35. POR UMA IGREJA SAUDÁVEL

Gostaria, pois, que soubésseis quão grande luta venho mantendo por vós, pelos Laodissenses e por quantos não me viram face a face; para que o coração deles seja confortado e vinculado juntamente em amor, e eles tenham toda a riqueza da forte convicção do entendimento, para compreenderem plenamente o mistério de Deus, Cristo, em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos. Assim digo para que ninguém vos engane com raciocínios falazes. Pois, embora ausente quanto ao corpo, contudo, em espírito, estou convosco, alegrando-me e verificando a vossa boa ordem e a firmeza da vossa fé em Cristo. (Colossenses 2.1-5)

Você se preocupa com a Igreja? Ou mais especificamente, preocupa-se com a sua própria igreja (a qual você é membro)? É digno de nota o fato de Paulo nunca ter ido pessoalmente à cidade de Colossos. Até onde sabemos, ele nunca esteve com aqueles irmãos naquele local. No entanto, ele afirma que mantinha “uma grande luta” por causa daquelas igrejas do Vale do Lico. A palavra luta (agon), neste texto, era utilizada para se referir à reunião dos gregos em seus jogos nacionais pela disputa por um prêmio. A ideia é de uma fiel torcida assistindo, agoniada,  seu timão disputando a final do campeonato.

A luta de Paulo não era física, mas espiritual. Ele torcia pelos colossenses, pelos laodicenses e por quantos não o viram face a face. Dedicava tempo em oração e escrevia cartas de exortação e orientação a estas igrejas, porque para ele, estas eram mais do que um simples ajuntamento de pessoas: elas eram o corpo de Cristo, habitação do Espírito Santo, povo comprado por preço de sangue, representantes de Cristo no mundo. Não deveríamos também lutar pela integridade da igreja de Jesus Cristo? Nosso desejo (agonia) deve ser o de ver uma igreja estável e sadia para a glória de Deus.

Nosso testemunho diário mostra o quanto temos sido relapsos e negligentes com a igreja. Enquanto em outros países milhares de cristãos reúnem-se escondidos, por causa da perseguição mortal infligida sobre a fé Cristã, a atitude predominante em nosso país é ser uma igreja que vive confortavelmente. A grande maioria dos cristãos não se preocupa com o que significa ser igreja, nem dá importância alguma à sua condição espiritual, contanto que haja atividades sociais e recreativas regularmente. 

Acredito que precisamos nos juntar ao apóstolo na luta pelo fortalecimento da igreja local, para a estabilidade e crescimento da fé.  Não podemos presumir que a igreja caminhe, cresça e se auto regule no modo “piloto-automático”.  Embora contemos com o Espírito Santo, Deus delegou a nós a responsabilidade de preservar a sã doutrina, fazer discípulos e administrar e zelar pelo corpo. Precisamos pensar constantemente sobre o que significa ser cristão e ser membro deste corpo, a igreja.

Sou grato pela igreja em que me converti cuja principal marca é a seriedade no ensino das Escrituras. Agradeço pela dedicação dos meus pastores e mestres, pelo tanto que o Senhor tem feito no meio daquela congregação e quanto Ele nos tem abençoado. Mas estas bênçãos de Deus não são para nossa jactância. São para ser repartidas e compartilhadas. Quando a igreja cai na presunção de que chegou ao ponto de se acomodar, descansar e só desfrutar o prazer do seu trabalho, achando que sua condição espiritual estará garantida para sempre, é sinal de que corre um sério perigo. Situações favoráveis mudam rapidamente em qualquer igreja, quando substituímos a luta pelo crescimento pela estabilidade da igreja. Quando digo crescimento, me refiro à qualidade e não quantidade, pois esta é o Senhor quem acrescenta (conforme Atos 2.44-47).

Atualmente, em nosso meio, encontramos inúmeros exemplos de igrejas pregando todo tipo de doutrina. Podemos perceber também, quanta mudança tem ocorrido no seio da igreja ao longo dos anos. Algumas (uma minoria, infelizmente) têm crescido na Palavra e experimentado os benefícios de uma vida plena com Deus; outras, que se aprofundaram numa ortodoxia estéril, vão minguando ao ponto de desaparecer. Algumas caíram no liberalismo, negando os fundamentos da fé cristã; outras têm realizado enormes campanhas promovendo sinais, curas e anunciando milagres “em nome de Jesus”, enquanto ironicamente dão pouquíssima atenção para a Bíblia ou a utilizam apenas como um tipo de amuleto gospel e base herética para suas abstrusidades. Há ainda as que adotam ideologias seculares, as que distorcem a Palavra para benefício próprio, as pague-pela-bênção, e assim por diante.   

Talvez Paulo não fizesse ideia de como estaríamos hoje, mas sabia que qualquer coisa de ruim poderia acontecer na igreja de Colossos se nada fosse feito. Assim, ele lutou por eles tanto em ação quanto em oração. Este texto nos chama a responsabilidade para esta mesma luta pela igreja. Você se preocupa com a Igreja? Ou mais especificamente, preocupa-se com a sua própria igreja?

36. POR UMA IGREJA ESTÁVEL

 Gostaria, pois, que soubésseis quão grande luta venho mantendo por vós, pelos laodicenses e por quantos não me viram face a face; para que o coração deles seja confortado e vinculado juntamente em amor, e eles tenham toda a riqueza da forte convicção do entendimento, para compreenderem plenamente o mistério de Deus, Cristo, em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos. Assim digo para que ninguém vos engane com raciocínios falazes. Pois, embora ausente quanto ao corpo, contudo, em espírito, estou convosco, alegrando-me e verificando a vossa boa ordem e a firmeza da vossa fé em Cristo. (Colossenses 2.1-5)

Grande parte da luta de Paulo  em favor dos irmãos do Vale do Lico estava na oração. Ele continuamente intercedia por todos, para que sua vida espiritual pudesse direcioná-los a uma maturidade genuína. Não encontramos nenhuma oração genérica registrada em suas epístolas. Em vez disso, Paulo se concentra nas necessidades específicas de igrejas particulares. Podemos encontrar em suas orações muitos exemplos que nos encorajam a fazer o mesmo (por exemplo: Filipenses 1.9-11; Efésios 1.15-23; 3.14-21). Acredito que as necessidades da igreja de Colossos encontram paralelos com as necessidades da igreja atual.

A saudação inicial de Paulo aos Colossenses era para que o coração deles fosse confortado”. Eles estavam vivendo tempos difíceis em uma região espiritualmente hostil. Enfrentavam oposição, rejeição e eram constantemente confrontados com o paganismo de todas as formas. Eles precisavam de apoio e incentivo. 

Confortar, no grego, significa literalmente “chamar ao lado”. Em nossa cultura, pensamos imediatamente em “oferecer o ombro”, o que pode ser um erro. Embora “chamar ao lado” seja uma atitude de conforto, não é para “passar a mão na cabeça do coitadinho”. Confortar, aqui, é uma atitude que visa aliviar a tensão enfrentada por aquele que se sente lutando só. Seria mais bem expressa pela ideia de “oferecer um braço” e não o ombro. O mais importante, é que isto só acontece no campo dos relacionamentos pessoais, ou seja, só acontece quando há amor e interesse pela vida e ministério uns dos outros, conforme explica: “vinculados juntamente em amor”.  Esta é uma maneira pitoresca de mostrar como é importante fazer parte do corpo de Cristo! 

Paulo queria que os colossenses aprendessem o encorajamento mútuo. Também aos tessalonicenses ele chegou a escrever: ​Consolai-vos, pois, uns aos outros e edificai-vos reciprocamente, como também estais fazendo”. (1Tessalonecenses 5.11). Sejamos honestos sobre isso. Vivemos dias em que o individualismo é cultivado e o exclusivismo cultuado. Esse é o espírito ocidental: traçar seu próprio curso, fazer sua própria carreira, não necessitando do auxílio de qualquer outra pessoa, ou seja, “ser mais você”! Mas esse não é o projeto de Deus para seus filhos! Paulo explica que o incentivo necessário deve vir através de suas relações (uns com os outros) na igreja, e a base era o vínculo do amor.

Queridos, nós fomos unidos em Cristo! A revelação de Deus em Cristo não pode ser compreendida isolada do companheirismo dos outros cristãos. O contexto do que estava acontecendo pode nos ajudar a entender isso melhor. Os falsos mestres em Colossos estavam tentando persuadi-los com “raciocínios falazes”. Provavelmente a estratégia era tentar isolar uma pessoa aqui, ou um grupo ali, a fim de iludi-los com suas apresentações. Os intrusos sabiam que se tentassem confrontar toda a igreja com o seus ensinos, eles seriam rapidamente repelidos. Portanto, a tática consistia em caminhar sorrateiramente entre a igreja e isolar uma pessoa após a outra, convencendo-os de seus pontos de vista místicos, ascéticos, legalistas ou gnósticos. No processo eles esquartejariam o corpo, separando um membro do outro, criando uma cisão nos relacionamentos.

Lembro-me de quando comecei minhas primeiras matérias no CTL (Curso de Treinamento de Lideres) num seminário teológico. Uma aluna aproveitava cada intervalo da aula para disseminar suas ideias com uma ou outra colega, isoladamente. Mais tarde, soube que ela “fundara uma igreja” e que se colocara como pastora onde promovia cultos de curas e milagres. Para alguns, isto pode parecer normal, mas para quem está bem fundamentado nas Escrituras não é! Este exemplo ilustra exatamente o que lemos aqui. Quando uma pessoa se distancia da centralidade da Palavra de Deus e passa a dar mais importância para histórias de visões, experiências subjetivas, regras e preceitos humanos, inevitavelmente irá se enveredar por caminhos escusos. Suas interpretações e seus ensinos heréticos serão obviamente voltados para o que melhor lhe convém e, consequentemente, “seus convertidos” aprenderão que a sua vida, sua saúde, sua prosperidade, sua experiencia e o amor próprio são as coisas mais importantes a se buscar. Daí, segue que o teor de suas orações estarão sempre voltados para o bem estar individual. O que foge disto, pregam, “é do maligno”.

Aprendamos que verdade não é melhor aprendida “secretamente”, nem experimentada “misticamente”. É na preservação da sã doutrina, na união do corpo, no cadinho das relações e do companheirismo permanente (uns com os outros), que nós temos a verdade confirmada e solidificada em nossas vidas. Que nossas preocupações e anseios estejam voltados para além de nós mesmos.

37. POR UMA IGREJA RICA

 Gostaria, pois, que soubésseis quão grande luta venho mantendo por vós, pelos laodicenses e por quantos não me viram face a face; para que o coração deles seja confortado e vinculado juntamente em amor, e eles tenham toda a riqueza da forte convicção do entendimento, para compreenderem plenamente o mistério de Deus, Cristo, em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos. Assim digo para que ninguém vos engane com raciocínios falazes. Pois, embora ausente quanto ao corpo, contudo, em espírito, estou convosco, alegrando-me e verificando a vossa boa ordem e a firmeza da vossa fé em Cristo. (Colossenses 2:1-5)

Paulo queria que a igreja de Colossos fosse rica! Calma, não se trata de teologia da prosperidade. Não se trata da riqueza perecível deste mundo, mas da riqueza eterna, que vem através de um verdadeiro conhecimento de Jesus Cristo: “...tenham toda a riqueza da forte convicção do entendimento, para compreenderem plenamente o mistério de Deus, Cristo”. A riqueza é a plena certeza de entendimento. Do que? Do conhecimento verdadeiro de Cristo. 

Em outro texto, podemos ver que esta era também a grande busca de Paulo: ​para o conhecer, e o poder da sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte(Fp 3.10). A estatura do cristão é medida pela forma como ele está crescendo em seu relacionamento íntimo com Jesus Cristo. Aqui Paulo fala de uma garantia que nos leva não apenas a uma compreensão melhor dos fatos a respeito de Cristo, mas de uma experiência mais rica, mais relacional com Jesus.   

Compreender significa unir fatos e juntar verdades de tal forma que conclusões possam ser tiradas. Com isto, podemos entender que o “mistério” de Deus é Jesus, com quem nos relacionamos. Foi o próprio Deus quem O revelou (desvendou o mistério) para que pudéssemos desfrutar desta rica comunhão. Em face das ameaças que os acréscimos dos falsos mestres representavam, esta plena certeza da comunhão com Cristo era vital. 

Para isto precisamos, primeiramente, desenvolver uma compreensão sadia do Evangelho. Vamos recapitular as bases da fé cristã para que ninguém tenha dúvidas sobre aquilo que afirmamos crer. Todos somos pecadores, sem exceção (Rm 3.10-12) e o nosso pecado nos condena! Na cruz, Jesus Cristo pagou o preço de TODOS os pecados de TODA humanidade (Cl 2.14; 1Jo 2.2), e nossa salvação está atrelada somente à fé na suficiência e eficácia da Sua obra (Jo 3.16-18). Esta salvação é totalmente gratuita independente de algo que possamos produzir (Ef 2.8-9) e a garantia da nossa salvação é uma questão de confiança naquilo que Deus proveu para nós, e não na força da nossa carne (2Tm 2.13;  Rm 5.10,11).

Se você pensa diferente e crê que depende de sua conduta perfeita seja para salvar-se ou para manter-se salvo ainda não entendeu que a salvação é pela graça ou não tem noção do que é “pecado” e é extremamente arrogante e pretensioso por achar que pode ter alcançado um estado de impecabilidade absoluta. Se você pensa que pode se garantir por esforço próprio, então eu posso apenas aconselha-lo a mergulhar na Palavra e voltar-se para o Evangelho. Estude-o. Olhe para ele. Pense sobre quem você é e quem Deus é. Aceite a suficiência da obra de Jesus para você. Somente ela pode nos dar toda a segurança que precisamos para crescer na fé.

Alguns não discutem esta questão de segurança da salvação, pensando ser algo sem importância. Outros a atacam veementemente. Mas eu gostaria de salientar que a defesa desta doutrina é fundamental para a fé cristã. Voltar-se para esta verdade pode significar tomar o caminho para a verdadeira salvação depois de colocar sua fé no lugar errado por muitos anos. É a alegria de saber que você realmente é nascido de Deus com todas as implicações que esta realidade traz. Daí a importância de estar unidos em “plena certeza de entendimento”. 

O Evangelho não é apenas factual, é a Verdade de Deus que deve ser experimentada e colocada em prática diariamente em nossa vida. Mudança de mente, de atitude e de comportamento requer confiança na Palavra aprendida, obediência a Deus e disposição para depender do Espírito. Temos que nos perguntar: a quem eu estou procurando agradar? Estou convencido e confiando que a vontade de Deus é a melhor para minha vida em todas as situações? Estou disposto a obedecer e fazer a Sua vontade em vez da minha? Estes são os primeiros passos para quem já nasceu de novo. Leia atenciosamente a primeira epístola do apóstolo João. Lá ele descreve como podemos vivenciar na prática o amor cristão.

Outra pergunta que devemos fazer é: qual evidência eu tenho da habitação do Espírito Santo de Deus? Gálatas 5.22-23 mostra o fruto do Espírito em nossa vida em oposição às obras da carne apresentadas anteriormente. Além de nos disponibilizar este fruto, o Espírito nos capacita com dons para edificação do Corpo, que é a igreja e ainda testemunha com o nosso espírito que somos filhos de Deus. Gostaria de recomendar um estudo de Romanos 8 para ajudar a compreender essa realidade. Não há riqueza maior que possamos almejar nesta vida do que a compreensão e a plena convicção da obra restauradora e edificadora de Cristo.   

Quando uma igreja anda na verdade, calcada na Palavra e crescendo espiritualmente, o que acontece? Ela começa a se preocupar com instalações maiores e mais confortáveis? Não! Precisamos lembrar que nossa preocupação não deve estar em ser a maior e a melhor (materialmente falando), mas numa profunda certeza de que estamos fundados numa fé genuína que deve nos levar a uma satisfação plena em Jesus. devemos mudar nosso foco das coisas do mundo e dos nossos desejos, para a magnificência do conhecimento de Cristo. 

Os falsos mestres tentaram fazer com que os cristãos colossenses pensassem que havia algo melhor do que conhecer a Cristo; algum conhecimento misterioso além do Evangelho puro e simples. Paulo diz a eles que todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento foram revelados em Jesus. O Apóstolo não conseguia pensar em nada melhor, mais grandioso, mais gratificante e mais rico do que o prazer de conhecer Jesus Cristo! 

É curioso notar como ainda hoje, falsos pastores e mestres sugerem deter doutrinas e práticas espirituais superiores ao conhecimento de Cristo, mas sempre enfatizam (antagonicamente) coisas terrenas como saúde, prosperidade e satisfação egoísta. Para combate-los, precisamos  perseverar no ensino, no amor, no serviço, no testemunho, na exortação e na oração para que a igreja esteja plenamente satisfeita em Jesus Cristo.

  

38. POR UMA IGREJA BÍBLICA

Gostaria, pois, que soubésseis quão grande luta venho mantendo por vós, pelos laodicenses e por quantos não me viram face a face; para que o coração deles seja confortado e vinculado juntamente em amor, e eles tenham toda a riqueza da forte convicção do entendimento, para compreenderem plenamente o mistério de Deus, Cristo, em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos. Assim digo para que ninguém vos engane com raciocínios falazes. Pois, embora ausente quanto ao corpo, contudo, em espírito, estou convosco, alegrando-me e verificando a vossa boa ordem e a firmeza da vossa fé em Cristo. (Colossenses 2.1-5)

Paulo apresenta dois cenários possíveis para a igreja. Um deles é idêntico à realidade da igreja de Colossos. O outro poderia se tornar realidade se os colossenses negligenciassem suas responsabilidades como igreja. A primeira cena é motivo de alegria, conforme lemos no verso cinco: Pois, embora ausente quanto ao corpo, contudo, em espírito, estou convosco, alegrando-me e verificando a vossa boa ordem e a firmeza da vossa fé em Cristo”.

Paulo alegrava-se com a igreja de Colossos porque ele fora informado da sua “boa ordem”. Este termo era utilizado no meio militar e se referia à organização das tropas no campo, pronta para uma batalha. Assim como um soldado deve se comportar de maneira adequada, eles estavam vivendo do jeito que se espera que um cristão viva: cuidando de sua vida espiritual e fortalecendo-se na graça necessária para o crescimento espiritual.   

Podemos perceber algumas dessas características na saudação de abertura de Paulo em Colossenses 1.3-8. Estes irmãos tinham uma fé ancorada em Jesus Cristo, um amor vibrante para com seus companheiros de fé, uma esperança viva em Cristo, perseverança na Palavra, consistência no crescimento, um espírito dócil e um amor orquestrado pelo Espírito Santo. Mas eles ainda não haviam alcançado o topo, e assim como eles, todo cristão encontra-se em algum lugar neste processo de maturidade espiritual e (pode ter certeza) há muito espaço para crescer. 

Paulo também se refere a firmeza da vossa fé em Cristo e mais uma vez utiliza um termo militar que aponta para “um pelotão de frente”. Além disto, este termo era utilizado como uma fundação sólida ou um lugar fortificado onde se podia descansar confiantemente. Esta firmeza dava-se porque sua fé estava ancorada em Cristo. Embora cercados por falsos mestres que tentavam iludi-los, a base de sua fé era sólida: a suficiência da obra de Cristo, não dava espaço para nenhum acréscimo ou reivindicação de mérito pessoal.

Penso que não é por acaso que Paulo usa linguagem militar neste texto: a eficácia dum exército não acontece por acaso. Eles trabalham duro e devem estar preparados para qualquer tipo de situação que possam enfrentar. Somos lembrados que a passividade não constrói igrejas fortes. O esforço deve ser por parte de todos os membros do corpo. Buscar crescimento espiritual não é um luxo, mas uma necessidade. Estabilidade através de uma fé viva em Cristo deve ser o curso natural de nossa vida. 

Quando Paulo inicia um novo parágrafo, a outra cena é bem diferente: Assim digo para que ninguém vos engane com raciocínios falazes. Não há evidências que esta situação já tinha acontecido, pois, caso contrário, afetaria a “boa ordem e a firmeza da fé” que eles tinham. A importância deste versículo está no fato de ele explicar o motivo da epístola. Paulo queria ter certeza de que o desenvolvimento espiritual daquela igreja não seria afetado. Isto não tinha acontecidomas poderia acontecer, e embora a igreja estivesse estreitamente relacionada com ele através do ministério de Epafras, esta estava sujeita a ser enganada.

Como isso pode acontecer? A frase “que ninguém vos engane” faz referências a alguém usando argumentos que parecem ser bons, racionais, e até mesmo razoáveis, mas que levam a conclusões erradas. Tais argumentos podem até fazer algum sentido, e por serem tirados de algum texto bíblico aparentemente encontram algum respaldo nas Escrituras. Infelizmente, isso é o que mais tem acontecido na história da igreja. Vejamos:

Já nos primórdios da igreja, os apóstolos lutavam contra o gnosticismo, as doutrinas judaizantes, etc. Anos mais tarde, foi a vez de combater heresias como o arianismo, o docetismo, o sabelianismo, montanismo, adocionismo, entre outras. Depois vieram os dogmas, introduzidos gradualmente pelo catolicismo romano que dominaram isolados por um milênio (e perduram até hoje). Mais recentemente, assistimos o surgimento de muitas seitas no seio da igreja:  as falsas doutrinas introduzidas por Hellen White em suas profecias para os Adventistas do Sétimo Dia; as visões e novas revelações concedidas a Joseph Smith que deu início aos Mórmons e as interpretações esdrúxulas de Charles Taze Russel, precursor das Testemunhas de Jeová são alguns exemplos.

Há ainda outros, como Alexander Campbell, pastor batista, que ao tirar passagens de seu contexto bíblico levou milhares de pessoas a pensar que o batismo nas águas é necessário para a regeneração (ainda hoje muitos pensam assim); ou como o reverendo presbiteriano Edward Irving que começou a ensinar sobre a necessidade do restabelecimento de apóstolos, profecias, imposição de mãos para receber o Espírito Santo, e enfatizar dons de cura e de línguas. Suas interpretações equivocadas das Escrituras foram tamanhas que Irvin é admirado e aclamado no meio espírita como um dos antecedentes da codificação mediúnica. Note o que consta na História do Espiritismo:

“Em 1831, o então pastor, Edward Irving registrou em sua igreja um fenômeno semelhante ao episódio bíblico do Pentecostes, no qual os adeptos falavam simultaneamente idiomas desconhecidos entre eles. Na Califórnia, em 1837, um grupo protestante inglês ali estabelecido, a Sociedade Unida dos Crentes no Segundo Advento do Cristo, apelidado de “shakers” (os que se agitavam numa dança coletiva), passou a ser abordado por Espíritos de índios peles-vermelhas, que se manifestavam através dos próprios colonos e eram por estes ‘evangelizados’, num processo de intercâmbio e doutrinação que futuramente se tornaria muito comum nos centros espíritas.”

 O seguinte trecho encontra-se num texto da página da União Espírita Paranaense:

Excomungado em 1833, Irving e os partidários que lhe ficaram fiéis andaram a procura de um novo local, e vieram encontrá-lo na sala usada por Robert Owen, o socialista, filantropo e livre pensador, destinado, vinte anos mais tarde, a ser um dos pioneiros conversos do Espiritismo. Aí, Irving reuniu os fiéis e reorganizou a sua igreja, com o seu anjo, seus presbíteros, seus diáconos, suas línguas e profecias, na melhor reconstituição da primitiva igreja cristã jamais realizada. Todavia, as discussões com teólogos teimosos e recalcitrantes membros de seu rebanho, acabaram por abater a sua alma ardente e devotada.”

Os ensinos de Irwin se arrastaram pelo século seguinte, e foram ganhando força, primeiramente com John Alexander Dowie, que influenciou Charles Parham, conhecido como fundador do pentecostalismo moderno. As doutrinas por ele ensinadas em seu seminário em Topeka, Kansas, se alastraram pelo mundo por causa das experiências extáticas de Agnes Ozman e Willian Seymour culminando com a explosão do pentecostalismo e o movimento carismático que perpetuam até hoje. Deste modo, os ensinos e as experiências místicas de Edward Irving pavimentaram o caminho tanto para o espiritismo quanto para o pentecostalismo.

Alguns estudiosos identificam este movimento com o ressurgimento do montanismo, por sua semelhança doutrinária com os ensinos de Montano, herege do século II. Mais recentemente, adicionando “novidades” a este movimento, Peter Wagner (outro ‘pastor evangélico’) começou a utilizar as Escrituras para promover movimentos de crescimento da igreja através de exibições de poder, bem como mapeamento e guerra com espíritos territoriais. A influência de Wagner contaminou muitas denominações e se alastrou pelo mundo inteiro. Todas estas heresias encontraram terreno bastante fértil no Brasil, pois nosso povo sempre demonstrou forte inclinação para o místico e o emocional.

Em meio a todo este delírio, pessoas são constantemente “enganadas com raciocínios falazes”. Estes são representações aparentemente racionais (ou não) carregadas de argumentos persuasivos.  Muitos engolem porque estas abstrusidades são faladas de púlpito por uma figura popular, carismática e eloquente. Para os incautos ele mostra habilidade e domínio bíblico em suas colocações, mas para quem está bem alicerçado na fé em Cristo e conhece a sã doutrina, tudo o que estes enganadores falam cheira podre: não passa de enganos e ilusões que nos distanciam da pureza do evangelho de Jesus Cristo.

A vacina contra estes falsos mestres é desenvolver uma mentalidade bíblica. É digno de nota a atitude dos bereanos registrada em Atos 17.11:

Ora, estes de Beréia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim.

Não se contente com o que você ouve, mesmo que venha embrulhado em papel de Bíblia com um lindo laço cor-de-rosa. Confira o que você ouve com a rocha inabalável da Escritura. Estes devaneios seriam extirpados das igrejas se todos fizessem isso. Não apenas os pastores e mestres, mas todos os membros da Igreja têm a responsabilidade de aprofundar-se nas Escrituras, para que possam efetivamente discernir a presença de falsas doutrinas.

O registro de Oséias estava certo e continua valendo: “Meu povo perece por falta de conhecimento!” 

 

39. NOSSO FUNDAMENTO

Ora, como recebestes Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele, nele radicados, e edificados, e confirmados na fé, tal como fostes instruídos, crescendo em ações de graças. (Colossenses 2.6-7)

Paulo tinha uma maneira muito peculiar de simplificar verdades profundas, e este texto é um bom exemplo disto. Alguns estudiosos afirmam que esta passagem é a ‘dobradiça’ da carta inteira. O apóstolo explica que não podemos fazer melhor do que Cristo, nem podemos melhorar o que Jesus Cristo fez por nós e o que recebemos dEle quando cremos no evangelho.

Espero que todos nós estejamos convencidos de que a vida cristã é para ser vivida! Nós não fomos reconciliados por Cristo, justificados pela fé, perdoados de nossos pecados, para permanecer em ponto morto. Como Paulo escreveu em Filipenses 1.6: Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus

O grupo que procurava corromper a fé dos Colossenses através de seus falsos ensinos e argumentos astutos estava sempre na mira do pensamento de Paulo – principalmente nesta epístola. Aqui ele trata de nosso caminhar com Cristo, mas sem nenhuma fórmula mágica, instantânea, do tipo faça-fácil. Em sua caminhada diária, você nunca deve se distanciar dos fundamentos do Evangelho. Há aqueles que pregam um crescimento instantâneo miraculoso; outros insistem que devemos buscar níveis de espiritualidade à parte de Cristo ou persistem em novas experiências além do Evangelho. Mas este texto nos chama de volta para a sanidade em nossa caminhada com Cristo.

Religiosidade sempre traz consigo presunção ou decepção. São muitos que professam a fé evangélica, mas nunca conheceram a alegria da graça salvadora. Muitos ainda vivem com medo pensando que se não demonstrarem determinado grau de espiritualidade (visível) ou se cometerem algum deslize “perderão” a sua salvação. Penso que estes nunca conheceram a alegria da graça em suas vidas. Milhares de pessoas engrossam as fileiras dos movimentos evangélicos, e presumem que são crentes porque vestem as roupas indicadas, cantam os hinos certos e dão o dízimo fielmente. Trabalham duro, gastam suas energias, devotam sua vida à congregação que frequentam, mas se decepcionam quando suas ações não são correspondidas, ou pior, quando algo de mal lhes acontece. Frustram-se porque nunca cresceram na fé. São imaturas porque nunca caminharam com Cristo. Nunca o fizeram porque sua fé sempre esteve baseada no que ela mesma pode produzir e não no Evangelho. Assim foram ensinadas pelos seus mestres: não faça isto/não faça aquilo e pronto.

É presunção tentar andar com Cristo sem primeiro conhece-lo como Redentor e reconhecer que Ele é o Senhor. “Segue-me”, é o convite que Jesus costumava fazer. Mas o que me motivaria largar tudo e seguir alguém? Os benefícios materiais que ele pode me proporcionar? Isto é ser interesseiro. Para seguir uma pessoa é preciso primeiro conhece-la, saber quem ela é, aonde quer me levar e confiar minha vida em suas mãos. Então como podemos caminhar com Cristo sem conhece-lo? Sem conhecer a sua obra e o Seu caminho? Sem saber para onde Ele quer nos levar? Sem a fé na suficiência de sua obra na cruz? Portanto, como recebestes Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele, nele radicados, e edificados, e confirmados na fé”.

A palavra “recebestes” aponta para a confiança na mensagem entregue. Paulo tinha em mente com o uso deste termo que os Colossenses haviam recebido a mensagem  do evangelho, compreendido claramente e crido na veracidade daquela Palavra. Agora, tenha sempre em mente que os falsos mestres estavam tentando impressioná-los com seu conhecimento secreto e mistérios ocultos que iam além do Evangelho. Paulo, então, utiliza este termo para lembrá-los de que eles receberam a mensagem correta e esta era suficiente. Não era um “meio-evangelho” que precisava ser adicionado algum complemento. O verdadeiro evangelho é completo em todos os sentidos, e totalmente adequado para a salvação daqueles que creem.  Nada pode ou precisa ser adicionado a ele para a sua melhoria. 

Isso nos lembra que nossa fé deve ser construída sobre o fundamento posto pelos apóstolos: o evangelho de Jesus Cristo, conforme lemos em I Coríntios 3.10-11 e Efésios 2.20:

“Segundo a graça de Deus que me foi dada, lancei o fundamento como prudente construtor; e outro edifica sobre ele. Porém cada um veja como edifica. Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo.”

“... ​edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular.”

É esse evangelho que encontramos nas Escrituras. Desde o dia em que ele foi entregue aos apóstolos, foi registado para ser anunciado às gerações posteriores, para ser lido, discutido e compreendido. Não é como aquele que os detratores de Colossos propunham: misterioso, oculto, desconhecido, exceto para poucos iniciados. Nem é simplesmente uma experiência que alguém tem e que não pode ser explicada em termos racionais. O evangelho é a verdade de Deus para nós, poderoso para nos salvar, compreendido racionalmente e aceito pela fé.

Cito como exemplo, o caso de um pastor que levaria a Palavra pela segunda vez a uma igreja conhecida pelos altos “améns” durante a pregação. O pastor percebera que eles não prestavam atenção ao que estavam afirmando, simplesmente seguiram a cadência da voz do pregador como o momento certo para inserir um "Amém". Cansado de tal insensatez, este ministro distorceu o texto, e falava eloquentemente fazendo declarações descaradamente anti-bíblicas durante a primeira metade do seu sermão. Como sempre, a igreja bradava em voz alta os seus "améns". Num certo momento, ele disse-lhes o que estava fazendo e que a igreja estava concordando com o falso ensino, mostrando o quanto a igreja não conhece as Escrituras e quão facilmente ela pode ser enganada. 

Anualmente, milhares de livros são escritos. Centenas de conferências têm sido realizadas, multiplicadas em CD,s, DVD,s, anais e compêndios. Nomes são projetados e aclamados por se destacarem em determinados segmentos, sempre focando os que conseguem agregar mais almas ou cifras possíveis. Com estes vêm uma variedade de ideias, fórmulas e experiências ditando as tendências e etapas que o cristão deve seguir. Em meio a isto tudo, o evangelho fica ofuscado e muitos sequer imaginam o que é caminhar com Cristo.

Voltemos ao Evangelho genuíno, à essência do cristianismo. Ele tem sido provado por séculos e é tão suficiente como a dois mil anos atrás: não precisa de atualização para um novo século. Em 1 Coríntios 15.3-4 Paulo descreve mui sucintamente que evangelho é este:

​Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras.

Este evangelho sozinho... “é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Romanos 1.16-17).

 

 

  

40. RECONHECENDO A FUNDAÇÃO

Ora, como recebestes Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele, nele radicados, e edificados, e confirmados na fé, tal como fostes instruídos, crescendo em ações de graças. (Colossenses 2.6-7)

 O versículo sete é composto de uma série de ações que são fruto da nossa experiência pessoal com o Senhor: radicados, edificados, confirmados na fé, instruídos e crescendo em ações de graça. A primeira ação é singular.  A palavra radicados (erhizoomenoi) foi escrita no modo particípio passivo no grego. Isso significa que o apóstolo se referia a uma ação que aconteceu (o enraizamento) e que nunca mais precisa ser repetida. Já a voz passiva nos lembra que não somos nós quem provocamos a ação, mas fora realizada pelo próprio Senhor. Assim podemos entender o significado de “estar enraizado em Cristo”.    

Paulo utilizou esta palavra como metáfora porque originalmente ela podia ser aplicada tanto no meio agrícola quanto no ramo da construção. Agricolamente falando, o termo nos lembra da utilidade das raízes numa planta: seja um baobá gigante, ou uma delicada violeta. Se não houver raízes, a planta não pode viver. O desenvolvimento e a vida duma planta dependem de uma série de fatores, mas ela começa pelo enraizamento. Semelhantemente, são suas raízes em Jesus Cristo que garantirão o seu crescimento. Daí a importância deste enraizamento. Este é o elemento primordial para o nosso crescimento.

Podemos ainda, analisar esta metáfora enfatizando uma construção, onde esta mesma palavra se aplica na a fundação de um edifício. O que chamamos de alicerce, o grego antigo chamava de raiz do edifício. Se você ignorar que uma boa base é fundamental para uma construção sólida, então ela logo vai ruir. O que Paulo está nos dizendo é que toda nossa vida cristã ergue-se a partir desta fundação: Jesus Cristo.   

Se tentarmos construir qualquer coisa em nossa vida cristã, fora deste alicerce, será em vão. Isso significa que a nossa experiência com Cristo deve embasar todo nosso crescimento e vida cristã. Ademais, este edifício nunca para de ser construído. Paulo nos lembra que fomos “firmemente enraizados e edificados n'Ele”. O uso do verbo “edificados” no tempo presente mostra que a construção se mantém em curso. Literalmente: fomos enraizados e estamos sendo edificados em Cristo. Não pense na vida cristã como um barraco ou uma casa térrea, de um ou dois andares. 

Outro detalhe importante que devemos considerar, é que a voz passiva nos desperta para o fato de que o Senhor é o construtor. Note o que Paulo escreveu aos Filipenses:

"Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus... ​porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade." (Filipenses 1.6; 2.13)

Portanto, somos edificados em Cristo pelo Pai. Talvez nenhum texto afirme isso mais claro do que Romanos 8.29:

"Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos."

E João nos diz:

Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como Ele é.(I João 3.2)

Crescimento cristão ou santificação é o processo de nos tornarmos “como Ele é”. Deus Pai não terá terminado de trabalhar com a gente até sermos um reflexo de Seu Filho, Jesus Cristo.  Portanto, o alvo do crescimento cristão é alcançar a imagem de Cristo. E como seria esta imagem? Veja:

“...aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma.”

“​Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros.”  (Mateus 11.29; João 13.35)

Desenvolver um caráter cristão, um caráter perfeito, aprovado pelo Pai necessariamente começa com aprender a ser manso e humilde (abrir mão de seus direitos e exigências), e amar como Cristo nos amou (preferir o próximo antes mesmo de nossas preferências). É basicamente isto que deve estar acontecendo constantemente em nosso processo de santificação.

Paulo explica, ainda, que os crentes são continuamente “confirmados na fé, tal como fostes instruídos”. A palavra “confirmados” refere-se a uma constante preocupação com a estrutura do edifício. Além do alicerce, as vigas e colunas de sustentação devem continuar sendo reforçadas à medida que o edifício cresce. Da mesma forma, as raízes de uma árvore se aprofundam e o tronco engrossa à medida que sua copa aumenta. Mas solidificado em quê? Em nossa fé, tal como fomos instruídos. Por isso o estabelecimento de uma fé genuína é fundamental.

Estas duas palavras (fé e instrução) combinadas nos ajudam a entender o conceito bíblico de fé. Ela pode ser usada subjetivamente, referindo-se a confiança que temos em Cristo, mas aqui fica bastante evidente que Paulo está usando esta palavra de forma objetiva, referindo-se ao conjunto de verdades em que acreditamos (baseamos nossa fé). Com isso, devemos aprender que o cristão deve buscar continuamente crescer em sua compreensão da verdade. Devemos nos empenhar na busca de um maior conhecimento de tudo o que é revelado na Palavra. Apesar de o evangelho de Cristo ser nossa pedra fundamental e chave interpretativa para tudo o que aprendemos,  podemos aprender muito mais na Palavra do que “somente” o evangelho.

Quais são os equipamentos que você precisa para caminhar com Cristo? Mire-se no próprio Jesus Cristo, aprenda diariamente com Ele. Vá para a Palavra. Mergulhe nela. Alimente-se dela. Deseje adquirir suas riquezas. A Palavra é um mar de conhecimento na qual podemos usufruir inesgotavelmente. A cada dia descobriremos que nosso conhecimento nunca irá conter tudo o que há de Jesus Cristo e a maravilhosa graça do seu evangelho. Todos os dias, vá à fonte para se fortalecer na fé.

O cristão que cresce em conhecimento reivindica maior iluminação apenas na medida em que ele se mantém fiel às verdades aprendidas, pouco a pouco,  de acordo com o que tem aprendido e que o leva a se parecer mais com Cristo. Continue alicerçado nesta Rocha, mas olhando para o alto. Todo crescimento remete à fundação, senão é espúrio. Assim também é o nosso crescimento espiritual.

O plano de Deus é nos levar à estatura do seu Filho. Portanto, não O atrapalhe com sua falsa modéstia e conceito de espiritualidade. Foi Ele quem fez germinar as sementes do Evangelho em nossos corações, e é Ele quem deve promover o nosso crescimento.  Apenas deixe Deus trabalhar em sua vida. Por favor, não seja religioso!

 

  

41. QUE MEDIDAS DEVEMOS TOMAR?

Ora, como recebestes Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele, nele radicados, e edificados, e confirmados na fé, tal como fostes instruídos, crescendo em ações de graças. (Colossenses 2.6-7)

Paulo não estava encorajando a passividade nesta passagem. Ele lembra aos cristãos de Colossos tudo o que Deus estava fazendo por eles e para eles, porém ele os exorta a “andar” em Cristo:

“Portanto, como você recebeu a Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele”.

 Andar é um termo bastante comum quando nos referimos ao caminho ou conduta de vida de uma pessoa. Andar diz respeito à nossa moral, a vida ética, social, mental e espiritual. Diz respeito a como vivemos em sociedade, como respondemos às intempéries da vida e dos relacionamentos pessoais, como tomamos decisões, como utilizamos nosso tempo, o que fazemos com nossas posses materiais, enfim, todas as coisas que compõe o emaranhado da nossa vida de acordo com nossas crenças e valores.

 Para Paulo, não havia dúvidas quanto à forma como um cristão deveria viver. Ele condicionava tudo o que somos e o que fazemos ao nosso relacionamento com Jesus Cristo, o Senhor. Toda nossa vida deve ser moldada pela realidade que “Jesus Cristo é o Senhor” (Filipenses 2.11).  Portanto, não deve haver dúvida quanto à maneira pela qual devemos conduzir nossa vida, pois, assim como recebemos a Cristo pela sua graça, mediante a fé, assim devemos viver diariamente. Não precisamos ficar à espera de uma segunda bênção, ou de uma experiência extraordinária, ou qualquer outra coisa do gênero. Devemos, sim, viver diariamente a alegria de ter sido comprado por Cristo; aprender a beber dos poços profundos e refrescantes da Sua graça, para enfrentar o que quer que tenhamos de enfrentar e assim descansar em Sua suficiência.

O comando para andar nos lembra de que devemos estar caminhando em nosso crescimento espiritual. Somos instruídos o tempo todo a “andar em novidade de vida” (Romanos 6.4), “andar dignamente” (Romanos 13.13),  “andar no Espírito” (Gálatas 5.16 e 25), “andar na verdade” (2 João1.6), “andar ​com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor” (Efésios 4.1-2).  Todas essas ações, que visam nosso crescimento espiritual, são ações intencionais por parte do cristão. Enquanto o Senhor é seguramente a rocha alicerçal de nossa edificação, a raiz que sustenta e alimenta todo o corpo, é nossa responsabilidade buscar as coisas que vão colaborar para um crescimento sadio. Isso certamente não acontece por viver na frente de um aparelho de TV ou um vídeo game, nem quando se vive para a diversão ou entretenimento, nem por passar tempo navegando na net. Porém, isso acontece quando você decide aprofundar-se em conhecer mais de Jesus Cristo e sua obra.

Paulo usa um verbo no tempo presente para nos lembrar de que este é um processo contínuo na nossa vida. Um cristão novo na fé deve se esforçar para dar os primeiros passos (como um bebê), mas ele não pode ficar engatinhando para o resto da vida. Devemos continuar seguindo em nossa caminhada com Cristo. E assim, conforme seguimos em frente, amadureceremos em Cristo. Mas nunca devemos nos tornar presunçosos a ponto de achar que atingimos tal espiritualidade a ponto de afrouxar o passo. Conforme nos estimulou Paulo com suas palavras e exemplo:

“​Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus. ​Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, ​prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.” (Filipenses 3.14)

Um espírito soberbo implica numa vida não mais focada na grandeza de Cristo. A realidade que vemos quando caminhamos com Cristo é uma vida transbordando de ações de graça. Um coração grato significa que nossas mentes foram preenchidas com a realidade de que Jesus Cristo nos salvou. A partir do momento que surgirem os primeiros traços de arrogância e orgulho, significa que perdemos de vista os fundamentos da vida cristã.  Gratidão nos faz humildes e nos mantém na dependência daquele que nos redimiu pela sua infinita misericórdia e graça. 

 

 

42. NÃO SE DEIXEM ENGANAR!

Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo; porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade. Também, nele, estais aperfeiçoados. Ele é o cabeça de todo principado e potestade. (Colossenses 2.8-10)

Tanto Jesus quanto os escritores do Novo Testamento advertem sobre o aparecimento de enganadores cujo propósito é ludibriar aqueles que se dispõe a seguir a Cristo. Já no primeiro século surgiram inúmeros charlatões, curandeiros e fraudadores religiosos que astutamente manipulavam as opiniões para obter o domínio sobre os cristãos desavisados. No coração de tais sistemas havia a insistente ideia de que Jesus Cristo não era nem suficiente em sua pessoa como Redentor nem em sua obra de salvação.

Jesus advertiu que muitos viriam em seu nome, cujo principal intento seria enganar a muitos:

Porque virão muitos em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo, e enganarão a muitos.(Mateus 24.5).

Paulo se referiu a um grupo destes antagonistas em Corinto como “falsos apóstolos, obreiros fraudulentos, disfarçando-se em apóstolos de Cristo” (2 Coríntios 11.13). Ele também alertou aos Efésios para não se deixar influenciar por tais enganadores:

“...para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro.” (Efésios 4.14).

Aos Tessalonicenses que foram abalados por um falso ensino sobre o retorno de Cristo, ele adverte:

“​Ninguém, de nenhum modo, vos engane...” (2 Tessalonicenses 2.3)

Paulo advertiu Tito, que serviu na ilha de Creta, que muitos dentre os judeus não passavam de “insubordinados, palradores frívolos e enganadores”, que buscavam influenciar os jovens crentes de Creta (Tito 1.10). Pedro descreveu os falsos profetas como aqueles que se deleitam em seus enganos (2 Pedro 2.13). João nos faz esta advertência:

“De fato, muitos enganadores têm saído pelo mundo, os quais não confessam que Jesus Cristo veio em corpo. Tal é o enganador e o anticristo.” (2 João 7).

Também em Judas, referindo-se sobre esses falsos mestres, diz: “cuja condenação já estava sentenciada há muito tempo, infiltraram-se dissimuladamente no meio de vocês”, e infectou a igreja com suas heresias (Judas 4).

O passar dos séculos não mudou as intenções enganosas destes homens conspiradores. Constantemente nos deparamos com algum ensinamento, programa, organização, ou ideologia que procura substituir a suficiência de Jesus Cristo. Nenhum destes anunciará que estão ali para enganar através de seus falsos ensinamentos. Muito pelo contrário: enganadores levam ao engano justamente porque eles têm a capacidade de misturar algumas verdades com seus falsos ensinos. Portanto, todo cristão deve estar alerta para o perigo dos falsos mestres, ancorando-se no alicerce seguro de Jesus Cristo. Sua Palavra é suficiente para nos capacitar a discernir falsos mestres e identificar suas mentiras. Note o elogio que Lucas fez aos cristãos de Beréia:

“​Ora, estes de Beréia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim.” (Atos 17.11)

 Todo cristão tem o dever e a responsabilidade de buscar a Palavra para crescer em um entendimento correto sobre as coisas de Deus. Não precisamos desenvolver uma mentalidade medrosa a tudo e a todos à nossa volta, mas desde que há uma oposição ativa ao evangelho pelo nosso adversário, devemos nos conscientizar e esperar que os perigos da mentira e do engano sempre farão parte da nossa jornada. Aliás, o inimigo é o “pai da mentira” (João 8.44) e sua especialidade é enganar.  A intenção dos escritores bíblicos é expor o perigo para, então, concentrar a nossa atenção sobre a suficiência de Cristo.

Temos visto tantas abstrusidades enveredando no seio da igreja atualmente! Qualquer coisa, qualquer doutrina, qualquer palavra espúria, qualquer modismo, qualquer besteira ou asneira que venha embrulhada em papel de Bíblia está sendo engolida, aceita e recebida dentro da igreja. São tele evangelistas que não passam de vendedores de bíblias, livros, enciclopédias, CDs, DVDs, e qualquer tipo de mídia. São pastores que não passam de comerciantes de almas, disputando o maior rebanho, porque daí vem seus lucros exorbitantes. São homens e mulheres que se intitulam apóstolos e arrogam para si poderes sobrenaturais com os quais manipulam a fé de seus seguidores. São “evangélicos” tomando o lugar de rezadeiras, curandeiros e benzedeiros porque praticam as mesmas coisa com nomes diferentes. Estes todos são os falsos mestres e falsos profetas tão seriamente alertado pelo Senhor na Sua Palavra.

Por séculos, o papel dos profetas no Antigo Testamento bem como dos apóstolos, pastores e mestres do Novo Testamento, tem sido o de alertar o corpo de Cristo sobre o perigo dos falsos mestres. O segredo para se armar contra estes vilões é este: foque e fique apenas com a autoridade e suficiência de Jesus Cristo.

 43. NÃO SE DEIXEM SEQUESTRAR!

Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo; porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade. Também, nele, estais aperfeiçoados. Ele é o cabeça de todo principado e potestade. (Colossenses 2.8-10)

Poucas coisas perturbam tanto os pensamentos de um pai como o medo de ter um filho sequestrado. Embora seja um evento horrível que acontece a cada dia, é uma daquelas coisas que não gostamos nem de pensar. Para expressar sua preocupação com os Colossenses, Paulo usa propositalmente este termo: sequestro. 

“Cuidado que ninguém vos venha a enredar (sequestrar) com sua filosofia e vãs sutilezas...”

Encontramos esta mesma palavra (sulagogeo) na literatura grega para descrever uma história popular daquela época, cuja filha de um sacerdote foi levada à escravidão por soldados inimigos, carregada como espólio de suas conquistas. O apóstolo quis dar este mesmo tom aos colossenses: sequestrar, aqui, significa levar alguém longe da verdade do evangelho, acorrentando-o à escravidão do erro. Este sequestro é realizado por meio de propostas sedutoras com a intenção de corromper a verdade e dissolver a unidade da igreja.

Nenhum cristão tem o desejo de ser enganado. Porém, existem inúmeros registros de crentes sinceros que por falta de discernimento, foram pegos desprevenidos e se deixaram levar por propostas sedutoras (aparentemente espirituais) levando-os a cometer graves erros.

Mas o que define uma doutrina como errada ou heresia? Certamente não estamos falando de discordâncias menores sobre questões secundárias da fé cristã. A preocupação de Paulo (podemos notar nitidamente) era referente aos ensinos relacionados à pessoa e obra de Jesus Cristo. Havia algo de errado com as doutrinas dos intrusos entre os colossenses. Paulo explica que podemos reconhecê-los dando uma boa olhada na sua fonte:

“...ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas”.

A utilização da palavra “filosofia” neste contexto não é uma difamação da filosofia como ciência. O termo significa literalmente ‘amor à sabedoria’ e Paulo estava alertando sobre a motivação errada de alguém simplesmente se deixar impressionar pelo amor ao conhecimento. O próprio Paulo poderia, certamente, ser considerado um filósofo cristão devido a suas habilidades de raciocínio lógico, seus discursos (ora argumentativo ora demonstrativo), e seu pensamento crítico sobre Deus, o mundo e nossa existência. Mas a sedução do conhecimento como um fim em si mesmo sempre foi uma isca bastante atrativa para determinadas pessoas.

O mundo helênico usou o termo filosofia de forma bastante ampla. ‘Filosofia' no mundo antigo, era aplicado a qualquer teoria que tivesse a ver com a existência de Deus, do universo, da vida e o seu significado. Poderia também se referir ao ensino de todas as coisas: da observação de fenômenos naturais aos místicos; daqueles que afirmavam possuir poderes ocultos através da magia e feitiços, ou dos que asseveravam serem donos de poderes proféticos especiais.

Para melhor compreendermos o que Paulo quis dizer com “filosofia e vãs sutilezas”, é que podemos traduzir este versículo como “tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas” (NVI), ou seja,  filosofias que se caracterizam pelo engano e falta de conteúdo ou embasamento. Era uma ‘filosofia’ sobre Deus e demais assuntos espirituais que não tinha embasamento bíblico algum. Em compensação, foi provavelmente a personalidade forte dos falsos mestres e sua capacidade de manipular os outros que chamava a atenção dos Colossenses. A utilização de meios atraentes como técnicas arguciosas, oratória hipnotizadora, testemunhos mirabolantes e demonstrações de poder é que normalmente impressiona e atrai os cristãos para as armadilhas.

Raramente os enganadores convencem seu público com um ensino consistente. Um pouco de conhecimento e pensamento crítico normalmente são suficientes para barrar um falso ensinamento, mas aqueles que são emocionalmente manipulados, são fisgados por seus próprios desejos e dificilmente discernem o falso ensino. Observe como isso é feito “...conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo.”

Primeiro Paulo fala da tradição dos homens”, que coloca a ênfase na autoridade da experiência humana. Sua base encontra-se no que os outros fizeram e disseram no passado, e transmitido para gerações seguintes. A autoridade está na sua popularidade ou até mesmo na antiguidade da coisa, não nas Escrituras. Tradição tem este poder: consolidar mentiras como se fossem verdades. Vemos isso nos dogmas católicos e em algumas das afirmações bizarras da igreja romana, particularmente em sua insistência de orar para Maria ou algum outro ‘santo’ como mediadores dos homens. A tradição já solidificou estes ensinos e práticas no coração dos fiéis, que acreditam e obedecem sem questionar. Assim também tem acontecido com todas as seitas cristãs, bem como em alguns movimentos dentro da igreja evangélica.

O segundo termo, “rudimentos do mundo”, aponta para a alegação dos falsos mestres que, segundo eles, detinham a chave do segredo e funcionamento de coisas espirituais, como o de ter poder sobre anjos e demônios, por exemplo. Normalmente este tipo de pessoa é obcecado com estes assuntos, introduzindo estes seres em todos os aspectos da vida. Um pouco mais à frente, Paulo toca neste ponto:

“Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado, sem motivo algum, na sua mente carnal” (Colossenses 2.18)

 Talvez eles encontrassem um demônio em cada esquina, em cada espirro, em cada vizinho, em cada pedra, em cada árvore e até num pneu furado: “- Ah, isso é o inimigo!”. Talvez eles passassem tempo ensinando aos crentes fracos de Colossos que eles precisavam aprender como expulsar esses demônios. Ou talvez ainda, eles insistissem na ideia que eles que os colossenses precisavam buscar ajuda diária com os anjos para que eles se inteirassem cada vez mais dos mistérios que compreendia os assuntos espirituais.

Não faltam em nosso dias exemplos de ensinamentos semelhantes. Por que alguém, mesmo com um modesto conhecimento da Bíblia, deseja se juntar a um grupo que tem explosões regulares de risos ou de choros, pulando para cima e para baixo como uma criança num playground? E o que dizer de grupos ainda mais bizarros onde todos começam a latir, urrar, imitando animais? E todos estes afirmam ser manifestações do Espírito Santo! Existe alguma base bíblica incentivando os cristãos a buscarem essas experiências? E afirmar que isto é obra do Espírito? Procuramos em todo o Novo Testamento alguma semelhança com o que tem sido reivindicado por muitos como sendo um novo derramamento do Espírito Santo... Em vão! Porém, encontramos claramente o que a Bíblia chama de evidência de fé madura e genuína: O Fruto do Espírito.

​“Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, ​mansidão, domínio próprio.” (Gálatas 5.22-23)

Ainda assim, centenas de milhares de crentes tem se deixado influenciar pelo misticismo. Não são poucos os que buscam aqueles que testemunham ter passado por essas manifestações extremas de “fogo e poder”, para dizer-lhes como obter as mesmas experiências. Como é que tais práticas não-bíblicas podem ganhar tanto a atenção da igreja? Como podem fascinar tanto? Ludibriar tantos? Eis a fórmula: primeiro, uma massa manipulável é levada através do uso poderoso e envolvente da música, coros, e a multidão deixa-se levar com a melodia. Em seguida, testemunhos vivenciais impressionam e amolecem os corações presentes. Depois, uma pregação eloquente com alguma suposta ligação bíblica ocasional seguida de apelos pulsantes para uma resposta imediata se fazem necessários para capturar a multidão. Por fim, em pouco tempo você terá centenas de crentes a seus pés, em prantos, sem qualquer discernimento bíblico, mas prontos para fazer o que você determinar! É o tipo de movimento que proporciona a milhares de pessoas a pior experiência possível de cristianismo, anestesiadas da verdade bíblica.

Leia atentamente o que Paulo escreveu para seu amado discípulo Timóteo:

“...prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. ​Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; ​e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas.” (2 Timóteo 4.2-4)

Perceba que a preocupação de Paulo não estava nas pessoas que estão fora da igreja, mas com os cristãos. São estes que, num determinado tempo, se cercariam de falsos mestres por não suportar a sã doutrina. Pelo que entendemos, são as próprias pessoas que se inclinam naturalmente para tais enganos. Por isso sua recomendação: ​“...prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina.”

Fiquemos atentos, pois o emocional humano e não a razão é a porta encontrada para sequestrar os crentes mais ávidos por “experiências espirituais”.

44. NOSSO REFERENCIAL

Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo; porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade. Também, nele, estais aperfeiçoados. Ele é o cabeça de todo principado e potestade. (Colossenses 2.8-10)

 Ao ensinar qualquer doutrina como sendo cristã, pressupõe-se que a mensagem está centrada em Jesus Cristo e em mais ninguém e nem mais nada. Será que alguém discorda disto? Pois bem, a partir daqui podemos, então, começar a reconhecer onde se esconde o perigo.  Paulo nos alerta para o risco de sermos levados cativos através de falsos ensinos, seja com argumentos filosóficos, seja com experiências místicas, independentemente de quão convincentes possam parecer. Nossa referência deve estar sempre “de acordo com Cristo” e não conforme as tradições humanas e os rudimentos do mundo. O que Paulo quis dizer?

 Se tivermos em mente que o tema de Colossenses é "a suficiência de Cristo", podemos entender. Ele insiste assertivamente (e acertadamente) na pessoa e obra de Cristo como sendo a mensagem central do cristianismo (cf. 2.20; 3.1-4, 11, 15, 16, 23-24). Colocar qualquer coisa ou pessoa como substituto para Cristo incorre num enorme e perigoso erro. Podemos dizer um monte de palavras inteligíveis ou não, acumular experiências subjetivas, fazer grandes reivindicações apontando para a nossa espiritualidade, ter experimentado curas, libertação de vícios e demônios, etc. Mas se a obra de Cristo não for suficiente para salvar, e se Sua Palavra não for suficiente para transformar, então nós caímos nos laços do ensino enganoso. O próprio Jesus alertara seus confrontadores que queriam projetar para a vida porvir as experiências terrenas:

“Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus.” (Mateus 22.29)

Ora, para que conhecer as Escrituras? Note o que Paulo escreve sobre a este assunto:

Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, ​a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.

Ou seja, as Escrituras devem ser nosso agente de transformação e capacitação, e não a experiência mística e subjetiva. Se apesar da Palavra ser clara em determinado assunto, mas ainda assim a pessoa esperar por algum sinal sobrenatural que a confirme, significa que esta pessoa não reconhece ainda a autoridade das Escrituras, e que ela confia mais na sua experiência do que no que está escrito.  Em Hebreus lemos:

​“Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração.”

A Palavra é viva porque Ela transforma, ela faz efeito em nossas vidas. Note que Paulo diz que a Palavra é inspirada por Deus; Hebreus revela que ela é de Deus; e em João (1.1) ficamos sabendo que ela é Deus: Jesus é a própria Palavra, encarnada entre nós! Erramos quando não a conhecemos e nem compreendemos o que ela representa e significa. Confiar e pregar a sua experiência pessoal como normativa mina a autoridade da Palavra de Deus.

E quanto ao poder de Deus? Lemos em Romanos 1.16:

​“Pois não me envergonho do Evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê...”

Podemos ver o poder de Deus se manifestar em toda a criação, em tudo o que nos cerca e que diz respeito à vida: do sorriso alegre de uma criança a uma complexa equação matemática; da produção de mel numa colmeia a uma delicada cirurgia cardíaca; do desabrochar de uma flor pela manhã ao livramento de um grave acidente. Mas acima de todas estas coisas está aquilo que tem o poder para nos salvar, que vai além desta vida e da compreensão humana. O Evangelho é o poder de Deus!

Compreende agora a importância da centralidade da Palavra e do Evangelho? Tanto um quanto outro aponta para quem? Não para o homem, mas para Jesus! Erramos por não conhecermos as Escrituras e nem o poder de Deus! Erramos quando substituímos a sublimidade destas grandezas por uma experiência parca e passageira. Não tenho dúvida alguma que Deus cura, liberta, preserva, cuida, supre, etc. Mas o erro acontece quando focamos em nós e não em Jesus. Em outra passagem ele escreve:

“​Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; ​mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios.” (1 Coríntios 1.22-23)

Com isto em mente, o apóstolo aponta fixamente para o firme fundamento sobre o qual nossa vida deve ser estabelecida.

Os falsos mestres colossenses só conseguiriam difundir suas falácias se ofuscassem Jesus, sua Palavra, seu poder, sua suficiência. Eles pintavam uma imagem positiva de Cristo, mas... tinha que ter alguma coisa a mais. Não havia nada de errado na salvação pela fé, mas... não se tratava somente de salvação. Havia segredos, diziam eles,  e mistérios aguardando todos os que buscam uma iniciação através de seus ensinamentos. Por isso Paulo asseverava constantemente sobre a suficiência da pessoa e obra de Jesus Cristo:

“...porquanto, nEle, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade.

Não pense em Paulo como um disco riscado, que repetia sempre a mesma coisa. Ele insistia sim, frequentemente, nas verdades a respeito de Cristo, pois para ele enfatizar este tema nunca era demais. Cada mergulho nesta fonte era um refrigério para sua alma, de modo que ele desejava voltar mais e mais, sabendo que a satisfação plena se encontra em Cristo.

Quando ele diz “toda a plenitude da divindade” devemos entender literalmente tudo de Deus. Tudo o que Deus é (seu caráter, atributos, poder e ser) isso é que é Jesus, sem reservas. Se pensarmos na natureza infinita da misericórdia divina, graça e amor, ela é encontrada (em toda a sua plenitude) em Cristo. Ou quando consideramos a intolerância de Deus com o pecado, sua longanimidade, bem como seu justo juízo, encontramos similaridade em Cristo Jesus.

Esta plenitude “habita” em Cristo. O tempo verbal desta palavra significa que a habitação da plenitude da Divindade nunca será mudada, conforme nos lembra o escritor de Hebreus:

“Jesus Cristo, ontem e hoje, é o mesmo e o será para sempre.” (Hebreus 13.8)

Deus se revelou ao mundo através de Jesus Cristo. Portanto, o homem não pode conhecer a Deus, a menos que ele encontre Deus em Cristo. Se toda a plenitude da divindade habita em Cristo, então somente em Jesus é que Deus pode ser encontrado. 

Mire-se apenas em Jesus Cristo. Somente Ele pode fazer o que nenhum outro faz. Coloque como objetivo particular conhecer a Cristo em sua plenitude. Estabeleça-o como fundamento para sua vida. Busque as riquezas da Sua graça. Do Seu amor. Da sua paixão por nós. Jesus é a expressão maior da vida, da alegria e do prazer que Deus tem preparado para nós. Qualquer ensino que tire Jesus do centro de nossas vidas, na busca pelo propósito prazer, e alegria de viver, é sequestro espiritual. Nunca desvie do firme fundamento, Jesus Cristo, o Senhor.

  

45. A PLENITUDE DE CRISTO

Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo; porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade. Também, nele, estais aperfeiçoados. Ele é o cabeça de todo principado e potestade. (Colossenses 2.8-10)

Os gnósticos do primeiro século ensinavam que toda a matéria era má, portanto era inaceitável a ideia de Deus habitar (encarnar) um corpo humano. Mas é sobre esta verdade que todo o evangelho repousa. Podemos afirmar categoricamente que Jesus Cristo é totalmente Deus e totalmente homem, porque as Escrituras assim ensinam:

“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus... ​E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.” (João 1.1, 14)

A defesa desta verdade central do Evangelho foi a causa de inúmeras batalhas nos primeiros quatro séculos da Igreja e ainda hoje ideias gnósticas nos afetam em suas diversas formas. Como exemplo, posso citar o ensino que Jesus foi ‘colocado’ no útero de Maria, mas que ele não compartilhou de seu sangue, como se houvesse uma transferência mística da natureza do pecado pelo sangue. Tal ideia supõe que Jesus foi concebido em Maria, mas Ele não era de Maria. O que o Espírito Santo produziu nela era uma substância à parte de seu corpo. Neste caso, Maria era apenas uma incubadora através do qual Cristo passou, sem assumir qualquer traço de sua natureza (humana). Tal ensino vai contra o que Paulo declara aqui: que a plenitude da divindade habita corporalmente em Cristo, ou seja, em uma pessoa humana da nossa mesma substância!

Da mesma forma, a doutrina pregada pelas Testemunhas de Jeová contém uma boa dose de gnosticismo. Ao negar a natureza divina de Jesus, eles caem em algumas dificuldades que precisam ser explicadas, como a natureza de Cristo (se ele não é Deus, quem ele é?); sua autoridade para ensinar e para perdoar pecados; seus poderes para curar e realizar milagres; e principalmente a eficácia de sua morte: se ele não é Deus, então ele realmente estava blasfemando diante do sinédrio (Marcos 14.61-64)! Para explicar a natureza de Cristo, dizem as TJs que ele é a encarnação de um anjo. E por aí vai...

Mas em Hebreus 2.17 lemos o seguinte:

Por isso mesmo, convinha que, em todas as coisas [lit. em todos os aspectos], se tornasse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer propiciação pelos pecados do povo.

Como Deus poderia representar-nos na cruz? Experimentar humilhação, dor, sofrimento e limitações humanas sem assumir a fisiologia, a psicologia e a espiritualidade humana? Foi uma pena humana que Ele suportou, por isso uma natureza humana teve que adquirir. Muitos até aceitavam que Deus tinha descido entre os homens. A mitologia grega continha várias histórias neste sentido. Mas dizer que Deus, em toda a sua plenitude habitava corporalmente em Cristo era algo que eles rejeitaram.  Corporalmente é bem diferente de figuradamente!

Mas a linguagem intimidante dos falsários sugeria que havia algo faltando na experiência dos colossenses. Cristo não era suficiente. Deveria haver algo mais, a fim de obterem uma experiência plena com Deus. Por isso, Paulo escreveu: 

“Também, nele, estais aperfeiçoados.”

Uma vez reconciliados com Cristo, não há mais nada a acrescentar. Aperfeiçoados (gr. pleroo) significa completo, cheio, pleno, sem nada faltar. Poderíamos parafrasear: “Unido com Ele você está plenamente cheio!” Não no sentido de maturidade e conhecimento, mas que, em Cristo, nossas necessidades espirituais são plenamente satisfeitas. Não há necessidade, portanto, para o cristão recorrer a qualquer outra fonte de ajuda espiritual.

Os falsos mestres não pregam que não precisamos de Cristo, mas eles afirmavam que Cristo não é suficiente.  Para enganar as pessoas, uma meia verdade é mais eficiente do que uma mentira. Pense nos seguintes termos: nem eu, nem você, nem ninguém pode fazer mais e melhor do que Cristo!  Portanto, se ele não pode satisfazê-lo, então nenhuma outra experiência, religião ou ideologia pode atender suas necessidades. Ninguém pode comparar-se com a pessoa de Cristo, nem com sua obra em favor da humanidade. Não precisamos correr para uma “segunda experiência”. Se estamos em Cristo, não precisamos de outras emoções!

“Se alguém tem sede, venha a mim e beba.” (João 7.37).

​“Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei.” (Mateus 11.28).

E para finalizar, Paulo afirma:

Ele é o cabeça de todo principado e potestade.

Por que ele precisou incluir esta informação? Era sobre todos os anjos e demônios que ele estava se referindo? Vamos entender que uma das falácias dos falsos mestres sobre sua suposta autoridade espiritual, era que eles se comunicavam com os anjos através de visões (veremos mais em 2.18). Eles agiam como se tivessem algum tipo de poder extra que precisava ser imitado. Então, novamente Paulo aponta para a Fundação: Jesus Cristo, o cabeça de todo principado e autoridade!

Estas duas palavras juntas (bem típicas de Paulo, que as usa 8 vezes em suas cartas) referem-se ao reino espiritual. Apontam tanto para anjos quanto para demônios, e significa simplesmente que Jesus tem poder e autoridade sobre este reino também.

Este é um lembrete importante para os nossos dias. Somos bombardeados com conversas sobre anjos e demônios. Vá a uma livraria e você vai encontrar dezenas de livros sobre hierarquias angelicais, experiências metafísicas, visões de seres de luz, contatos com anjos, etc. Ou então ligue a TV ou vá a um culto pentecostal para assistir conversas com o demônio, expulsões de demônios, e várias bizarrices envolvendo o diba-diba. Para ambos a recomendação de Paulo seria: “Olhe pra Cristo!” 

Acredite: a área que o diabo mais atua não é no campo físico, atacando nossa saúde, provocando acidentes ou ameaçando nosso emprego. Nada disso! A área que ele atua mais eficazmente é na disseminação de ideias. Então, primeiro, se você está em Cristo, você está livre de demônios e suas astutas ciladas e, segundo, não há porque ir atrás de anjos para satisfação de suas necessidades espirituais.

Mais uma vez: Olhe para Cristo, que é superior a todo principado e potestade, em quem toda a plenitude da divindade habita corporalmente, e que nos completa plenamente! Se Jesus não é suficiente na sua vida, talvez você tenha baseado sua fé em uma visão equivocada de Cristo. Talvez seus pensamentos foram moldados por doutrinas e tradições equivocadas, ao invés de verdades bíblicas. 

  

46. E POR FALAR EM BATISMO...

Nele, também fostes circuncidados, não por intermédio de mãos, mas no despojamento do corpo da carne, que é a circuncisão de Cristo, ​tendo sido sepultados, juntamente com ele, no batismo, no qual igualmente fostes ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos. (Colossenses 2.11-12; Hb 9:14; 1Pe 1:19; Ap 1:5;)

Poucos assuntos causam tantas divergências na igreja quanto o batismo. O ato que deveria ser interpretado apenas como um testemunho público de fé tornou-se motivo de divisão predominante entre vários grupos cristãos ao longo da história. A influência da tradição, das culturas e das muitas interpretações bíblicas têm sido os principais combustíveis deste debate, e a discussão gira basicamente em torno da forma e significado do batismo.

Mas este debate não se limita apenas entre a velha polêmica aspersão versus imersão; ou ainda batismo adulto versus batismo infantil (pedobatismo). Há aqueles que pensam haver algum poder mágico ou místico no batismo, principalmente se ele acontecer em local específico, como no caso de uma pastora que promovia viagens à “Terra Santa” para (re)batizar crentes nas águas do Rio Jordão. Certamente acreditavam que tal batismo lhes concederia algum privilégio inexistente nos batistérios de nossas igrejas tupiniquins. Tem também os que fundem (ou confundem) circuncisão judaica com batismo cristão alegando ser o segundo substituição do primeiro. Há ainda grupos que confessam a crença na “regeneração batismal”, isto é, que o batismo imputa a graça salvadora para o batizando. Seus defensores ensinam a necessidade do batismo nas águas para obter o perdão dos pecados, sendo que este batismo é visto como O meio de lavar os pecados. Assim, o batismo é associado ao nascimento espiritual de uma pessoa sendo que o rito é o meio pelo qual a pessoa se torna cristã.

O catolicismo romano defende esta ideia quando insiste que o recém-nascido necessita ser batizado para se tornar cristão. O Concílio de Trento (1545-1563) estabeleceu que “a causa instrumental da justificação/ regeneração é o sacramento do batismo”. Este mesmo concílio decretou ainda que “todo aquele que disser que o batismo não é necessário para a salvação fosse considerado anátema”. Este dogma fora reiterado pelo Catecismo da Igreja Católica em todo o mundo no ano de 1993, sendo que este vigora até hoje. A Igreja Católica, porém, não é a única a defender a regeneração batismal. Outros grupos também consideram o ritual do batismo uma resposta fundamental à pergunta “O que é preciso para ser salvo?”

A Igreja Ortodoxa, por exemplo, instrui: “O batismo é um novo nascimento. Pelo Santo Batismo todos passam a pertencer a Cristo. Tornamo-nos cristãos e temos a oportunidade de herdar o Reino de Deus” (Doutrina da Igreja Ortodoxa, 1981). Alexander Campbell, fundador de uma denominação conhecida como “A Igreja de Cristo”, declarou o seguinte: “O batismo cristão é para a remissão dos pecados passados”. Mais tarde, um discípulo de Alexander chamado Marvine Kelley, acrescentou: “A Bíblia ensina que o batismo é essencial para a salvação do pecador”. Outro grupo que também ensina que o batismo é o veículo pela qual se obtém o perdão dos pecados é a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Numa publicação adventista (Buried and Forgotten by God!) podemos ler: “É necessário uma pessoa ser batizada para ser salva?” Seguindo a resposta: “Sim, Sem dúvida!”. Lemos ainda nos livros doutrinários da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (mórmon) o seguinte: “Na verdade, na verdade, vos digo que quem não crer nas vossas palavras e não for batizado nas águas em meu nome, para remissão de pecados e a fim de receberem o Espírito Santo, serão condenados e não entrarão no Reino de meu Pai, onde eu e meu Pai estamos”. E temos ainda a Igreja da Inglaterra, que é ainda hoje uma das grandes defensoras desta doutrina, contra a qual Charles Spurgeon insurgiu veementemente sobre este assunto. Às denominações que dizem que o batismo salva a alma, o pregador levanta sua voz: “Fora com ela, pois sustenta o que Deus nunca disse, o que a Bíblia nunca mostra”.

Para admitir esta doutrina, é preciso deixar à deriva alguns assuntos essenciais da fé cristã referente à suficiência de Cristo, que é a espinha dorsal desta carta. Um deles diz respeito à nossa salvação (somente pela fé em Jesus Cristo) e o outro à purificação dos pecados (somente pelo sangue de Cristo). Vários versículos demonstram nossa incapacidade para nos salvar, a insuficiência da lei com seus ritos e ordenanças e a impotência de obras humanas para nos purificar. Mas para pouparmos espaço, apenas um trecho das Escrituras é necessário para sintetizar muito bem este assunto:

Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que creem; porque não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus. (Romanos 3.21-26)

Embora este texto não esteja tratando especificamente de batismo, ele é bastante elucidativo para compreendermos que nem a nossa justificação e nem a nossa propiciação são obtidas através do ato batismal, mas simplesmente pela fé no nosso Justificador. Pela ordem que encontramos nos versos 11-12 de Colossenses 2, o batismo não precede a conversão, mas a segue. A “circuncisão do coração” ocorre primeiro, depois, o batismo como testemunho do resultado de um coração transformado. A Grande Comissão estabelece esta sequência:

“Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, ensinando-as a observar tudo o que vos tenho ordenado.” (Mateus 28.19-20)

São discípulos que devem ser batizados e não o contrário. Apesar da lógica, o debate no meio cristão sobre quem, precisamente, pode receber o batismo e por qual motivo, continua. 

Isso nos leva a especular qual a razão para o batismo e que papel ele tem na vida da Igreja e, especialmente, na vida do cristão. Cremos que a Bíblia ensina que o batismo é um testemunho público para aqueles que professam sua fé em Cristo, sendo, ainda, que esta é a única exigência para alguém ser batizado. Cada exemplo de batismo mostrado na Bíblia, sempre veio depois da conversão ou confissão de fé em Cristo – com exceção, lógico, de Jesus e o batismo de João (Atos 2.41; 8.36-38; 9.17-18; 10.47; 16.14-15, 30-33). De novo, a ordem bíblica é claramente esta: primeiro a conversão, então o batismo. Um batismo antes da conversão, independentemente do modo ou intenção, simplesmente não segue a ordem bíblica.

É de se esperar que alguém traga à memória algumas passagens bíblicas como por exemplo o “rebatismo” dos crentes em Éfeso (Atos 19.1-7). Mas precisamos entender que: 1. o batismo nas águas (o caso aqui) é um testemunho público de identificação com a mensagem pregada; e 2. que o livro de Atos dos Apóstolos trata um período de transição do Antigo para o Novo Testamento. O derramamento do Espírito Santo no dia de Pentecostes marca o início da Igreja, validando o pacto que Jesus fez na cruz: a Nova Aliança do Seu sangue. Tudo o que antecede aquela Páscoa e Pentecostes aconteceu debaixo da Antiga Aliança, inclusive a mensagem (acompanhada do batismo) de João Batista e o ministério público de Jesus (ambos vieram anunciar a Nova Aliança). A partir da Cruz e do derramamento do Espírito sela-se a Nova Aliança. Todos os que creem em Cristo a partir destes acontecimentos recebem o Espírito Santo como selo desta Nova Aliança (aliança esta, não mais condicionada ao cumprimento da Lei, mas plenamente pela graça). Este foi o motivo daqueles discípulos terem recebido o Espírito após a mensagem de Paulo, esclarecendo que Jesus é o messias pregado por João Batista (até então a única mensagem que haviam ouvido). Outra passagem é o célebre versículo de Marcos 16.16 que diz:

“​Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado”.

A questão aqui é a qual batismo o escritor estava se referindo? Temos pelo menos três batismos no Novo Testamento: o batismo na água, o batismo no Espírito e o batismo na morte de Cristo, conforme lemos em Lucas 12.50. Vale lembrar que a palavra grega baptizo significa literalmente imergir ou submergir. Basta substituir as palavras para verificar o sentido que elas dão. No caso de nossa “imersão” na água, este batismo, apesar de simbólico, é interpretado como o sepultamento do velho homem e ressurreição para uma nova vida, e é exatamente a isto que o apóstolo Paulo está se referindo em Romanos 6.1-4:

Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante? ​De modo nenhum! Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos? Ou, porventura, ignorais que todos nós que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida.

Aqueles que têm baseado sua fé em Jesus e sua obra estão unidos com Cristo na Sua morte e ressurreição, e esta união pela fé é simbolizada exteriormente pelo batismo. 

Só para pensar: em Lucas 23.39-43 lemos sobre os dois ladrões crucificados juntamente com Jesus. O primeiro chegou até a questionar se Jesus não era o Cristo. O segundo, porém, somente creu e sua fé foi suficiente para salvá-lo. Em que momento ocorreu o batismo deste?

47. BATISMO E CIRCUNCISÃO

Nele, também fostes circuncidados, não por intermédio de mãos, mas no despojamento do corpo da carne, que é a circuncisão de Cristo, ​tendo sido sepultados, juntamente com ele, no batismo, no qual igualmente fostes ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos. (Colossenses 2.11-12)

Um dos principais mal-entendidos sobre batismo acontece devido à confusão feita com os significados do batismo e da circuncisão. Alguns de nossos irmãos associam estes dois ritos. Ao comparar o Antigo com o Novo Testamento, podemos perceber que não houve cerimônia, ritual ou sacrifício no Antigo Testamento, que não tivesse uma aplicação na Nova Aliança que temos em Cristo. Aqueles eram “sombras” da realidade que haveria de vir (o livro de Hebreus dedica muitas páginas para explicar isso). Daí segue que uma questão que tem se levantado há muito tempo é se o batismo é o correspondente cristão à circuncisão da Antiga Aliança. Vemos os dois colocados lado a lado neste texto, mas qual é a ligação entre um e o outro?  Ainda que o texto acima os coloque juntos, se o analisarmos bem de perto, veremos que ele nos diz o contrário do que muitos imaginam.

Sabemos que Paulo escrevera esta epístola para esclarecer as falsas doutrinas que estavam sendo introduzidas na igreja de Colossos que colocavam em dúvida a suficiência de Cristo. Seus antagonistas tentavam adicionar práticas e ideias que, de alguma maneira, diminuísse a obra de Jesus. É possível que, por causa da prevalência de judaizantes no primeiro século, com sua ênfase na circuncisão e toda observação da lei como condições necessárias para a justificação, alguns desses ensinamentos tenham sido combinados com o pensamento sincretista dos antagonistas de Colossos. Assim, o apóstolo registra a aplicação correta sobre a questão da circuncisão:

- Sim, o cristão é circuncidado, mas não com uma circuncisão feita por mãos humanas. É uma circuncisão espiritual, operada no coração pelo próprio Senhor Jesus.

Também em Filipenses. Paulo explana sobre esta circuncisão:

“​Porque nós é que somos a circuncisão, nós que adoramos a Deus no Espírito, e nos gloriamos em Cristo Jesus, e não confiamos na carne.” (Filipenses 3.3).

Aqui, os três elementos que dão significado à circuncisão estão presentes: 1. adoração a Deus, que no Antigo Testamento era expressa pela obediência às leis (e a circuncisão era uma delas); 2. fé no “motivo” da Aliança, ou seja, o Messias que haveria de vir; e 3. o despojamento da carne e a confiança em Deus. Além disto, o “não confiar na carne” exclui definitivamente a linhagem biológica como forma de ganhar qualquer vantagem diante de Deus (Filipenses 3.4-7). Praticamente, estes três elementos constituem a refutação do apóstolo aos judaizantes em sua carta aos Filipenses. 

O ritual da circuncisão no Antigo Testamento apontava para o futuro, para uma circuncisão não do prepúcio, mas do coração, que identificaria os verdadeiros filhos espirituais de Abraão (Romanos 2.25-29).  Em Cristo, tudo isso foi cumprido: Nele, também fostes circuncidados, não por intermédio de mãos, mas no despojamento do corpo da carne que é a circuncisão de Cristo”. ​

A circuncisão do coração corresponde à circuncisão no Antigo Testamento. Quando os pais judeus levavam um filho para ser circuncidado, constituía um ato de esperança da sua parte de que seu filho seria separado para seguir o Senhor. A circuncisão em si não justificava ninguém, assim como o batismo também não o faz. O Antigo Testamento está cheio de homens circuncidados que eram apóstatas. Ela apenas os identificava com a nação de Israel, mas não tinha o poder de mudar o coração de ninguém assim como o batismo não tem.

Somos constantemente recordados, pela forte ênfase à pessoa de Jesus, que os cristãos não precisam acrescentar nada à obra de Cristo: “Nele circuncidados..., juntamente sepultados com Ele..., igualmente ressuscitados...”. Para nos ajudar a ver o que isto significa, considere que Paulo declarou a nosso respeito em relação a Cristo: ​“...porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade, também, nele, estais aperfeiçoados” (2.9-10). 

“Nele” aponta para a pessoa de Cristo, para a totalidade de sua personalidade. Não há nada figurativo implícito nesta verdade: Toda a pessoa que é de Cristo é preenchida com a totalidade da Sua divindade. Tudo de Deus e o todo dos homens estão unidos na pessoa de Cristo. A circuncisão “não feita por mãos” indica que o coração foi transformado. Apesar de não ser visível na carne, esta obra do Espírito transforma o ser de tal forma que fica evidente a todos que somos novas criaturas em Jesus Cristo.

Já no rito judaico da circuncisão um sacerdote era o responsável pelo ato, ou seja, era necessária a ação de outro homem para autenticar a entrada de uma pessoa ao judaísmo. Mas a ênfase do nosso texto recai sobre a obra de Cristo: “Nele, também fostes circuncidados, não por intermédio de mãos”. Em algum lugar do nosso coração, o próprio Cristo despojou (jogou fora) o “corpo da carne”, que é a tendência natural do coração humano de rebeldia contra Deus. Essa inclinação orgulhosa e obstinada, Cristo cortou no ato da regeneração. Obras externas feitas por homens sobre outros não tem poder para mudar as suas inclinações e desejos. Somente Cristo pode mudar corações rebeldes para corações que tem prazer em obedecer a Deus. Não podemos alimentar nenhuma dúvida a este respeito, pois Paulo deixa bem claro aqui e também em Gálatas 5.2-6 que a circuncisão na Nova Aliança tem lugar apenas se for entendida como espiritual. Compare:

 – A circuncisão feita por mãos humanas do Antigo Testamento era uma sombra do que haveria de vir. A Nova Aliança é superior: a “circuncisão não feita por mãos humanas” é a realidade. A velha circuncisão é externa, enquanto a nova é interna. No velho ela representava uma aliança com a nação, enquanto a nova é individual e marca nossa união com Cristo. A velha afeta apenas o corpo ao despojar o prepúcio, enquanto a nova atinge o coração removendo o “corpo da carne”. A antiga requer um sacerdote humano, enquanto que a nova é feita pelo nosso Sumo Sacerdote, Jesus. A velha circuncisão é exclusiva aos homens, a nova é para todo os que creem, sejam homens ou mulheres. A velha tem resultados temporais e não podem mudar o coração, a nova é obra regeneradora do Espírito. O velho é um ritual que não pode conceder vida, enquanto a nova nos dá nova viva em Cristo.  A velha nada garante, enquanto a nova é garantia do perdão dos pecados e eternidade com Cristo. A velha era aplicada devido a um mandamento, enquanto a nova é aplicada somente pela fé em Cristo.

Não restam dúvidas que a carta aos colossenses foi escrita aos filhos da Nova Aliança. Paulo já mostrou o que Cristo fez ao nos remir e resgatar. O apóstolo fala no passado para se referir a estas ações: “Nele vocês foram completos... Nele vocês foram circuncidados com circuncisão não feita por mãos... Vocês também foram ressuscitados com Ele através da fé no poder de Deus... vocês estavam mortos em suas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne... Ele vos deu vida... perdoando-nos todas as nossas transgressões”. Paulo não está se referindo a uma condição “pré-cristã”. Ele está falando para cristãos, homens e mulheres que nasceram de novo, que pela fé foram circuncidados sem mãos, através de uma obra do Espírito de Deus. Estes, pela fé em Cristo, foram batizados para testemunhar publicamente sua nova vida.

O motivo da ordenança do Novo Testamento do batismo ser “mediante a fé” é que ele representa não o ritual externo do Antigo Testamento, mas sim a experiência interior e espiritual da circuncisão feita não por mãos humanas (a circuncisão de Cristo), fruto da Nova Aliança feita por Deus com o homem.

