CRÍTICAS A GUARDA COMPARTILHADA NOS MOLDES DA LEI 13.058/14.

 

Marcio Roberto Lenco[1]

 

Família e Sucessões – 2016.

 

 

RESUMO

 

O presente estudo visa de maneira concisa trazer luz ás divergências na obrigatoriedade da guarda compartilhada, regulamentada pela lei 13.058/14, em face dos princípios e normas constitucionalmente estabelecidas. Utilizando-se para tanto uma análise crítica, se valendo do método empírico dialético do tema, na medida em que o método visa confrontar o fato á realidade jurídica, criando assim uma oportunidade de se chegar a um resultado mais completo. Nessa esteira, o estudo estará limitado em extensão e profundidade pelos princípios constitucionais, gerais e o abuso da lei na obrigatoriedade da guarda compartilhada nos termos da lei 13.058/14.

 

Palavras - chave: família e guarda compartilhada; princípios gerais e constitucionais; controle de constitucionalidade

 

  1. 1.             INTRODUÇÃO

 

O propósito desse estudo se valendo do método empírico dialético é provocar a reflexão acerca do instituto da guarda compartilhada que se tornou obrigatória com o advento da lei 13.058/14 em confronto a princípios gerais e constitucionais que gravitam na órbita do núcleo familiar e da proteção do menor e do maior incapaz.

Não resta dúvida que a presente modalidade de guarda se tornou obrigatória, quando em decorrência da referida lei já mencionada, alterou a expressão “sempre que possível”, condição que limitava a interferência do Estado na esfera de intimidade da família.

Á guisa de preceitos constitucionais já cravados em nosso ordenamento jurídico procurar-se-á demonstrar em ultima análise tal dispositivo traz um grande retrocesso e não uma evolução na legislação com afirmam os defensores da lei em comento, haja vista que mitiga os princípios de proteção do menor e do maior incapaz, fazendo com que os cônjuges em litígio possam se valer dessa distorção para a chantagem emocional do outro cônjuge, que não se confunde em hipótese alguma com a alienação parental.

Ora, notadamente trata-se de norma absolutamente fora do escopo legal, quando os critérios da guarda a serem observados pululam para outros que não apenas a imposição da lei, na medida em que torna obrigatória a aplicação da guarda compartilhada sem previa análise das particularidades de cada caso. Cita-se o exemplo da mãe que pede a separação por suposto abuso sexual por parte do pai do menor e resolve manter segredo em família para proteger a criança.

Hoje pela atual lei em vigor, mesmo que o agressor não peça a guarda, a lei entregará ainda sim, uma possível vítima a um provável algoz. Desta forma provar-se-á  a máxima do Empirista inglês Hobbes de que o Homo homini lúpus, ou seja, o Homem é lobo do Homem, nesse diapasão a justiça continuará de olhos vendados aos reais anseios da sociedade,  quando esta bate á suas portas clamando por justiça.

A obrigatoriedade na aplicação do instituto, a imposição do estado em exigir como a família deva se organizar na sua esfera de intimidade, sem que para isso analise justamente essa condição pessoal, por si só já viola princípios como a intimidade e privacidade compreendidas dentro dos direitos da personalidade.

Direitos esses discutidos no próprio inciso X do artigo 5º da CRFB/88 que fora inspirado na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) da Convenção Européia (1950), Pacto de San José da Costa Rica (1969), Conferencia Nórdica sobre o direito a Intimidade (1967), Pacto das Nações Unidas (1966). No tocante a intimidade, é o direito a liberdade pessoal preservando cada indivíduo e seu núcleo familiar, da interferência externa do Estado.

Sem atentar para todas aquelas circunstancias sociais, econômicas, religiosa, saúde física e mental de todos os envolvidos na contenda, estará aí sim, violando princípios constitucionais, tais como o melhor interesse da criança, do adolescente e do adulto incapaz.

A inversão da lógica de que com essa lei estará protegendo princípios como acima citado, não deve prevalecer sob pena de se inverter a ordem natural das linhas constitucionais, pois ao alterar § 2º do artigo 1584 do Código Civil colocará como obrigatória a guarda compartilhada na falta de consenso dos cônjuges em litígio. Ora, se há falta de consenso entre os cônjuges, o que se esperar de resultado dessa guarda imposta?

Dessa maneira o artigo busca de forma sintetizada organizar os pontos e divergências colocando frente a frente os fatos que repercutem atualmente na modalidade da guarda compartilhada e os comandos emanados de princípios do direito interno e alienígena, excluindo os métodos dedutivos, dogmáticos jurídicos, histórico evolutivos em detrimento do método empírico.

  1. 2.      A FAMILIA E A GUARDA COMPARTILHADA

 

Há de se observar que para a utilização da guarda compartilhada é necessário a reunião de variantes e condicionantes que devem ser observadas em momento anterior a esta, necessário se faz observar critérios de convivência pacífica entre os ex cônjuges, o ambiente de convivência demonstrar harmonia, aparente estabilidade emocional dos envolvidos na contenda da guarda, reunião de condições sociais e econômicas. Consenso não apenas entre os pais, mas entre eles e demais membros da família como os ascendentes.

O ponto fora da curva na presente lei se dá pelo fato que busca defender o melhor interesse do menor ou maior incapaz, consubstanciado no pleno exercício do poder familiar. Assim ainda que não haja consenso entre os ex cônjuges por razões de foro íntimo (direito a intimidade e a privacidade), o juiz aplicará a guarda compartilhada sem mesmo perguntar se há oposição.

Posicionamento, sustentado pelo Egrégio Tribunal de Justiça – STJ, em diversos julgados antes mesmo da lei já admitia a imposição da guarda compartilhada com a alternância de lares, mesmo sem o consenso dos ex cônjuges e agora compulsoriamente instituído na lei 13.058/14.

Não parece auspicioso tal posicionamento tornado agora lei, razão não falta para confrontar tal argumento, principalmente que a imposição da guarda compartilhada irá acirrar ainda mais os animus dos pais, pois se não houve manifestação de uma das partes requerendo a guarda na inicial, não deve o Estado tomar parte e suprimir a vontade dos jurisdicionados.

É o que se pode analisar com base em larga doutrina e jurisprudência, a começar pelos cristalinos dizeres de Rolf Madaleno ( 2011. P. 433-434):

“ Existindo desavenças  inconciliáveis entre os pais, , têm concluído os julgados e doutrina não haver lugar para a pretensão judicial á guarda compartilhada apenas pela boa vontade e autoridade do julgador,  quando ausente a consciente e boa vontade dos pais”[2]

A propósito do que se pode analisar em todos os tribunais da federação pátria é de que a maioria das uniões conjugais termina em conflitos, e que pela própria natureza da relação cria condições desfavoráveis a qualquer tipo de acordo, que dificulta sobremaneira a aplicação da guarda compartilhada.

A incongruência da lei em questão que trata da obrigatoriedade da guarda fará com que o magistrado ao trazer o tema a julgamento tenha que invocar os princípios constitucionais para se furtar em aplicar a lei, justamente por entender no mesmo sentido de larga doutrina e jurisprudência que entende que a melhor guarda a ser aplicada no interesse e proteção dos filhos é do da guarda unilateral.

Nessa mesma esteira nos brinda Waldir Grissard Filho (2000. p, 49).

“Pais em conflito constante,que não cooperam, vivem insatisfeitos, sem diálogo, que agem em paralelo e sabotam um ao outro contaminam todo tipo de educação e que nesse caso a guarda compartilhada seria muita lesiva aos filhos.” [3]

Como se percebe não basta apenas a vontade do legislador em impor uma norma, é necessário por tudo quanto foi exposto, observar os critérios fáticos com a regra jurídica constitucional, ou seja, o poder familiar que é aquele deferido no exercício do direito de visita e fiscalização, definido como genitor – visitante, o que difere do genitor- guardião nas palavras de Maria Helena Diniz[4] (2010. P, 1116).

  1. 3.      A GUARDA COMPARTILHADA FRENTE Á CONTITUIÇÃO

 

A Constituição em vigor trouxe inúmeros princípios, tais como o da dignidade da pessoa humana, principio da proteção integral, principio do melhor interesse, o principio da afetividade, da privacidade e intimidade dentre outros valores que devem ser respeitados no trato das relações familiares em atenção especial aos interesses dos filhos.

Então vejamos de modo didático e exemplificativo o principio da dignidade humana nas palavras do ilustríssimo professor Venosa: (2005. p. 26).

“Tal cláusula deve, inevitavelmente, reger todas as relações jurídicas reguladas pela legislação infraconstitucional, de qualquer ramo do direito e principalmente do direito de família, já que é um ramo do direito com características particulares, pois se trata de normas integradas e que regulam as relações familiares, orientados por valores morais e de bem-estar-social”[5].

No tocante ao principio da proteção integral do menor e do adolescente, se faz necessário tecer algumas considerações, haja vista que o referido princípio possui contorno nos artigos 227 da Carta Política de 1988 e artigo 3º do Estatuto da Criança e do adolescente, lei 8069/90.

Também é imperioso esclarecer que o artigo 6º da mesma lei do ECA orienta que toda a interpretação deverá sempre se dar levando em conta as condições da criança e do adolescente, tendo esse prioridade frente outros princípios, já que se percebeu a necessidade constante de se promover a proteção diante da vulnerabilidade dessa parte da população.

Essa e a lição extraída de Eliane Araque Santos ( 2006. p, 130):

“As crianças e adolescente são sujeitos especiais, pois são pessoas em desenvolvimento. E seu reconhecimento como sujeito de direitos merece a proteção do Estado, da sociedade e da família, como expresso no artigo 227 da Constituição Federal....” [6].

Ressalte-se que nessa mesma toada se apresenta o princípio do melhor interesse, que também se faz presente no artigo 227 da mesma Carta Constitucional e nos artigos seguintes do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, na cabeça do artigo 4º e artigo 5º, já que o parágrafo único do artigo 4º se apresenta de forma exemplificativa para o alcance efetivo das garantias constitucionais.

Por isso pode-se afirmar que o principio da proteção integral, de maior envergadura, não apenas confirmou como, sustentou a existência do princípio do melhor interesse como critério balizador, pois ao descortinar aquele, evidenciou- se de forma latente a sua verdadeira natureza constitucional, elevando-o a verdadeira categoria de direito fundamental.

Não é demais lembrar que a didática legal atual, tem como base e alicerce a Constituição Federal no comando do nosso ordenamento jurídico, e que preceitos como a dignidade da pessoa humana, intimidade, privacidade e outros direitos elevados a categoria de cláusulas pétreas possuem elevada carga valorativa, é o chamado princípio da força normativa, observando de maneira empírica o comando da regra jurídica.

Sem adentrar em maiores conceitos da teoria da constituição, pode-se chegar ao resultado da regra jurídica de que toda lei hierarquicamente inferior Constituição Federal e que com ela se choca deve ser extirpada de nosso ordenamento, visto estar contaminada pela inconstitucionalidade material, sendo, portanto incompatível de forma substancial a lei em face dos princípios constitucionais.

Considerando todos os preceitos constitucionais, pode-se afirmar que a imposição da guarda compartilhada, ou seja, a criação de uma receita pronta para aplicá-la ao direito de família é incompatível com a subsunção do fato a norma, posto que a lei somente se concretize em direito real e útil se atender as peculiaridades do caso concreto.

Até porque, a lei confunde a guarda compartilhada com a guarda alternada, exemplo clássico a ser rebatido é o caso de ex cônjuges que moram em Estados diferentes ou até mesmo países diferentes. Casos como esse demonstra o equívoco na obrigatoriedade e confusão feita pelo legislador, já que além de vícios e constitucionalidade, também carece de aplicabilidade a realidade fática.

É o que se depreende das lições de José Fernando Simão em artigo sobre o tema:

“No caso da guarda compartilhada, em situações de grande litigiosidade dos pais, assistiremos ás seguintes decisões:“ em que pese a determinação do Código Civil de que a guarda deverá ser compartilhada, no caso concreto, a guarda que atende o melhor interesse da criança é a unilateral e , portanto, fica afastada a regra do Código Civil  que cede diante do principio constitucional” [7].

Por hora, tal dispositivo que impõe a guarda compartilhada é sem dúvida alguma prejudicial ao desenvolvimento do menor e prejudicial ao maior incapaz, na medida em que institui a obrigatoriedade da dupla residência que contraria o real desejo do legislador constituinte.

Compartilhar a guarda significa apenas maior participação do pai no convívio e desenvolvimento da prole que de acordo com especialistas é saudável ao filho. O que não se confunde com obrigatoriedade na nova lei de ter dois lares, onde o filho passa um tempo com o pai e outro com a mãe, diante dessa situação se apresentam a chamada guarda alternada.

Ultrapassada as devidas explanações é de suma importância salientar que todos esses princípios, Convenções e Tratados Internacionais em que o Brasil é signatário estão entrelaçados precipuamente ao principio da dignidade da pessoa humana.

