O livro de Edward Palmer Thompson (1924-1993) intitulado "Costumes em Comum. Estudos Sobre a Cultura Popular Tradicional" (Companhia das Letras, São Paulo, 2005) está entre as principais obras deste historiador inglês cuja produção encontra um rico diálogo entre a visão marxista da história e as abordagens que procuram o valor cultural na prática dos agentes históricos. Uma conciliação tida por muitos como impossível e que se mostra plenamente realizada neste livro.
Na introdução, Thompson argumenta que com o advento do Capitalismo houve uma acentuada cisão cultural entre classes. O "folclore" entra em cena como a cultura tida como inferior da classe plebeia na visão de mundo da classe patrícia. Assim, frente a esse quadro preconceituoso, Thompson propõem a ideia de "costume" como práticas vivas adotadas pelos camponeses frente à realidade que encontraram com o advento do Capitalismo no século XVIII.
O costume é apresentado como práticas antigas e constantemente repensadas pois fazem parte da realidade, são os costumes a arena na qual os camponeses agem no cotidiano. Como os costumes estavam formados dentre aqueles camponeses numa realidade pré-capitalista, tais costumes se chocaram com os novos valores do trabalho disciplinado do ambiente fabril ao qual muitos daqueles camponeses que migraram do campo para a cidade em busca de emprego encontraram. Essas diferentes mentalidades, rural e urbana, levaram a um conflito pensável em nível de classes.
Cultura e costumes são maleáveis aos diálogos inter-classes e intra-classes levando a um permanente equilíbrio e remodelamento da formação do habitus.
A cultura plebeia opera por si só sua ética e suas ações de forma constante e variável dentro da própria classe. A tradição que defendiam aqueles plebeus por meio de seus costumes levava a movimentos de rebeldia uma vez que aqueles valores pautados nos costumes eram desrespeitados na nova realidade industrial. Assim, em resumo, os costumes visam a tradição na mesma medida que eram propulsores de movimentos de rebelião uma vez que tais tradições eram violadas.Assim, a sociedade de mercado cria uma nova natureza humana ocasionando um choque de mentalidades e transformando costumes.No capítulo 4, intitulado "Economia Moral" o autor defende que o termo generalizante "motim" deve ser abominado pelo historiador. Deve-se tomar a rebelião como uma prática cultural diferenciada no tempo e no espaço.Na Inglaterra do século XVIII as rebeliões eram resultado da quebra dos costumes em relação ao fornecimento de pão entre as pessoas das classes populares. Quando a produção de farinha encontrava um mercado mais lucrativo na venda do produto mais fino e caro aos intermediários em detrimento do consumidor, uma vez que o intermediário iria revender o produto ao consumidor por um preço mais elevado, havia maior dificuldade de acesso ao pão de qualidade pelos camponeses pobres, o que feria o costume do pão como alimento sagrado e não mercantilizável, formando assim uma rebelião pela violação desse costume.O intermediário comprava em grande escala a farinha do produtor o que levava este a preferir tal negócio e não priorizar a venda da farinha nos mercados à plebe e sim escondido ou sob a alegação de "amostragem" aos intermediários que por sua vez repassavam o produto à plebe com imposições que lhes auferiam lucro e dificultavam portanto o acesso da plebe ao pão, o que quebra o costume e leva à revolta.O poder do Estado intervinha na proibição de tais medidas por parte dos produtores e dos intermediários, dando margem ao paternalismo que o justificava.A visão liberal pregava que a auto-regulação livre era a única forma de manter a farinha sempre em oferta no mercado visto que apenas os mais abastados consumiriam, isso evitaria um possível esgotamento da produção, dando ao intemediário um papel necessário. Para Thompson, tanto o paternalismo quanto o liberalismo são utópicos.A "multidão" assumia em geral um vínculo como o paternalismo estando, assim, em comum acordo com a nobreza contra as novas práticas da burguesia de lucrar sobre o trigo. Os comerciantes, tidos como os