Educar ou ensinar?

Quem é professor sabe disso: a escola está ficando sem tempo para ensinar!

Acontece que tem muita confusão sendo cometida tanto no universo escolar como fora dele. E isso ocorre devido, pelo menos, a duas distorções. O primeiro em relação ao desvio de função e o segundo é um equívoco conceitual.

O que é que chamamos de desvio de função? A escola sendo depósito de entulhos de outras instituições. Sobre a escola está sendo lançada toda a incompetência de alguns setores sociais e/ou da gestão pública. Toda vez que uma instituição ou setor da sociedade confessa não ser capaz de cumprir seu papel transfere sua responsabilidade para a escola a fim de que ela dissemine aquelas ideias.

Explico-me, perguntando: Para que existe escola? Para ensinar! E o que a escola ensina? Uma enorme lista de temas e conteúdos previstos nos documentos oficiais emitidos pelo ministério ou secretarias de educação. A título de exemplo podemos mencionar: Plano Nacional de Educação, Referenciais Curriculares, Parâmetros Curriculares Nacionais, etc e seus correspondentes estaduais e municipais. Em todos esses documentos estão previstos os conteúdos ou componentes curriculares a serem ministrados ou ensinados durante as aulas pelas escolas esparramadas Brasil a fora. E esses conteúdos (componentes curriculares) obrigatoriamente tem que ser ensinados! A prova dessa obrigatoriedade são as chamadas avaliações externas (como a Prova Brasil, por exemplo) que ocorrem nas escolas cobrando esse ensino.

O equívoco conceitual ocorre quando se confunde a educação escolar com educação. Educação escolar, refere-se ao ensino das matérias, (conteúdos/componentes curriculares) previstas nos programas oficiais. E a educação (que é dever da família e do Estado, segundo a lei) refere-se à transmissão dos valores socialmente aceitos (repeito à pessoa, respeito aos mais velhos, respeito ao ambiente escolar...). Esses valores também podem e devem ser ensinados pela escola, mas não é esse seu papel primeiro – sua função é o ensino.

O desvio de função ocorre sempre que é lançada sobre a escola atribuições que não são de sua alçada. E isso ocorre sempre o que alguma instituição ou setor social (público ou privado) utiliza-se da instituição escolar para fazer aquilo que essa instituição não foi capaz de fazer – e que era sua responsabilidade: saúde, segurança, trânsito...

Por causa da incompetência e do desconhecimento é que acabam jogando tudo no pátio da escola. O sistema de saúde não tem competência para ensinar e divulgar aquilo que deve ser transmitido à população e socorre-se da escola. O sistema de transporte (trânsito) é incapaz de ensinar adequadamente e socorre-se com a escola. O sistema de segurança não faz sua parte e diz que a escola tem que conscientizar as pessoas... o Sistema judiciário imagina algum projeto e joga para que a escola o desenvolva... E assim por diante, qualquer instituição ou grupo social que imagina um projeto mirabolante dirige-se a escola para executá-lo. E, dessa forma, se torna cada vez mais difícil a escola cumprir seu papel, pois acaba sendo sobrecarregada com o papel de outros.

Ocorre que essas instituições que não deram conta de fazer seu trabalho e se socorrem com a escola, na realidade não desejam resolver o problema para o qual pedem a ajuda da escola. Se quisessem resultados seriam mais eficientes em sua ação; utilizariam os recursos financeiros de que dispõem de forma mais inteligente; usariam um sistema de intervenção mais universal e eficiente, como os veículos de comunicação.

Mas o pior disso não é o grupo estranho desejar que a instituição escolar realize seus projetos mirabolantes, mas os gestores do sistema escolar permitirem que isso aconteça. E, mais do que permitirem, são coniventes com o desvio de função e erro conceitual. Assim a escola está deixando de ser um espaço de ensino e não consegue se espaço educativo...

Neri de Paula Carneiro

Mestre em Educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO