, Chauí (2002) salienta que as visões expressas pelos filósofos gregos, por partir de pressupostos lógicos, contribuíram significativamente ao entendimento do tema em questão. Para a autora, Heráclito de Éfeso frisa que o devir, como, por exemplo, dia – noite, inverno – primavera, frio – calor, trevas – luz, era a expressão real da linguagem; já Parmênides de Eleia concebia o mundo como um fluxo perpétuo onde nada permanece idêntico, uma vez que tudo se torna oposto de si mesma.

Acerca da linguagem e sua relação como o homem e a natureza, Platão coaduna com Heráclito no que se refere à transformação natural das coisas, pois concebia o ser humano como sujeito-autor de constantes modificações. Não obstante, a visão platônica da linguagem elucida que:

[...] esse mundo é uma aparência (é o mundo dos prisioneiros da caverna), é uma cópia ou sombra do verdadeiro e real e, nesse caso, Parmênides é quem tem razão. O mundo verdadeiro é o das essências imutáveis (que Platão chama de mundo inteligível), sem contradições nem oposições, sem transformações, onde nenhum ser passa para ser o seu contraditório. Mas como conhecer as essências e abandonar as aparências? Como sair da caverna? Através de um método do pensamento e da linguagem chamado dialética (CHAUÍ, 2002, p. 181).

 

A partir da dialética platônica, que consiste num diálogo no qual os interlocutores possuem opiniões opostas sobre alguma coisa, é que a lógica bifurcará o pensamento humano, sobretudo nas proposições expostas em enunciados linguísticos considerados “verdadeiros” ou “falsos”. No entanto, Aristóteles foi o precursor da lógica propriamente dita, pois seus pressupostos analisavam o pensamento, enquanto Platão analisava os discursos.

Levando em conta as ideias antevistas, é a partir do pensamento filosófico que a linguagem passou a ser concebida como um mecanismo de concretização do pensamento, uma vez que é por intermédio deste que o ser humano embasará suas atitudes, modificando assim a sua realidade.

 

Linguística Histórica: percurso e ideologia

A comunicação é um dom inato ao ser humano, pelo qual conhece o que há ao seu redor, expressando seus pensamentos, e sem o qual não consegue sobreviver em meio às dificuldades (LUFT, 2002). Para Fischer (2009, p. 12):

Em sua definição mais simples, linguagem significa 'meio de troca de informações'. Essa definição permite que o conceito de linguagem englobe expressões faciais, gestos, posturas, assobios, sinais de mão, escrita, linguagem matemática, linguagem de programação (ou de computadores), e assim por diante.

 

Por se tratar de um universo amplo de concretização, há um tipo de linguagem que torna o ser humano inerentemente criativo: trata-se da comunicação verbal, que se utiliza da língua como meio de existência. A língua é, de acordo com Martin (2003), o código concretizador da linguagem humana, uma vez que possibilita a interação entre falantes e contexto social. Por ser complexa e dinâmica, toda língua é objeto de estudo de uma área do conhecimento responsável pela análise do ato de comunicar inerente ao homem: a Linguística.

É impossível conceber a linguagem humana sem contextualizá-la com a história, uma vez que “a linguagem e a vida em sociedade devem ter surgido praticamente ao mesmo tempo” (SILVA, 2010). Neste sentido, a linguagem humana é reflexo do pensamento coletivo da sociedade na história, modificando-se ao decorrer da evolução social. Por isso, há um ramo do conhecimento responsável pelo estudo da evolução linguística ao longo dos séculos: a Linguística Histórica.

Para compreender a Linguística Histórica, é necessário levar em consideração que todas as línguas evoluem continuamente, e só permanecem estáticas aquelas que porventura já são consideradas “mortas”. Segundo Martin (2003, p. 135):

Enquanto uma língua permanecer viva, ela não deixará de se transformar, de se adaptar às necessidades de uma comunidade que também evolui, e de refletir uma visão das coisas que se renova continuamente. As línguas têm uma história – como os grupos que as manejam: são objetos contingentes e não objetos imutáveis.

 

Os argumentos expostos servem de alicerce ao entendimento que uma sociedade somente possui memória e consciência através de sua língua identitária. Além disso, a história de uma sociedade e suas manifestações culturais não podem ser dissociadas de sua língua.

Ferdinand de Saussure, o pai da Linguística Moderna, ao elaborar o Curso de Linguística Geral, faz um estudo aprofundado estudo acerca do signo linguístico e as dicotomias existentes entre as manifestações das línguas. A Linguística fundamentada elaborados nos pressupostos saussurianos vê a língua como um sistema de signos pelos quais é possível manter comunicação.

Evidenciando esta questão, Martins (2007, p. 21) frisa que:

Saussure define a língua como um sistema de signos. Os sons valem como linguagem apenas quando servem para expressar ou comunicar ideias: de outra maneira, são apenas ruídos. E para comunicar ideias, devem fazer parte de um sistema de convenções. O signo é a união de uma forma que significa, à qual Saussure chama significante, e de uma ideia significada, ou significado.

 

Diante do exposto, o significante e o significado, embora sejam didaticamente vistos separadamente, formam o todo necessário à concretização do signo linguístico. Signo este que somente poderá ser compreendido historicamente a partir de uma outra relação saussuriana: sincronia e diacronia – sendo estas fundamentais ao entendimento das premissas da Linguística Histórica.

Para Saussure, a relação sincrônica analisa a evolução de uma língua em um determinado período histórico, enquanto que a diacronia analisa as mudanças da língua ao decorrer de sua existência. A fins de esclarecimentos, a Linguística Histórica somente será entendida a partir da noção saussuriana de diacronia linguística (visto que esta área é conhecida como Linguística Histórica).

Face aos argumentos supracitados, é válido ressaltar que os estudos históricos da Linguística somente podem ser possíveis por causa da existência de um aparato gráfico de extrema importância à manutenção das línguas como mecanismos de

Para Martin (2003), as contribuições da Linguística Histórica são de exímio valor aos estudos morfossintáticos e semânticos das línguas, visto que estas são manifestadas através de um todo lexical composto e organizado por estas estruturas. Sendo assim, “toda língua é feita de camadas diversas: é necessário um mínimo de cultura histórica para discerni-las” (p. 141). Além disso, os estudos históricos da Linguística somente são possibilitados através da escrita. Para Ong (1998, p. 100):

A escrita, em seu sentido comum, foi e é a invenção mais importante de todas as invenções humanas. Não é um mero apêndice da fala. Em virtude de mover a fala do mundo oral-auricular para um novo mundo sensorial, o da visão, ela transforma tanto a fala quanto o pensamento.

 

A escrita, em outras palavras, é de extrema importância ao compartilhamento e à perpetuação de saberes, tendo em vista a sua utilidade como instrumento possibilitador de comunicação, produção de conhecimento e compreensão das estruturas de uma língua.

 

Considerações Finais

Embora tenham o mesmo enfoque de estudo – que, neste caso, é a linguagem humana, tanto a História da Linguagem quanto a Linguística Histórica possuem seus pontos de convergência e divergência. Uma vez entendidas, será viável compreendê-las nestes aspectos de semelhanças e diferenças entre estas.

Enquanto a História da Linguagem visa explicar os fenômenos da comunicação humana através da compreensão filosófica de sua gênese, a Linguística Histórica estudará os processos evolutivos das línguas no decorrer de sua existência concreta. Este é o principal ponto de divergência destas áreas do conhecimento.

Em relação aos aspectos de convergência, ressalta-se neste estudo que ambas as áreas contribuem para que haja respostas à seguinte questão filosófica: é possível conceber o pensamento humano sem a relação entre linguagem e história? As grandes realizações da inteligência, que enchem de assombro os séculos, não seriam possíveis sem a linguagem, porque é ela que transmite a cada geração nova as conquistas das gerações anteriores.

Portanto, os estudos da História da Linguagem e da Linguística Histórica levam à compreensão não somente da Filosofia, mas também da Linguística e de suas áreas afins, do quanto a comunicação humana é ampla e diversificada, uma vez que é a partir do entendimento da linguagem é que poderá frisar o quanto esta é importante à existência do principal veículo filosófico: o ato de pensar.

 

REFERÊNCIAS

 

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12. ed. – São Paulo: Editora Ática, 2002.

FISCHER, Steven Roger. Uma Breve História da Linguagem. Trad. Flávia Coimbra. – Osasco: Novo Século Editora, 2009.

LUFT, CelsoPedro. Moderna Gramática Brasileira / Celso Pedro Luft, Lya Luft; organização: Marcelo Módulo. – São Paulo: Globo, 2002.

MARTINS, Valteir (org). Morfologia do Dialeto Parintinense. – Parintins: Gráfica João XXIII, 2005.

ONG, Walter. Oralidade e Cultura Escrita: a tecnologização da palavra. Trad. Enid Abreu Dobránszky. – Campinas: Papirus, 1998.

MARTIN, Robert. Para Entender a Linguística: epistemologia elementar de uma disciplina. Trad. Marcos Bagno. – São Paulo: Parábola, 2003.

SILVA, Josué Cândido. Da Torre de Babel a Chomsky. (Disponível em: http://educacao.uol.com.br/filosofia/filosofia-da-linguagem-1-da-torre-de-babel-a-chomsky.jhtm, acesso em 20.out.2011).