Das Exceções no Processo Penal

Por Thiago Amorim dos Reis Carvalho | 26/06/2009 | Direito

 

1. Noções

A análise etimológica do vocábulo 'exceção' demonstra sua derivação do latim 'exceptio' que, em amplo sentido, significa o direito do acusado de se defender. Em sentido estrito, Fernando Capez (2005, p. 346) conceitua exceção "como o meio pelo qual o acusado busca a extinção do processo sem o conhecimento do mérito". Entretanto, há de se estender a legitimidade ao Ministério Público e ao querelante que, em certos casos, como se verá adiante, poderão se valer de determinas exceções. Portanto, "de maneira geral, a argüição das exceções constitui incidente processual próprio da defesa, mas é possível que também o autor possa opô-la". (MIRABETE, 2001, p. 207)

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No processo penal permite-se que o acusado se defenda diretamente, quando, por exemplo, nega em seu interrogatório a autoria do fato que lhe foi imputado, e indiretamente nas hipóteses em que sua manifestação é capaz de extinguir, modificar ou impedir a pretensão deduzida pelo autor, "ou simplesmente prorrogá-la, dilatá-la, protelá-la ou adiá-la" (CAPEZ, 2005, p. 347). Nestes últimos casos o acusado utiliza-se das denominadas exceções (stricto sensu), elencadas nos cinco incisos do artigo 95 do Código de Processo Penal (CPP).

São, portanto, exceções as que se referem à suspeição e incompetência do juízo, litispendência, ilegitimidade de parte e coisa julgada. Não obstante inexistir naquele rol a figura da exceção de impedimento, esta se encontra fulcrada em uma das conjecturas do artigo 252 do Diploma Processual Penal, portanto, plenamente admissível sua ocorrência.

Aquelas exceções que põem fim à relação jurídica, se acolhidas, são chamadas de peremptórias. Já as que meramente ocasionam a extensão do curso processual são conhecidas por dilatórias. Dentre as primeiras tem-se a exceção de coisa julgada e litispendência e, quanto à segunda espécie, podem-se relacionar as demais (suspeição, impedimento e incompetência do juízo). A exceção de ilegitimidade de parte poderá ser considerada peremptória ou dilatória se se referir à titularidade do direito de ação ou à capacidade de exercício, pois nesta derradeira hipótese é possível a ratificação por quem de direito, o que não ensejará o término da respectiva ação penal até mesmo por questão de economia e celeridade processual, respeitados todos os direitos e garantias constitucionais da defesa.

2. Exceção de suspeição

2.1. Delimitação e hipóteses

Esta exceção tem por finalidade a rejeição do dirigente processual quando existirem razões suficientes para que se infira por sua parcialidade diante do caso que lhe fora apresentado. Assim, havendo algum interesse ou sentimento pessoal capaz de interferir na solução da situação em deslinde, caso o magistrado não se dê por suspeito, poderá as partes recusá-lo (art. 254, CPP).

Deveras, a imparcialidade do juiz deriva de sua equidistância em relação às partes. Greco Filho (1991, p. 214) relata que isso ocorre em razão "do sistema legal do processo, que adotou o chamado sistema acusatório, no qual são distintos o órgão acusador e o órgão julgador".

As causas que ensejam a suspeição sucedem quando o juiz:

a) for amigo íntimo da parte: amizade íntima é o relacionamento capaz de interferir na condição de imparcialidade do julgador, em que a pessoa suporta "toda a sorte de sacrifícios pelo outro", "como se fosse um parente próximo" (CAPEZ, 2005, p. 348). A simples consideração por outrem ou a estima derivada de relações profissionais não justificam a existência de suspeição;

b) for inimigo capital de uma das partes: o sentimento de aversão ao advogado da parte não leva à suspeição[1];

c) seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia:

"Nessa hipótese o juiz seria indiretamente interessado na causa, ou seja, numa decisão favorável ao acusado a fim de que não se considerasse criminoso o fato semelhante praticado por ele ou por seu ascendente ou descendente". (MIRABETE, 2001, p. 209)

d) ou seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes;

e) tiver aconselhado qualquer das partes: neste caso o ato do juiz acaba por revelar a sua intenção sobre o assunto que irá apreciar o que macula o exercício da jurisdição;

f) for credor, devedor, tutor ou curador de qualquer das partes;

g) for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo: aqui, como bem expressou o legislador, basta que a pessoa jurídica, vinculada de alguma forma ao juiz, tenha interesse no caso, não sendo necessário seu envolvimento direto.

Reconhece-se também a existência de suspeição derivada de razões íntimas, por analogia à previsão do art. 135, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Para Eugênio Pacelli de Oliveira (2009, p. 266), razões de foro íntimo são tratadas como uma das incompatibilidadesprevistas no art. 112 do CPP. Todavia, a nomenclatura (exceção de suspeição ou de incompatibilidade) não revela importância alguma porque há identidade no tratamento legal dispensado.

