Falar a partir do primeiro Código de Menores (1927), exige uma explicação liminar da sua constituição, pois nesta década no Brasil, específico no Estado do Rio de Janeiro, estava passando por uma urbanização européia, tendo a França como modelo e os menores pobres e excluídos socialmente da época, precisavam ser recolhidos e atendidos formalmente[1], pois suas existências retratavam a pobreza da cidade e isso apresentava uma estética visual para a elite muito desagradável, esse problema precisava ser solucionado o mais rápido possível, com o movimento de higienista da cidade.

Com a invista médico – higenista a partir de meados do século passado, com a extinção da Roda dos Exposto e o início da legislação sobre a infância nas primeiras décadas do nosso século, a criança passa de objeto da caridade para objeto de políticas públicas. É nesta passagem que vamos encontrar os especialistas: os assim chamados técnicos ou trabalhadores sociais. Todo um novo ciclo se inicia (ARANTES, 1999, p. 257.).

No entanto, esse Código de Menores vigorou na Legislação Brasileira no ano de 1927.

Assim, com a progressiva entrada do Estado neste campo o que se deu a partir da década de 20 deste século, tem início à formulação de modelos de atendimento, sem que isto signifique a diminuição da pobreza ou de seus efeitos. Neste sentido, a pretendia racionalização da assistência, longe de concorrer para a mudança nas condições concretas de vida da criança, constituiu-se muito mais em uma estratégia de criminalização da pobreza e medicalização da pobreza (Ibid).

Em 1979 é instituído um novo Código de Menores (lei 6697 de 10/10/1979) elaborado por um grupo de juristas selecionados pelo governo, para substituir o Código de Menores de anterior. Não representando em si mudanças expressivas, representa pressupostos e características que colocam a criança e o jovem pobres e despossuídos como elementos de ameaça à ordem vigente. O Código atuava no sentido de reprimir, corrigir e integrar os supostos desviantes de instituições como FUNABEM, FEBEM e FEEM, valendo-se dos velhos modelos correcionais.

Pela legislação que vigorou no Brasil de 1927 a 1990, o Código de Menores, particularmente em sua segunda versão, todas as crianças e jovens tidos como em perigo ou perigosos (por exemplo: abandonado, carente, infrator, apresentando conduta dita anti-social, deficiência ou doente, ocioso, perambulante) eram passíveis, em um momento ou outro, de serem enviados às instituições de recolhimento. Na prática isto significa que o Estado podia, através do Juiz de Menor, destituir determinados pais do pátio poder através da decretação de sentença de "situação irregular do menor". Sendo a "carência" uma das hipóteses de "situação irregular", podemos ter uma idéia do que isto podia representar em um país, onde já se estimou em 36 milhões o número de crianças pobres.(ARANTES, 1999, p. 258).

Essa repressão em instituição de confinamento começa a provocar indignações éticas e políticas nos segmentos da sociedade não alienada preocupados com a questão dos direitos humanos, tanto pela perversidade de suas práticas, como pela ineficiência de seus resultados.

Diante do artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil (05/10/1998), dizendo:

"É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar a criança e o adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e aconsciência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência e opressão".

Então, iniciou-se uma articulação em prol de uma lei que colaborasse decisivamente para exigibilidade dos direitos constitucionais aos direitos infanto-juvenis, resultando no Estatuto da Criança e do Adolescente (E.C.A – Lei 8069/90), sancionado pelo então presidente Fernando Collor, no dia 13/07/1990. Assim, foi expressamente revogado o Código de Menores.

O E.C.A introduziu uma série de mudanças ao trato dado à questão da Infância no Brasil. Mias do que uma simples substituição do termo MENOR para criança e adolescente, é compreendida uma nova forma de se considerar a infância e a juventude. Com isso, observa-se uma transformação na condição sócio-jurídica infanto-juvenil, colaborando substancialmente para a conversão de "menores" em "cidadões-crianças" e "cidadões-adolescentes".

A base dessa nova concepção consiste em considerar essa população não adulta, como sujeitos de direitos, e não como objetos de intervenção, conforme foi o tratamento a eles dispensando até então; além de representar um avanço na espera das políticas sociais para a infância à medida que no Estatuto se institui a idéia de Proteção Integral e como tal, não se limita a práticas primitivas, nem tão pouco ao atendimento de "menores em situação irregular", mas refere-se à proteção quanto as direitos fundamentais da criança e do adolescente (direito ao desenvolvimento físico, intelectual, afetivo, social, cultural, e etc.).

É enfatizado também o dever da família, Estado e sociedade, em zelar pelo cumprimento de tais direitos, e assim, estende-se à Sociedade Civil, a responsabilidade que antes era concedido à família e ao Estado.

É neste sentido que as proposições do Estado trazem, a questão da cidadania para todas as crianças e jovens. Não se pode pensar em modelos de atendimentos, em medidas de proteção e em medidas sócio-educativas que não tenham a guiá-las este imperativo. Tratar as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos, não negar-lhes a humanidade e a dignidade, constituir com eles uma perspectiva de futuro: eis o único caminho, se queremos construir a paz social.(ARANTES, 1999, p. 260).

Em tempos de ventos "neoliberalizantes", a Constituição e o Estatuto, apresentando-se como legislações modernas e democráticas, que defendem a "liberdade" e a "cidadania", valorizando a sociedade civil, liberando-a da tutela protetora do Estado, correspondendo aos objetivos políticos que defendem a intervenção mínima da Estado junto as questões sócias, repassando a tentativa de solução dessas questões para a própria sociedade, via solidariedade, parceria e mobilizações.

A proposta desse trabalho até aqui, não foi de "julgar" as políticas sociais voltadas para a criança e o adolescente de maneira alienada, mas sim promover uma reflexão sobre o tema a partir da análise do contexto histórico, em sucinta redação até a nossa atualidade.

Referências Bibliográficas

ALBERGARIA, Jason. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. Rio de Janeiro: Aide, Ed. 2006.

ARANTES, Esther Maria. De "criança infeliz" a "menor irregular" – vicissitudes na arte de governar a infância In: Jacó Vilela, Ana Maria, Jabur, Fábio e Rodrigues, Hiliana de Barros Conde. Clio – Payché: Histórias da Psicologia no Brasil. Rio de Janeiro: UERJ, NAPE, 1999. Pág. 257.

BRASIL, República Federativa do Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1998.

BRASIL, República Federativa do Brasil. Estatuto da Criança e do Adolescente. (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990). Brasília, Diário Oficial da União, 1990. Ed.Reformulada.

DIAS, Heloísa Helena Pinheiro.Por que eu não estou na escola? A exploração da criança e do adolescente no trabalho. Monografia. Escola de Serviço Social, Universidade Federal Fluminense, 1999.



[1] Ver ARANTES, Esther Maria. De "criança infeliz" a "menor irregular" – vicissitudes na arte de governar a infância In: Jacó Vilela, Ana Maria, Jabur, Fábio e Rodrigues, Hiliana de Barros Conde. Clio – Payché: Histórias da Psicologia no Brasil. Rio de Janeiro: UERJ, NAPE, 1999. Pág. 257.Indicações completas, como as demais que serão citadas em notas, encontram-se na Bibliografia ao final.