atravessadores, exportadores de trigo e intermediário quebravam a ética camponesa de acesso garantido ao trigo de qualidade. Assim, as feiras (local onde os consumidores tinham acesso ao trigo direto do produtor e, portanto, mais barato) entram em crise e ocorre uma ascenção dos moleiros que adulteravam o trigo e praticavam o que Thompson chama de banalité do século XVIII.Ocorre então a ação popular na regulamentação do preço do pão. A rebelião assumia forma de representação cultural, visando a aplicabilidade das leis paternalistas da ordem vigente.A ameaça de rebeliões mantinha os preços em regularidade pois a ordem era necessária à sobrevivência da classe burguesa e da nobreza governante. Era preferível a menor lucratividade a rebelião. Nisso, os produtores cediam e levavam os cereais ao mercado em detrimento das vendas, mais lucrativas, aos intermediários.As rebeliões populares eram sôfregas no curto prazo em vista do receio dos produtores de trigo, mas a médio prazo eram vitoriosas ao manter o preço do trigo mais próximo do preço moral do que do preço lucrativo.A partir de 1795 até 1801 ocorre uma quebra de equilíbrio entre a nobreza e os plebeus na manutenção de valores econômicos mais tradicionais. O jacobinismo dos plebeus se chocou com a nova ideologia da economia política associada ao lucro e à propriedade privada. Cria-se assim uma nova realidade na qual os governantes não estão mais associados aos pobres e sim ao melhor emprego do capital. Essa nova realidade quebra a economia moral. Assim, os motins não devem ser vistos como um simples produto da fome e do instinto humano, tal como defende uma visão economicista tradicional, e sim como representações culturais de um determinado grupo frente à crise e suas consequências sobre os costumes.No capítulo 5; Economia Moral Revisitada, Thompson debate com inúmeras ideias que criticavam sua ideia apresentada no Economia Moral Revisitada. Esse capítulo é uma excelente forma de perceber como o historiador articula e defende suas ideias.No capítulo 6, cujo título é "Tempo, Disciplina de Trabalho e Capitalismo Industrial" Thompson argumenta que o advento da sociedade industrial provoca nova forma de trabalho que produz uma nova forma de concepção do tempo. Para os camponeses, o tempo era estipulado a partir da duração das tarefas, para o empregador o tempo passa por uma nova concepção, sendo racionalizado pela medição no relógio. Assim, a ditadura do relógio se mostra uma nova concepção de lidar com o tempo na sociedade industrial e meio para o capitalismo. O feriado da segunda-feira com a racionalização do tempo foi se perdendo, o que levou apenas uma camada elitizada da sociedade a manter a segunda como dia livre.Assim, percebe-se o tempo como representação cultural que muda no transcorrer da história sendo atrelado à temporalidade e às bases materiais. Nesse sentido, a escola funcionou como difusora dessa nova ordem burguesa.Dessa forma é possível perceber a noção de time is money no processo de luta de classes. No primeiro momento o patrão "ensina" o valor do tempo aos operários, já em um segundo momento o operariado faz greve por menos horas de trabalh e por maiores salários (salário = trabalho medido pelo tempo). A mentalidade protestante e as novas práticas racionais burguesas propunham a boa administração do tempo. Tal racionalidade do horário era artificial ao costume de trabalho das sociedades não industrializadas que buscavam sair do trabalho a qualquer hora, trabalhar em horas não fixas nem sobrecarregadas. Tal diferença entre rotinas de trabalho com o advento da sociedade de mercado ocorre pois no modo de vida industrial há a separação entre vida pessoal e o trabalho. O trabalho passa a ser normatizado por uma regularidade que se choca como o modo de vida pré-industrial camponês, sendo, portanto, uma ruptura.O capítulo 7 é um dos mais emblemáticos desta obra. Intitulado de "A Venda de Esposas" Thompson argumenta que os moralistas burgueses estereotipavam que os camponeses tinham suas esposas como mercadorias. Entre 1760 e 1880, a venda de esposas ocorria, na visão de Thompson, como uma prática cultural