Por Que se Acreditava Que as Ideias dos Homens Eram Imutáveis e Universais? Como Giambattista Vico Enxergava Essas Ideias? Quais Foram as Primeiras Causas Sociais Defendidas Por Karl Marx? Onde Marx Buscou Suas Ideias Para Escrever “O Capital”?

 

 

A descoberta da pré-história decorreu do simples esforço para arrumar artefatos do passado distante numa ordem inteligível. Havia um mistério sobre quando – e por quem – um machado de pedra foi feito, mas parecia não haver incerteza semelhante sobre o pensamento dos homens. Acreditava-se que as ideias eram universais e imutáveis e Descartes insistia na universalidade, na uniformidade e na constância da razão do homem, a qual expressou pela sua conhecida proposição: _ “Penso, logo existo”. O mundo da mente estava separado do mundo físico da experiência e da história.

Uma nova descoberta revolucionária foi a de que as ideias do homem poderiam não ser mais do que artefatos humanos, sintomas, apenas de experiência variável e, consequentemente, o processo pelo qual os homens adquiriam o que passava por conhecimento não seria racional, e esse conhecimento tampouco seria universal e imutável. 

Um explorador dessa questão foi o filósofo Giambattista Vico que, aos 7 anos, bateu com a cabeça e os médicos predisseram que ele poderia se tornar um “pateta”. Vico dizia que isso explicava a melancolia que o acompanhou por toda vida e, no entanto, ele conseguiu com os honorários de professor de Retórica, financiar a publicação de todos os seus escritos. No século XIX, o romântico francês Micheler chamou-lhe “seu próprio Ptolomeu”, e também Karl Marx aprendeu muito com ele. 

Nascido na geração seguinte à de Newton, Vico acreditava que a relação variável de povos passados com as forças da natureza explicava seus modos de pensar. No estágio mais primitivos, os homens temerosos eram governados pela religião e dominados pelos reis-sacerdotes. Depois, na idade heroica, para fugirem à luta pela sobrevivência, os povos se colocaram sob a proteção de homens fortes. Finalmente na idade dos povos, os plebeus que tinham acumulado riqueza impuseram-se em “lei humana ditada por razão humana completamente desenvolvida”. Portanto, se Vico estava certo, as suas próprias ideias não tinham nenhuma validade e eram tão somente produto secundário da idade dos povos. 

Karl Marx cresceu no fim do século de Adam Smith, século que foi o do nascimento de nações, crescimento de colônias, expansão de fábricas e desenvolvimento do Capitalismo. A história da vida de Marx, como a de Vico, é um relato quase sem tréguas de frustação pessoal, fuga e tragédia. Nascido na Prússia, descendia de uma longa linhagem de rabis de ambos os lados da família, herança que alguns biógrafos reconhecem na sua inclinação para a dialética e para o debate filosófico. 

Para sua educação universitária obedeceu a um padrão alemão habitual, indo de um lado para outro consoante a atração exercida por professores diferentes ou pela vida estudantil. Cometeu os excessos da juventude em Bonn, onde por embriaguez passou 24 horas na cadeia da Universidade. O pai insistiu para que se transferisse para Berlim, a fim de estudar Direito e Filosofia. Entrou para o Clube dos Doutores dos jovens que se reuniam para debater as implicações sociais das doutrinas idealistas de Hegel. Parecia incapaz de esquecer qualquer teoria de que alguma vez tomasse conhecimento, e tinha propensão para fazer dela ou um alicerce ou um realce do seu próprio filosofar irrequieto. 

Como redator de um novo jornal liberal em Colônia, Karl Marx defendeu várias causas sociais, opôs-se à censura e foi um grande paladino da liberdade de imprensa, incluindo a liberdade de examinar conceitos tão novos como o Comunismo, por exemplo. Em paris estudou os movimentos operários francês e alemão que estavam organizando uma Liga Comunista e uma sociedade secreta chamada a Liga do Justo. 

Iniciou suas colaborações com Engels, escreveu as suas primeiras obras sobre política e economia francesas e um artigo apelando para a “união do proletariado”. Começou a elaborar sua polêmica contra a religião que estigmatizou como “o ópio do povo”. Heinrich Heine sentia-se divertido com o seu “teimoso amigo” Karl Marx e, quando o governo francês o expulsou, Marx fugiu para Bruxelas, onde se registrou como estrangeiro e deu os passos jurídicos necessários para renunciar à nacionalidade prussiana e, aos 28 anos, condenou-se a si próprio a uma vida de exílio. 