E que por esta e outras razões é que se torna possível a utilização dos mecanismos de controle de constitucionalidade, que tem por objetivo expurgar do sistema as normas que afrontam a constituição, ou seja, que estejam eivadas de vícios nesse caso desde a sua concepção, conforme lições do constitucionalista Michel Temer “que o controle da constitucionalidade de ato normativo significa impedir a subsistência  da eficácia da norma contrária á Constituição (grifo nosso)”.[8]

  1. 4.      CONCLUSÃO:

 

Outro ponto digno de nota assevera que de fato na absoluta maioria dos casos levado ao judiciário, quando da impossibilidade de acordo entres os pais, muito pouco provável que o juiz possa impor o rigor da lei no compartilhamento da guarda, pelo singelo fato de que a ausência de consenso, por si só, coloca em risco a integridade dos filhos envolvidos na contenda entre os dois.

Por isso que apenas em situações bem excepcionais e desde que construída sob um consenso, levando em contas todos os outros pontos já lançados, é que poderá o juiz precedido ou não de exame psicológico, adentrar no mérito do pedido e deferimento da guarda compartilhada, já que ao nosso sentir o magistrado deverá indeferir o pedido de qualquer um dos cônjuges se vislumbrado qualquer ausência de maturidade e respeito entre os pais.

Destarte, identificado que os pais não estão compromissados em educar em tomar decisões conjuntas estabelecendo rivalidades e desavenças injuriosas. Deve o judiciário quando provocado atuar para que um dos pais seja afastado do convívio do menor em nome dos princípios gerais que rege o direito de família.

Para se concluir, reafirma–se que tal lei que alterou o texto do Código Civil se deu movida por interesses políticos e não baseados em entendimento jurisprudencial ou doutrinário que é o mandamento legal da regra jurídica, tal lei ao nosso sentir deve em algum momento ser objeto de Controle de Constitucionalidade originária.

BIBLIOGRAFIA:

 

MADALENO Rolf, Curso de Direito de Familia. 4 Ed. Atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2011. p, 433-434.

GRISARD FILHO, Waldir. Guarda compartilhada – um novo modelo de responsabilidade parental. 2 ed. Revisada e atualizada e ampliada. São Paulo. Ed. Revista dos tribunais. 2000. p, 49.

SIMÃO José Fernando - GUARDA COMPARTILHADA OBRIGATÓRIA. Mito ou realidade? O que muda com a aprovação do PL 117/2013.  http://www.cartaforense.com.br/m/conteudo/colunas/guarda-compartilhada-obrigatoria-mito-ou-realidade-o-que-muda-com-a-aprovacao-do-pl-1172013/14747 - acesso em 01/02/16.

DINIZ Maria Helena. Código Civil anotado. 15 ed. Revista e atualizada. São Paulo – 2010. p, 1116.

SANTOS Eliane Araque – Procuradora do Ministério Publico do Trabalho. Criança e Adolescente - Sujeitos de Direito – Revista IBICT – 2007. p, 130. -  http://revista.ibict.br/inclusao/index.php/inclusao/article/viewFile/56/78 - acesso em 01/02/16.

TEMER Michel. Elementos de Direito Cosntitucional. 18 ed. São Paulo: Malheiros – 2001. p, 41.



[1]  ADVOGADO, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional – Rio de Janeiro- RJ. Consultor Jurídico e Empresarial. Pós graduando em Direito Cível e Trabalhista – Universidade Cândido Mendes – UCAM- 2016.

[2] MADALENO Rolf, Curso de Direito de Familia. 4 Ed. Atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2011. p, 433-434.

[3] GRISARD FILHO, Waldir. Guarda compartilhada – um novo modelo de responsabilidade parental. 2 ed. Revisada e atualizada e ampliada. São Paulo. Ed. Revista dos tribunais. 2000. p, 49.

[4] DINIZ Maria Helena. Código Civil anotado. 15 ed. Revista e atualizada. São Paulo – 2010. p, 1116.

[5]  VENOSA Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Familia. 5 ed. Revisada e atualizada. São Paulo: Atlas – 2005. p, 26.

[6] SANTOS Eliane Araque - Procuradora do Ministério Público do Trabalho – CRIANÇA E ADOLESCENTE SUJEITOS DE DIREITO – Revista IBICT – 2007.

 -  http://revista.ibict.br/inclusao/index.php/inclusao/article/viewFile/56/78 - acesso em 01/02/16.

[7] SIMÃO José Fernando - GUARDA COMPARTILHADA OBRIGATÓRIA. Mito ou realidade? O que muda com a aprovação do PL 117/2013.  - http://www.cartaforense.com.br/m/conteudo/colunas/guarda-compartilhada-obrigatoria-mito-ou-realidade-o-que-muda-com-a-aprovacao-do-pl-1172013/14747- acesso em 01/02/16.

[8] TEMER Michel. Elementos de Direito Cosntitucional. 18 ed. São Paulo: Malheiros – 2001. p, 41.