Fanatismo

Nem vamos discutir o significado dessa palavra porque, acreditamos, todos nós sabemos o que significa. E aqui vamos tomá-la em seu sentido bem popular: é fanático aquele que faz ou acredita ou defende uma ideia, uma crença ou mesmo uma equipe esportiva sem fazer as devidas e necessárias ponderações e questionamentos.

Exemplo típico de fanatismo foi o que assistimos em nosso país ao longo da copa do mundo. Praticamente todo o país parou para ver os jogos do Brasil: o comércio interrompia suas atividades, os serviços públicos eram suspensos, do ensino infantil ao superior se dispensaram as aulas... tudo em nome do futebol. A “paixão nacional”.

Claro que o esporte é importante. É evidente que o sentimento patriótico é um valor. Mas entre isso e se deixar levar por algumas tolices que se viu ao longo dessa copa, há diferença. Esse atentato à racionalidade é demonstração de comportamento fanático.

É fanático, idiota e demonstração de alienação a afirmação de que a “força da torcida” interfere no andamento do jogo. A prova definitiva de que essa é uma crença imbecil manifestou-se nos dois últimos jogos do Brasil: praticamente todo o país parou e torceu pela vitória e a representação brasileira levou a maior lavada sofrendo dez gols (7 a 1 e 3 a 0).

Portanto, meu amigo, seja inteligente: pode ser torcedor, afinal isso faz parte do nosso ser; mas não se deixe imbecilizar quando lhe disserem que seu time depende da “força da torcida”. Seu time não sabe que você existe. Você torcendo ou não, o resultado do placar só dependerá de como os atletas se comportarem dentro do campo. Tudo o resto é conversa pra engambelar os tolos. E, acreditamos, você é inteligente!

Outro comportamento fanático e tolo foi a afirmação de uma torcedora. Aliás, não se tratava de uma torcedora comum, mas de uma professora. Portanto alguém que tem obrigação de possuir senso crítico. Essa pessoa comentava a lesão na coluna, sofrida por aquele atleta, endeusado pela mídia como o melhor da seleção brasileira. Essa professora saiu-se com esta: “Tenho pena dele. Essa lesão pode comprometer sua carreira e interromper seu sonho”.

E ai me pergunto: se ele é um “coitadinho” o que dizer dos milhões de jovens brasileiros que não são jogadores de futebol? O que dizer dos jovens que precisam deixar de estudar para trabalhar em troca da subsistência? Por que não ficamos com pena de milhares de jovens e pais de família que se acidentam em trabalho e, em virtude da falta de dinheiro para tratamento e por negligência do sistema de saúde, ficarão aleijados e impossibilitados de trabalhar. Aquele atleta já ganhou dinheiro suficiente para passar o resto de sua vida sem trabalhar ou só controlando suas aplicações. Mas nossos jovens continuam sofrendo as dores do salário miserável e sem conseguir realizar sonhos simples como viver na casa própria.

Ainda bem que o jogo acabou e nosso país não conquistou a taça. Assim não tivemos que conviver com o anestésico das comemorações e as derrotas humilhantes podem estimular nossa reflexão. Quem sabe a derrota nos ajude a perceber o quanto a mídia nos engambela, nos engana, nos leva a fazer o que não deveríamos deixando de fazer o que é essencial: passamos horas e dias discutindo futebol e comportamentos dos personagens das novelas e não nos dedicamos a discutir o que realmente importa: os rumos da política, os solavancos da economia, os dramas dos serviços púbicos de péssima qualidade.... entre outras situações que poderiam ser melhoradas se houvesse envolvimento popular.

Se aplicássemos ao cotidiano de país e de nosso povo, pelo menos a metade da energia que descarregamos no futebol ou no comentário sobre os dramas dos personagens, possivelmente nosso país seria melhor e não nos enganariam tanto.

Poderíamos até lançar uma campanha: sejamos fanáticos por nosso país e por nossa gente. Vamos desafiar a mídia a entrar nessa campanha. Vamos virar o jogo!

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO