Escolas de Livre Interpretação

Por Carla Michelle Carneiro | 15/03/2009 | Direito

Escolas de livre investigação acerca do Direito

Carla Michelle Carneiro – Bacharelanda em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana.

1. A Escola da Livre Pesquisa Científica — ou Escola Científica Francesa

Foi criada na França de 1899, quando da publicação da obra de François Gény, Méthode d'Interprétation et Sources em Droit Prive Positif, o fundamento necessário para entende-la prescinde da análise de que o fetichismo legal, salvaguarda dos positivistas tradicionais da Escola Histórico-Evolutiva, não suprime todas as necessidades para aplicação da lei pelos juízes intérpretes.

Não pode o intérprete se ver obrigado a conter todos os fatos sociais dentro das limitações pertinentes à vontade do legislador. Não é cômodo, nem lógico, ao processo decisório dos litígios, a rejeitar as fontes que acompanham a relação dos dados construídos pela dinâmica da existência social humana.

Por essa razão, quando a interpretação originária da lei produz lacunas para os casos não previstos por ela, Gény visa acrescentar aplicações mais adequadas para a percepção do fato jurídico em correspondência com o âmbito social, seja pelo costume, seja pela jurisprudência, ou pela doutrina.

Deve-se dispor, a pesquisa, dos princípios de autonomia da vontade do aplicador, do sopesar eqüitativo dos interesses privados contenciosos e da ordem jurídica e interesse público-social. As construções de Gény foram essenciais para flexibilizar a ordem e a dinâmica jurídicas e levou os operadores a conclamarem, ainda hoje, a criatividade dos profissionais da área para dirimir os efeitos da estaticidade legal. Influenciou a Escola Sociológica Americana e a Escola do Direito Livre alemã.

2. Escola do Direito Livre

Também denominada de Escola do Direito Justo, surge na Alemanha de 1906 com a publicação da obra Der Kampf um die Rechtswissenschaft, cuja autoria pertence a Hermann Kantorowicz, de cognome Gnaeus Flavius. É reação ao primado da lei.Hermann defende que o Direito não está construído por convicções abstratas da norma, pois, não raro, as normas são fugidias às pretensões consentidas pelos grupos sociais e não acompanha a mobilidade histórica. Contrapõe-se à plenitude da lógica positivista e a abstração de conceitos que levam à vagueza e dubiedade.

Dessa forma, ao juiz poder-se-ia incumbir do trato com a elaboração das leis, seja quando lhe faltar o instrumento legal, seja quando este for lacunoso ou injusto. Com liberdade poderia ele sanar as dificuldades com discricionariedade quando faltar-lhe, inclusive, a inspiração coletiva para solucionar o fato in concreto. A função do intérprete é voluntarista, admitindo cada qual a técnica jurídica mais adequada à situação.

3. Escola Sociológica Americana

Organiza-se, nas décadas nascentes do século XX, um movimento estado-unidense liderado por Roscoe Pound, auxiliado pela teoria da lógica experimental de John Dewey e baseada ante os princípios do Bem-Estar Social. As condições do Welfare State, reação às frustrações liberais da época, são adaptadas ao intuito jurídico por Benjamim Cardozo que também introduz os processos subconscientes na atividade decisória do juiz. O direito serve ao processo de construção da realidade social e não deve submeter-se aos princípios lógicos, aos silogismos e às construções técnico-teóricas tradicionais.

O juiz deve construir o direito com base na análise científica desenvolvida para o estudo da realidade contemporânea. Deve acompanhar as tendências da sua época, ao promover as investigações necessárias para a sistematização dos dados essenciais à proposição de projetos e leis.

O objetivo é tornar a produção de normas tendentes à sobrevida para a realização dos fins sociais, os quais o Direito é subserviente. Forma-se uma produção legislativo-jurídica para compreender os fatores intra e intersubjetivos. Para isto, são considerados os elementos conscientes e inconscientes e absorvidas todas as atribuições valorativas e preconceitos, para a efetivação da atividade decisória.

O Direito é nutrido pela força da experiência e reflete a realidade mutável. Neste sentido, Dewey infere a contraposição dos princípios pelos efeitos que produzem. É a análise focada nas conseqüências, priorizadas estão as situações concretas.

Contudo, pensar-se-ia ser o Direito Posto condenado pela comoção da justiça e do devir constante dos fatores sociais. Benjamim Cardozo infere que as normas devem ser respeitadas, entretanto a atividade do intérprete é assegurar os limites da análise normativa, se extensiva, se restritiva, assegurada a praticidade social dos fatos.

4. Escola da Jurisprudência de Interesses.

Escola alemã liderada por Philipp Heck, na década de 30 do séc. XX, preconiza a compreensão atuante dos conflitos de interesses e suas conseqüências no âmbito social. Infere que o juiz não deve fugir da análise da lei, pois cabe a ele valorar os interesses abordados pelo legislador no texto legal e sopesar suas estimativas: qual interesse realiza a lei e qual é socialmente adequado. Os interesses estão sempre em contradição e os juízes precisam classifica-los em conceitos mais gerais.