Oportunamente, vale ressaltar que a suspeição dos juízes é extensível aos peritos, intérpretes, serventuários da justiça e jurados (arts. 105, 106 e 280 do CPP).

2.2. Procedimento e questões afins

Pode o magistrado dar-se por suspeito sem provocação das partes, isto é, ex officio, caso em que deverá fundamentar sua decisão e providenciar a remessa dos autos ao seu substituto legal, intimando as partes (art. 97, CPP).

Já na hipótese de a parte alegar a exceção de suspeição, deverá fazê-la por petição escrita e devidamente assinada por ela ou por procurador dotado de poderes especiais. Neste caso, cabe destacar que tal exceção deverá preceder às demais na avaliação, salvo quando fundada em motivo superveniente. Tal procedimento é imprescindível, pois a verificação das "demais exceções pressupõem um juiz isento". (CAPEZ, 2005, p. 349)

Anota-se que a falta de procuração com poderes especiais não permite o conhecimento da exceção, conforme o seguinte excerto:

"SUSPEIÇÃO - Exceção - Juiz de direito - Alegação de falta de imparcialidade em virtude de amizade íntima com a filha da vítima, que também é magistrada - Argüição desacompanhada de instrumento de procuração com poderes especiais - Inteligência do artigo 98 do Código de Processo Penal - Vício formal que impede o conhecimento da exceção - Cumulação de pedido com exceção de incompetência territorial - Inadmissibilidade em virtude da incompatibilidade de ritos - Exceções não conhecidas". (Exceção de Suspeição n. 53.839-0 - São Paulo - Câmara Especial - Relator: Oetterer Guedes - 18.02.99 - V.U.)

A alegativa da parte excipiente, isto é, que apresentou a objurgação, necessitará de fundamentação acompanhada da respectiva prova documental ou testemunhal.

A processualização desta exceção se inicia com a apresentação da petição ou da resposta à acusação (art. 98 e 369-A, CPP) perante o juiz (excepto). A tramitação será em apartado e se o magistrado admiti-la de plano determinará a remessa dos autos principais ao substituto legal, prosseguindo normalmente o feito. Caso o juiz não admita a suspeição, além de determinar a autuação em apartado, oferecerá resposta em três dias, juntando documentos e indicando testemunhas se houver. No prazo de 24 horas os autos serão remetidos ao Tribunal de Justiça que poderá rejeitar liminarmente a exceção, prosseguindo a ação penal perante o juízo de primeiro grau. Se o Tribunal reconhecer a relevância da exceção, mandará citar as partes e marcará data para inquirição das testemunhas. Após, será realizado o julgamento. Reconhecendo a improcedência, os autos serão devolvidos ao juiz (excepto) e havendo malícia do excipiente a este será imposta multa. Se procedente a exceção, serão declarados nulos os atos processuais e os autos remetidos ao substituto legal daquele juiz. Neste caso, havendo erro inescusável do juiz este pagará as custas.

A exceção deverá ser arguida logo após o conhecimento da parte sobre sua existência. Assim, a defesa "deve promovê-la não quando lhe aprouver, mas logo em seguida ao interrogatório, ou na defesa prévia" (MIRABETE, 2001, p. 210). Entretanto, pode acontecer de a circunstância motivadora da suspeição somente surgir ou vir a se tornar conhecida da parte após a apresentação da defesa prévia, o que não a impedirá de manifestar sobre sua ocorrência.

A doutrina diverge quanto à possibilidade de o assistente de acusação arguir a exceção de suspeição do juiz. Tourinho Filho entende ser cabível, pois aquele tem interesse em um julgamento imparcial. Contudo, Mirabete, menciona que, ante a taxatividade do rol previsto no artigo 271 do Diploma de Ritos Penais, não é possível que o assistente valha desse meio de defesa[2].

Da decisão que reconhece a suspeição arguida pelo interessado não cabe recurso, tendo, parte da doutrina, admitido apenas a correição parcial na hipótese de o juiz declarar-se suspeito espontaneamente.

A exceção somente suspenderá o curso do processo principal se a parte ex adversa reconhecer a procedência da arguição e requerer o sobrestamento do feito até que se julgue o incidente (MIRABETE, 1997, p. 188). Entretanto, ante a ausência de expressa indicação do momento em que será ofertada oportunidade à parte contrária de se manifestar sobre a exceção de suspeição, entende-se que o dirigente processual deverá, antes de apresentar sua resposta, intimar aquela parte para que se manifeste sobre o incidente. Evita-se assim o prosseguimento infrutífero do feito principal, já que, se for suspenso ab initio, com o eventual reconhecimento da exceção pelo juízo de segundo grau não haverá atos processuais a serem declarados nulos. Evitar-se-á, por conseguinte, a prática desnecessária de atos com carga decisória.Além disso, a apresentação prévia do entendimento da parte adversa sobre a exceção poderá fomentar a valoração que o excepto irá realizar no caso, aceitando ou rejeitando a existência da suspeição.

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