Do Crime como Fato Típico, Antijurídico, Culpável e Punível

Autor: Roberto Johnatham Duarte Pereira[1].


É corriqueiro verificar entre aqueles que não estudam a ciência jurídica, que o conceito de crime formulado por suas mentes rodeia a superficialidade, uma vez que, o senso comum revela entender sobre o crime como simplesmente um fenômeno social e jurídico, que implica dizer que há alguém, na qualidade de infrator da norma penal e, por isto deve ser totalmente reprovado, pois sua conduta não se coaduna com os anseios da lei e, por conseguinte da sociedade.

Para o leigo, é como se os conceitos de crime e criminoso se confundissem de tal maneira que chegariam a ser um só. Para que o estudioso desta seara jurídica – o direito penal – não cometa este embaraço mental e deveras absurdo, faz-se necessário abraçar ensinamentos tanto da doutrina penalista, verificando os elementos essenciais para a configuração do delito, bem como analisar a ciência criminológica, para assim formularmos um conceito mais acertado do que seja o crime.

Em busca de uma conceituação para o crime, sendo esta desraigada de uma concepção sociológica ou puramente criminológica, os estudiosos do direito penal foram ao encontro dos elementos do delito, já que considerar o crime apenas como uma conduta desviante não respondia os questionamentos do direito penal.

E, para entender o crime estruturalmente foi preciso a doutrina formular o chamado conceito analítico de crime, conceito que “realmente analisa as características ou elementos que compõem a infração penal” (GRECO, 2007, p.141).

De acordo com doutrinador Rogério Sanches, verificar o crime estruturalmente, irá possibilitar enxergar se o fato será punível ou não, segundo suas palavras este estudo analítico de crime

 

Trata-se do estudo dos contornos que devem estar presentes no fato jurídico (provindos da vontade humana) para que possa concretizar, com justiça, o direito de o Estado punir seu autor (permitir que o fato seja punível) (SANCHES, 2013, p. 145).

Tentou-se encontrar uma conceituação analítica de crime, perquirindo seus elementos, chegando inclusive o momento de a doutrina estratificar[2] o delito. Majoritariamente predomina o entendimento de que os substratos[3] do crime são três, onde o primeiro substrato seria o fato típico, o segundo a ilicitude e por fim, a culpabilidade, trazendo assim um conceito tripartido de crime. Todavia, há aqueles que discordam deste entendimento e acreditam ser preferível situar o crime como sendo formado apenas pelos dois elementos primeiros, ou seja, o crime seria um fato típico e antijurídico (ilícito), este conceito sendo chamado então, de conceito bipartido.

Está com este entendimento Fernando Capez[4], para ele o crime diz respeito tão somente ao fato típico e ilícito, sua perspectiva analítica se resume a estes dois prismas, a culpabilidade nesta visão não é elemento, serve para outra análise, a que rodeia um juízo de reprovação, ou melhor, o grau de reprovabilidade do agente por ter incidido delituosamente com sua conduta.

A culpabilidade sendo considerada em maior ou menor grau em nada influenciará para a configuração do delito, pois como assevera Capez, o crime existe conjugando-se o fato típico e ilícito e mais nada.

Como dito, majoritariamente o crime é conceituado na ótica da tripartição, a teoria bipartida é abordada por doutrinadores pátrios renomados, mas não prevalece, e como uma tentativa de se esquivar destas duas teorias, sem se desviar da linha analítica do conceito de crime, é possível encontrar na doutrina quem vá além, conceituando o crime numa visão quadripartida, isto é, não bastaria para essa corrente que o crime fosse fato típico, antijurídico e culpável, precisaria de mais um elemento para compor o crime, a punibilidade.

Acerca da inserção ou não do elemento punibilidade ao conceito de crime Rogério Greco comenta da seguinte forma em sua obra:

 

Alguns autores, a exemplo de Mezger e, entre nós, Basileu Garcia, sustentavam que a punibilidade também integrava tal conceito, sendo o crime, pois, uma ação típica, ilícita, culpável e punível. Estamos com Juarez Tavares, que assevera que a punibilidade não faz parte do delito, sendo somente a sua consequência(GRECO, 2007, p. 142).

Entende também Rogério Sanches, que a base de entendimento para a punibilidade está voltada para uma consequência do crime, ou seja, existindo a punibilidade, significa dizer que um crime aconteceu, todavia inexistindo este elemento ou de alguma forma extinguindo-se o critério de fato ou autor punível, em nada quer dizer que o crime deixou também de existir.

Tanto é verdade que a punibilidade está apartada do conceito analítico de crime que, nossa legislação penal faz referência disso no artigo 107 do Código Penal Brasileiro, quando se refere às causas extintivas da punibilidade.

Caso realmente fosse, a punibilidade elemento integrante do crime, nada haveria para fazer óbice ao legislador de chamar tais causas, de causas extintivas do crime, no referido artigo.

 

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Leonardo Augusto de Almeida. Perdão Judicial. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral vol.1. 15º ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral. Salvador: Juspodivm, 2013.

ESTEFAM, A; GONÇALVES, V. Direito Penal Esquematizado: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2012.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 9º ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

MASSON, Cleber Rogério. Direito Penal Esquematizado: parte geral vol.1. São Paulo: Método, 2011.

SÁ, A. A; SHECAIRA, S. S. Criminologia e os problemas da Atualidade. São Paulo: Atlas, 2008.

 



[1] Advogado, especializando – se em Penal e Criminologia pela Universidade Regional do Cariri – URCA, graduado pela Faculdade Paraíso do Ceará – FAP.

[2] Rogério Greco (Curso de direito penal - parte geral, p. 144) noticia-nos que “Zaffaroni e Pierangeli querendo, figurativamente, demonstrar o conceito analítico de crime, o comparam a uma rocha. Aduzem que para que a rocha possa ser melhor estudada pelos geólogos é preciso que seja cortada em estratos, sem que com isso fique descaracterizada. Trazendo essa lição para o Direito Penal, surge tomando de empréstimo da geologia, o chamado conceito estratificado de crime, que quer dizer o mesmo que conceito analítico, asseverando que o crime é composto pelos seguintes estratos: ação típica, ilicitude e culpabilidade”.

[3] Analisando-se o crime analiticamente Rogério Sanches prefere se referir aos elementos do crime como “substratos”.

[4]  Fernando Capez (Curso de direito penal – parte geral, p. 134) defende seu entendimento dizendo que: “Em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só neste caso, verifica-se se a mesma é ilícita ou não. Sendo o fato típico e ilícito, já surge a infração penal. A partir daí, é só verificar se o autor foi ou não culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu. Para a existência da infração penal, portanto, é preciso que o fato seja típico e ilícito”.