oriunda dos tempos pré-industriais (1660) Muito comum entre as camadas mais pobres, tal prática passa a figurar nas classes mais ricas sob forma de um dialogismo cultural. A prática cultural era atrelada às representações associadas à corda que conduzia a mulher (sinal de poder sobre a mesma), o material da corda dizia a respeito da classe da mulher pois corda de seda era para as mulheres sofisticadas e as comuns para as mulheres do povo, assim como conduzir a mulher em público pela corda, tal como uma coleira, formava um ato público que tinha também sua representação. Isso não indica um ato de extrema submissão feminina e sim uma forma culturalmente diferenciada de divórcio. Tal modelo ascendeu à imprensa e foi moralment repreendido pelo comedimento burguês do século XIX.A venda de esposas era feita em grande medida com o consentimento da mesma, o que desfaz a alegação moralista contemporânea que tal prática equivalia à venda de gado. As feministas entraram em conflito com Thompson em virtude da forma com que ele vê a venda de esposas, pois para tais feministas, tal venda era realmente um ato de violência contra a mulher. Thompson não renega o sofrimento eventualmente sofrido pelas mulheres em tais situações, mas o relaciona às condições daquele tempo, marcada pela dominação do homem sobre a mulher, com a aplicabilidade desses proceitos nas leis e na Igreja. Essa prática indica uma ética própria por parte da classe trabalhadora proto-industrial; é uma cultura de segmento independente das normas do Estado que passa a repreender severamente essas vendas de esposas após 1830. O divórcio legal era consagrado apenas à aristocracia.As mulheres, entretanto, tinham dentro dessas práticas culturais marcadas pelo machismo um papel ativo e sua situação foi se tornando mais independente concomitantemente à ascenção da sociedade industrial.Finalmente, no capítulo 8, intitulado Rough Music, Thompson encerra este maravilhoso livro. A rough music era uma prática cultural que visava a desmoralização pública dos infratores da ética camponesa. Para tanto, usava-se de canções e versos nominys difamatórios alardeados com grande alarido pelas ruas dirigidos ao infrator ou infratora dos valores camponeses, seja o homem que batia, ou apanhava, da mulher ou a mulher que traía seu marido ou era fofoqueira.Tal prática é presenciada entre os séculos XVII e XIX e pode ter origem medieval; as penas são aplicadas em virtude da infração dos códigos éticos pautados em valores patriarcais e machistas da época. A rough music podia ocorrer por infrações éticas na vida pública ou privada, havendo uma proximidade entre as duas. A sociedade pré-industrial prezava os valores patriarcais e fazia a justiça por conta própria para a manutenção da ordem just street.Thompson aventa à possibilidade de uma maior agressão masculina em razão da mobilidade crescente da mulher em razão das mudanças no mundo do trabalho. Contudo, é preciso deixar claro que o paternalismo visa o domínio do homem sobre a mulher e não legitima o espancamento, pelo contrário, a função do paternalismo era justamente proteger a mulher pela autoridade do homem. Nesse processo, as mulheres não eram tão passivas, pois possuíam ações próprias, o que caracterizava um paternalismo em parte.Com o advento do industrialismo, o operariado usa formas de rough music para novas infrações de códigos internos como os fura-greves, trabalhadores passivos à exploração da mais-valia, entre outros. Esses movimentos evoluíram para uma nova forma de planejamento, tal como o ludismo e atravessaram o Atlântico, adaptando-se a formas locais dos Estados Unidos e Canadá.Na sua essência, o rough music consistiu numa forma de legislar independente da classe hegemônica economicamente, o fato de levar um infrator de código moral de costas em cima de um burro é uma forma de perceber a aplicação legal de uma pena pela violação de um costume, tal como as algazarras feitas nas ruas com canções difamatórias contra uma mulher adúltera são igualmente propostas como carregadas de códigos sociais e não como uma mera prática atrasada de agentes sociais sem cultura.