O juiz não pode criar a ordem legal e jurídica, mas constrói normas mediante o emprego de analogia para os casos da ausência da lei ou de suas incongruências e deficiências. Compete a ele estimar e sopesar os valores relevantes para o interesse vigente, segundo as considerações gerais do legislador e mediante a hierarquização por ele admitida, ajustando-as quando houver necessidade social maior. Assim, pode atuar como se legislador fosse para o caso específico a ser solucionado.

5. Escola Realista Americana

Vertente mais extremada da Escola Sociológica, pretende ser o Direito construído por meio de processos psicológicos e de amplidão emocional. Desmistifica o Direito visto como instituto geral, igual, puro, uniforme e linear para todos da comunidade jurisdicionada.

Profere que, no âmbito da aplicação, além da dinâmica social relevante, a personalidade do juiz é incisiva na decidibilidade dos conflitos: inexistem juízes iguais e, portanto, impensável é uma comunidade de valores fixos e inalteráveis. A complexidade e a diversidade levam à incerteza do mundo jurídico, daí o progresso do Direito.

Diante, então, de suas próprias experiências o juiz cria o Direito, sem construir ou mesmo obedecer a qualquer ordem. Llewellyn, um dos defensores da Escola, distingue as normas entre efetivas e escritas. Estas últimas, são desconsideradas pelo juiz, e as primeiras, se observadas, apenas o são parcialmente. A idéia é pronunciar a decisão e depois adequá-la, se possível, a algum fundamento previsto.

Isto indica que nem mesmo a sentença proferida constitui Direito, haja vista que cada caso particular terá uma visão diferenciada. A justiça, em si mesma, está atribuída aos fatores pertinentes à vivência do juiz e a personalidade do mesmo. Contribuiu, não obstante às discordâncias generalizadas a respeito, para derrubar o mito da impessoalidade e imparcialidade do juiz.

6. Escola Egológica

Para antepor-se às inferências kelsenianas acerca da natureza do Direito, seu objeto e forma de aplicação, o argentino Carlos Cossio funda a Escola do Egologismo Existencial em meados do século XX. Percebe a norma como um conceito ou conselho que revela em si mesma a conduta humana em interferência intersubjetiva.

O juiz, ao aplicar a lei, põe ou retira sentido na conduta considerada pela norma. Interpreta-a de acordo com ciência e consciência, movidas que estão ambas pela vocação para os valores jurídicos.

O juiz, portanto não é um ser distante da realidade jurídica. Seu poder de ação o conduz a construir também o próprio Direito, pois se insere no ordenamento e por ele está condicionado. A sentença não é o Direito concluso, mas é obra vinculada a um processo de conhecimento circular e contínuo, pelo qual o substrato empírico (conduta humana), quando retratado na norma, é posto à prova pela dialética.

A finalidade precípua é a de proferir-se a sentença com conhecimento que compreende a realidade do objeto e sua manifestação normativa. Isto caracteriza o egologismo existencial, no qual a norma é construção de juízos hipotéticos que refletem o objeto do Direito, qual seja este, a experiência interpsicológica do indivíduo no convívio social.

7. Escola Vitalista do Direito

Também conhecida como Concepção Raciovitalista do Direito, foi formulada pelo jusfilósofo espanhol Recaséns Siches, influenciado que estava pelo raciovitalismo jurídico, uma adaptação da teoria da razão vital de Ortega y Gasset aplicada ao Direito. Na concepção Vitalista, o Direito é fato histórico produzido pela vida humana vinculada à época e à cultura na consecução de propósitos específicos.

Difere-se, para tanto, a vida autêntica humana, imbuída de caráter psíquico-cultural e fisiológico, da vida humana objetivada, incutida de abstração lingüística para traduzir a primeira.

A lógica formal, infundida na linguagem, é inaplicável no processo decisório. Ela serve à compreensão dos termos e conceitos técnico-científicos, objetos de uma Teoria Geral do Direito. O juiz, na aplicação da lei ao caso específico, precisa motivar as valorações legais, sociais e pessoais, a partir das quais resultar-se-á na convicção social motivada pela razão vital construída pelo existir humano. Assim, a realidade originária que fez construir uma norma, deve ser revista pelo juiz quando da aplicação para a realidade vigente à sua época.

E já que se lhe impõe analisar a existência humana por meio da convicção do dinamismo histórico, é inoperante fornecer ao Direito um caráter de segurança e solidez imutável. As relações humanas estão isentas da segurança objetiva, haja vista a complexidade das ações de um mesmo indivíduo dentro do meio social.

As construções históricas são caracterizadas pelo inusitado e não pelo comodismo seguro de operações matemáticas. É a razão vital que opera a razoabilidade no trato com as questões jurídicas. Isto priva o legislador de possuir qualquer interferência na atividade hermenêutica e jurisdicional, âmbito de autonomia da força empregada pelo Judiciário.

Fontes:

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito.13oed.São Paulo: Saraiva, 2001.

HERKENHOFF, João Batista. Como aplicar o direito. 7o ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.