Em Bruxelas juntou-se a Engels para escrever o “Manifesto Comunista” para a Liga Comunista. Ele substituiu o antigo lema DA Liga, “todos os homens são irmãos” pelo seu estimulante “Proletários de todos os países, uni-vos” e, antes de chegar a Londres, Marx redigiu toda uma rima de panfletos polêmicos, tentando encontrar as suas coordenadas simultaneamente na filosofia, na história e na política do seu tempo. 

A sua atitude em relação à ação revolucionária violenta era hesitante e, embora tivesse exortado os trabalhadores de todos os países a unirem-se, desaconselhava a rebelião armada. Marx habituou-se a ser atacado tanto pelos conservadores – que viam nele um agitador – quanto pelos militantes socialistas, que o estigmatizaram como lacaio do Capitalismo. 

Apesar da pobreza e da trágica morte dos seus filhos persistiu na pesquisa no Museu Britânico, que daria origem ao monumental livro “O Capital”. Marx se recusava a procurar emprego regular porque não consentiria que a sociedade o transformasse em “uma máquina de fazer dinheiro” e, durante anos, o seu principal suporte financeiro foram a liberdade das fábricas de tecelagem de algodão de Engels e uma pequena herança de família. Os insignificantes rendimentos do seu trabalho provinham de artigos ocasionais para o New York Times. 

Geralmente concorda-se que a teoria econômica de Karl Marx é uma aplicação e uma crítica da teoria econômica clássica de Adam Smith e David Ricardo. Mas das suas pesquisas resultou uma teoria de história original. Em vez de explicar o progresso social como a colaboração consciente das classes sociais, Marx viu o conflito das classes econômicas como a força dinâmica. 

Subjacente à sua teoria de conflito de classes encontrava-se a sua fé “materialista” de que as ideias eram uma reação às mudanças no sistema de produção. Antes dele, os historiadores mais influentes como Voltaire e Montesquieu tinham concentrado sua atenção nos cultos, nos poderosos e nos ricos, em chanceleres, príncipes e reis, na sucessão real e nas intrigas da corte, em chancelarias, parlamentos e campos de batalha. 

“O Capital” é uma obra difícil e por vezes, pedante. Mesmo assim, o primeiro dos três volumes – o que foi publicado em vida de Marx – é muito lido. Quando em 1872 apareceu a sua primeira tradução do alemão para outra língua, o censor russo deixou-a passar porque, observou, “poucas pessoas na Rússia o lerão e ainda menos o compreenderão”. No entanto, a sua primeira edição de 3000 exemplares esgotou-se lá, rapidamente. 

Felizmente, Marx encontrou nas teorias históricas de Hegel um contraste perfeito para sua própria maneira de pensar. Assim como podemos nos perguntar se Copérnico teria encontrado a sua estrutura se não existisse o esquema ptolomaico da centralidade da Terra pronto para ser substituído pela centralidade do Sol, assim podemos nos perguntar o que teria Marx apresentado se o esquema antitético de Hegel não existisse. Dialético por tradição e formação, Marx medrava na oposição. 

Seus escritos estão repletos de citações dos seus antagonistas espirituais, geralmente anteriores amigos, professores ou associados, contra os quais encontra as suas coordenadas. Contudo, os escritos de Marx e a influência das suas ideias nas partes menos industrializadas do Mundo, mostrariam as limitações de uma visão “materialista” da história. As páginas dos seus livros são frequentemente uma manta de retalhos dos seus mais recentes inimigos filosóficos. 

É difícil saber o que Marx quer dizer sem ler as obras daqueles que ele contradiz, que só raramente são gigantes da história do pensamento. Não obstante, no seu estilo filosófico existe uma grandeza e uma pungência na sua visão da história. “O Socialismo Cristão”, dizia ele, “é apenas a água benta com que o padre consagra as azias da aristocracia”. 

Descobrir a verdade simples de que “as ideias dominantes de Cada idade foram sempre as ideias dominantes da classe dominante”, argumentou Marx, viria a libertar o proletariado moderno das ideias da sua classe dominante e da ilusão de que elas eram Verdades Universais. Compreender a história não era apenas um caminho para o conhecimento: _ era o único caminho.