Desconstrução
Por Isabel C. S. Vargas | 24/11/2009 | CrônicasEra o ano de 1986. Acabáramos de comprar a casa na praia. Sonho concretizado. Outros surgiram, posto que é importante ter sonhos sempre. Uma das primeiras providências: comprar uma muda de pinheiro. Menos de 10 centímetros aparecia fora do muro da frente, cuja altura era pequena (ainda é). Por que pinheiro? Explicação lógica não há. Apenas, o fato de gostar, talvez pela imponência ao se desenvolver, o que remete, de imediato, à força para enfrentar obstáculos sem se deixar abater. Quem sabe, pela idéia de longevidade, quase eternidade e, por conseqüência, segurança, estabilidade. Pode até a ordem ser inversa. Também nos proporciona a sensação de aconchego, proteção.
Nos verões seus galhos dão sombra que refresca o que, sem dúvida, muito ele proporcionou quando descansávamos ou, apenas, sonhávamos na rede.
Alegrava aos olhos e aos pássaros que por ali voavam.
O pinheiro sempre nos traz a idéia de nascimento, natal, esperança, alegrias, riso de criança, luzes coloridas e felicidade. Para mim esta associação sempre foi inevitável, pois a aquisição da casa, o plantio do pinheiro coincidiram com a gravidez de meu filho caçula. Ambos cresceram fortes, lindos enlaçando a todos com seus braços. Ganhou anjo, estrela, luzes, enfeites vários para sinalizar o evento magno da cristandade e a alegria que deve ser para todos.
Os anos passaram e ele adquiriu proporções imensas. Percebo que apesar de tudo de bom que foi proporcionado a todos, cada ser necessita de lugar próprio para desenvolver-se de modo a não influir negativamente no meio que o circunda. Problemas surgiram o que levou meu marido a mandar arranca-lo para fazer algumas modificações. Com ele outras árvores, outras plantas.
Sempre falo que é necessário mudar, não permanecer preso às coisas do passado, que é necessário exercitar o desapego dos bens materiais, mas não posso deixar de me sentir tocada por este acontecimento, por diversas razões. Arrancar o pinheiro é como arrancar a nós mesmos, arrancar nossas raízes que nos mantém presos a terra. A idéia de finitude se materializa. Talvez já não tenhamos mais tempo de ver outro pinheiro se desenvolver como este. Os nossos natais, antigamente tão alegres e cheios de surpresas, após a dolorosa perda que tivemos no último, não sei mais como serão.
Já estou a lamentar pelos pássaros que viviam à nossa volta, pelo beija-flor, visitante de honra da azálea e de outras flores, que perderão, assim como nós, o seu aconchego.
Vejo a desconstrução à minha volta, rompimento com o passado, desmoronamento de territórios conhecidos (o que desestabiliza), mas não posso ignorar que é preciso desconstruir para criar novos sentidos e múltiplas possibilidades.