“Divagações diante da leitura do Livro: “Arqueologia do Saber – Epistemologia e pensamento contemporâneo -  Michael Foucault”.

Líverton França 

Divago nas possibilidades criadas ao meu pensamento na releitura dos  questionamentos de Michael Foucalt  no qual ele se coloca na busca de um método sobre o que é um saber, como ele se consolida, qual a sua trajetória  sócio histórica e como o nosso discurso pode abordar um discurso já estabelecido. Seu trabalho é alicerçado em fontes sólidas e as distâncias entre as conclusões e as fontes tornam a leitura muito árida, não apenas pela erudição do autor, mas também pelo seu cuidado para que seu discurso não se torne um fator da opressão, tudo que o mesmo combate em suas obras, observemos  o seu livro “ A microfísica do Poder”. Essa Opressão pode ser percebida claramente no discurso de qualquer instituição que tem ingerência na vida do ser humano. Todas de uma maneira ou de outra, interferem na psique humana para fazer que a nossa percepção da realidade aceite a dominação.

Foucalt nos alerta para o aprimoramento dos mecanismos de controle humano, quando transitamos do medievo e o trato com o louco, como algo de sagrado, algo místico, para a modernidade, com a segregação e a separação do louco. O insano, agora já não é místico e sim necessita de ser saneado pelos “doutores da lei”. Percebemos como “O nascimento da clínica” e “vigiar e punir” a sobreposição do saber erudito e científico sobre a cultura popular. O médico ocupa os corredores do poder e é retirado o conhecimento do curandeiro e da parteira para adentrarmos no período mais tenebroso da humanidade, e não é nem nunca foi “a idade das trevas”. Somos empurrados garganta abaixo à era da modernidade, com sua higienização e controle das populações. Nesse período se dá a construção de uma nova realidade para nossa sociedade.

 O ser humano tem diversas formas de se aproximar de uma realidade. Há maneiras místicas e mágicas onde se traduzem nas religiões e superstições. Existem maneiras científicas e racionais e existe o próprio discurso em si, onde pensamos os objetos de nossos estudos e pesquisas.

O discurso em si é o exercício da filosofia em analisar tanto a descrição quanto as relações de poder implícitas no uso do objeto de estudo. Quando estabelecemos discursos no uso de um objeto, nós elaboramos conceitos que colaboram com a mente humana no ato de perceber uma realidade.

Nem toda forma de discurso poderá se construir dentro do método científico, o que não retira o mérito do discurso científico diante da produção do conhecimento em formar objetos e enunciados visando a construção de proposições e teorias. Esta possibilidade que não se confunde com a ciência Foucault chama de saber. Eu entendo como uma manifestação individual ou coletiva, subjetiva ou objetiva, autônoma ou engajada, uma categoria fundada em contradições.

A produção intelectual e material, condicionada por um período histórico de uma sociedade influencia a realidade ao mesmo em que a realidade se submete aos modos como os saberes constroem seus próprios discursos. Dessa forma, a questão central é menos um entendimento totalitário do que a representação de um contexto histórico e social específico diante do estabelecimento de certos discursos em torno dos saberes em determinada época que acabam por influenciar a uma realidade e transformar os saberes.

            A história que atravessa os saberes sobre homens e mulheres nos faz lançar olhares diante das ciências humanas de forma a entender o trabalho, a linguagem e a vida, como objetos de um discurso modulado por grandes bases imóveis em suas narrativas tradicionais para uma continua manutenção dos movimentos de acumulação seculares. O modo como o discurso conquista passa a influenciar nossa percepção e nos condiciona a aceitar a dominação.

            A construção do discurso moderno, acredito, ocorre como o desencadeamento de várias redes de determinações, variados dogmas, para a construção de uma única e mesma ciência, maestra em método, repressora e castradora dos saberes ditos, “não científicos”, saberes os quais a própria ciência se apropriou dos saberes antes do método e muitas vezes os rejeita. Entendo essa possibilidade como uma limitação, porém não nos iludamos com essa inter-relação. Tenho certeza que num momento da história esses discursos, se conheciam e se entrelaçavam como amantes pueris diante de suas primeiras experimentações (a ciência) e diante de uma paixão avassaladora que de certo trai o amado (o saber).

            O mundo ocidental abraça a causa do positivismo científico, numa função conservadora de suas totalidades culturais e se projeta em sua tentativa de uma história global, fracionando o material e o espiritual e fazendo de uma fratura exposta no ser, sujeito, criatura sujeitada a esse entendimento de si e de seu universo parcial, a se torna profundamente fragmentado. Afinal de contas, ela, a fissura, será apenas um conceito presente no discurso dos historiadores?

Muitas vezes o que o discurso grita é realmente o oposto do que está nas linhas escritas pelo autor. Já analisar o pensamento de um autor diante da fratura ocidental nos remete a biografia, análise de notas e rascunhos, além da simples leitura de sua obra. Digo obra (Opus) como o conjunto dos seus escritos a serem verificados estudados e quem sabe, decifrados. A obra não pode ser considerada nem como uma unidade imediata, nem como uma unidade certa, nem como unidade homogênea, já que dependerá do contexto sócio histórico, tanto do autor, quanto daquele que pretensiosamente tenciona em decifrá-la. A clareza é interpretativa e necessita da carga documental que dependendo do período ou do personagem e do pesquisador, deixará a interpretação dessa clareza ainda mais turva.

            Encontramos então em Foucalt a critica não ao método cientifico em si, mas uma reafirmação do conhecimento científico num formato de entrelaçamento amoroso e rigoroso com os saberes afirmados historicamente e com outro que foram outrora escanteados pelas sociedades do ocidente.

 A ciência não é local de porto seguro e mares calmos, então por que tratamos de lidar com os escritos estabelecidos pela cultura como sendo valores inabaláveis?  Tratemos então de reconhecer  que ela não seja, afinal de contas, o que acreditávamos que fossem ao primeiro olhar.