Não são poucos em nosso dia que pensam (e outros que pregam) que somente se forem batizados, ou se alguém impuser as mãos sobre eles, ou os ungir com óleo, ou orar sobre eles sua fé será validada, sua crença autenticada ou passará a ser mais poderosa e eficiente. Colossenses 2.11-12 coloca-se firmemente contra essa dependência a um ato externo e terceirizado. A circuncisão identificava um descendente de Abraão, mas não o tornava justo. O batismo, ou qualquer outra prática humana, também não torna ninguém justo. Somente a “circuncisão do coração” é que justifica todo aquele que crê (tanto judeus quanto gentios). É esta que nos une a Cristo e nos identifica como filhos (pela fé) de Abraão. Não é um trabalho feito por terceiros, como exigia a circuncisão da carne. Se Cristo não for A plenitude de Deus em sua vida, nenhum ritual humano poderá mudar seu coração. É Cristo quem nos completa plenamente. Com isto em mente, mesmo que se queira estabelecer um paralelismo entre circuncisão e batismo, este está completamente desqualificado como agente transformador ou imputador de alguma justiça.

John Piper escreveu que: “Se o batismo fosse apenas um paralelo do rito da circuncisão do Velho Testamento não teria que acontecer mediante a fé uma vez que os meninos judeus não são circuncidados porque tem fé”.

48. QUESTÕES PRÁTICAS SOBRE O BATISMO

Nele, também fostes circuncidados, não por intermédio de mãos, mas no despojamento do corpo da carne, que é a circuncisão de Cristo, ​tendo sido sepultados, juntamente com ele, no batismo, no qual igualmente fostes ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos. (Colossenses 2.11-12)

Para algumas denominações o batismo é colocado como assunto secundário, enquanto que para outras é promovido de forma não concebida pelas Escrituras. Batismo jamais deveria ser utilizado como competição entre denominações, ainda mais de maneira tão inconsequente como têm sido feito.

Presbiterianos defendem o pedobatismo, porém com uma justificativa diferente da dos católicos. Como vimos, o catolicismo defende a regeneração batismal, enquanto que o presbiterianismo faz um paralelo entre a circuncisão e o batismo, substituindo o velho rito por um mais novo. Ambos, necessariamente, batizam por aspersão, talvez para não incorrerem no risco de afogar o neném.

Já os batistas não concordam sobre estas formas e interpretações sobre o batismo, sustentando um consenso sobre o modo de batismo por imersão e, em outra questão, sobre quem pode ser batizado: apenas os que confessam conscientemente sua fé em Jesus. Porém, no passado, os batistas já tiveram opiniões divergentes sobre o pedobatismo. Benjamin Keach, pastor batista do século XVII, chegou a ser condenado ao responder em seu catecismo a quem o batismo deve ser aplicado: “O batismo é para ser administrado a todos aqueles que realmente professam arrependimento para com Deus, fé e obediência ao nosso Senhor Jesus Cristo, e para nenhum outro”. No entanto, frequentemente encontramos casos em igrejas onde crianças e adolescentes que não entendem nada do Evangelho são batizados meramente por terem sido convencidos a “tomar uma decisão por Cristo”, ou a “aceitar Jesus em seu coração”, ou qualquer coisa parecida.

Certa vez um pastor contou o caso de um colega que estava auxiliando numa igreja, e propôs a prática de todos os candidatos ao batismo darem uma palavra de testemunho no batistério. Em uma ocasião, uma criança de cinco anos foi levada às águas, onde o pastor responsável perguntou-lhe por que ele queria ser batizado. Com aquela sinceridade inerente às crianças, o pequeno respondeu: “Eu não sei”. O pastor olhou para a congregação com um sorriso amarelado, e então perguntou ao menino: “Você já aceitou Jesus em seu coração?”, onde a criança honestamente respondeu: “Eu não sei”. Depois de várias perguntas e respostas cada vez mais embaraçosas, o pastor batizou o menino, mesmo ele admitindo publicamente não ter a menor noção do que estava fazendo ali, nem conhecimento do evangelho ou de Jesus Cristo. Este é um típico exemplo de uso do batismo que diminui sua importância e anula seu significado.

Muitas igrejas, em seu esforço para aumentar o número de membros, têm realizado batismos sem nenhum critério. Há alguns anos atrás, trabalhei em uma empresa de telefonia, e uma colega de trabalho compartilhou comigo que o pastor da igreja que ela frequentava estava pressionando-a para que ela se batizasse. Perguntei por que ela se batizaria e ela disse que não via motivo para tal. Então, num dia daquela semana, no horário de almoço, expus para ela o Evangelho. Somente ali ela veio entender a salvação em Cristo e pode decidir por se batizar. Fiquei imaginando quantos membros e frequentadores daquela igreja não passaram pelas águas sem saber o que estavam fazendo, apenas para atender os insistentes pedidos daquele pastor. Quando o batismo é indevidamente administrado, ele age como um mero dispositivo de retenção para os que querem associar-se a uma igreja sem a união correspondente com Jesus Cristo na sua morte e ressurreição. Há pessoas que, por motivos sociais ou até econômicos, pensam que participar de uma igreja é uma coisa benéfica a se fazer. 

O batismo, conforme já dissemos, é um testemunho público de nossa fé em Jesus. Mas e no caso de João Batista? O batismo de João (batismo de arrependimento) era um testemunho da identificação com a mensagem que ele pregava. Por isso Jesus desceu às águas para ser batizado por João. Jesus estava testemunhando que concordava com a mensagem que o Reino de Deus estava próximo e que os homens precisavam se arrepender. Penso que este caso é o único caso da história em que o Batizado imputou ainda mais autoridade à mensagem. Mas mesmo o batismo de João nunca salvou ninguém. Ele indicava que as pessoas tomaram um novo rumo em suas vidas, que “mudaram de mente”. Batismos, de maneira geral, indicam o início de uma nova caminhada na vida. Em Romanos 6.4, Paulo declara que os batizados devem andar “em novidade de vida”. Não podemos nos esquecer de que a trilha argumentativa de Paulo nesta carta aos colossenses visava libertá-los do legalismo e da falsa religião que estava sendo disseminada entre eles. Neste contexto, o batismo serviria também como uma linha demarcatória, estabelecendo uma posição firme ao lado de Cristo, e deixando de fora as heresias gnósticas.

Embora o texto de Colossenses nos traga alguma luz sobre a relação entre circuncisão e batismo, Paulo não está associando o batismo com o ritual do Antigo Testamento que era realizado em todos os bebês do sexo masculino. Sobre esta velha circuncisão, ele a identifica com a nova que é feita no coração daquele que crê (não por intermédio de mãos); mas sobre o batismo, ele o associa com o sepultamento e ressurreição de Cristo. Resumindo, a circuncisão do cristão é o despojamento da velha carne e a união com Cristo através de sua morte e ressurreição, testemunhada publicamente pelo batismo. Portanto, o batismo é simplesmente a evidência exterior de uma obra interior ou, mais popularmente definido, um testemunho público de sua fé.

Por isso entendemos que o batismo confessional é o que melhor se enquadra na teologia do Novo Testamento. Era fácil identificar se um homem fazia parte da aliança Abraâmica, pois ele era circuncidado oito dias depois de nascer. Mas para saber se uma pessoa é participante da Nova aliança, o batismo, feito de maneira adequada e responsável, é um grande indicativo. Isto significa que somente àqueles que pela fé estão em união com Cristo pode ser administrada adequadamente a ordenança do batismo. Portanto, aqueles que desejam ser batizados (sejam crianças, jovens ou adultos), que não tenha compreendido e confessado conscientemente sua fé em Cristo, não se qualificam para serem batizados. 

Com isso em mente, podemos finalmente examinar a forma do batismo em consonância com seu significado. O exemplo mais claro que mostra o sentido de baptizo é um texto do poeta e médico grego Nicander, que viveu aproximadamente 200 anos antes de Cristo. É uma receita caseira para fazer picles. Embora simples, é de grande ajuda porque nela o autor usa duas palavras fundamentais para nossa correta compreensão. Nicander diz que para preparar picles, o vegetal deveria ser primeiro ‘mergulhado’ (bapto) em água fervente e então ‘batizado’ (baptizo) na solução de vinagre e sal. Ambos os verbos descrevem a imersão dos vegetais em uma solução. Mas o primeiro descreve uma ação temporária. O segundo, o ato de ‘batizar’ o vegetal, produz nele uma mudança permanente.

Quando usada no Novo Testamento, esta palavra refere-se com maior frequência à nossa união e identificação com Cristo que ao nosso batismo com água.  Por exemplo, em Marcos 16.16: “Quem crer e for batizado será salvo”, Cristo está dizendo que o mero consentimento intelectual não é o bastante. Deve haver uma união com Ele em sua morte e uma mudança real, como a do vegetal em relação aos picles! (retirado da Bible Study Magazine, James Montgomery Boice, Maio 1989).

Por fim, podemos entender a importância do batismo simplesmente pelo fato de que Cristo manda todos os seus discípulos serem batizados. 

  

49. DA MORTE PARA A VIDA

E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos; ​tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu- o inteiramente, encravando-o na cruz; ​e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz. (Colossenses 2.13-15)

É incrível a tendência (e também insistência) humana de tentar adicionar qualquer coisa à obra de Cristo. Muitos cristãos são levados a acreditar que além de Jesus, é necessário algo a mais para elevar sua vida espiritual. Para isto, alguns se aprofundam no velho pragmatismo legalista com o objetivo de “complementar” o que Cristo fez. Outros se entregam a um tipo de animismo gospel que quebre e os liberte das maldições de seus antepassados (estes vivem com medo de que o pecado de um bisavô possa atormenta-los no presente). Ainda outros carregam o peso de seus pecados sobre ombros, crendo que eles mesmos devem expiar suas culpas através de penitências ou atos de caridade e serviço ao próximo.

Saiba que nada disto é novo. Estes eram alguns dos elementos ensinados pelos antagonistas de Colossos, com o fim de promover uma falsa atmosfera espiritual naquela igreja. Com isto, eles intimidavam os jovens cristãos a pensar que deveriam se aplicar a descobrir mistérios secretos ou se enveredar por experiências místicas caso desejassem desenvolver sua espiritualidade. A tudo isso, Paulo diria: “Não!” A insistência do apóstolo era que eles olhassem somente para Cristo e confiassem que Ele é mais do que suficiente para suprir todas as nossas necessidades espirituais. Toda a epístola de Colossenses concentra o foco nesta mensagem.

A partir do momento em que começarmos a olhar para nós mesmos como sendo os únicos responsáveis pelo nosso crescimento, estaremos iniciando uma jornada para bem longe de Deus. As Escrituras gritam bem alto que o Senhor é suficiente; que devemos busca-lO com todo o nosso coração, descansar nEle e que Ele deve ser a nossa única segurança. Em Jeremias 29.13 lemos as palavras do Senhor: “Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração” e Provérbios 3.5 registra o conselho do sábio: “Confia no SENHOR de todo o teu coração e não te estribes no teu próprio entendimento”.

Para sanar qualquer dúvida a este respeito, Paulo considera a condição espiritual do homem fora de Cristo. A primeira coisa que Paulo nos diz sobre como vivem os que estão à parte de Cristo, é que “estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne”. Assim é todo aquele que vive indiferente às coisas de Deus e estribado no seu próprio entendimento. Esta condição se aplicava a ele também, bem como a nós. Cabe aqui esclarecer que mortos”, neste caso, não se refere à ausência de vida biológica, mas espiritual. Podemos entender morte espiritual de duas maneiras. A primeira como falta de “vida” dentro de nós, ou seja, não havia nenhum ânimo de vida que nos compungisse em direção a Deus, nenhuma alegria ou mesmo entusiasmo para com as coisas espirituais. É aquele buraco, vazio existencial que todos nós sentimos. A segunda maneira é interpretar morte como separação: morte espiritual significa que estávamos separados de Deus por causa de nossas transgressões e nosso orgulho. As duas maneiras estão corretas porque são dois lados da mesma moeda.

Quando levamos uma vida de acordo com a nossa carne, com as nossas inclinações, segundo a nossa própria vontade, nos alienamos das coisas de Deus, e esta alienação nos leva a viver cada vez mais de acordo com a nossa própria vontade. Ao relatar que “estáveis mortos pelas vossas transgressões não significa que éramos terrivelmente maus, mas que nosso objetivo era sempre o querer agradar alguém que não Deus, que nossa paixão estava voltada pelos atrativos deste mundo, que nossos ouvidos estavam surdos à mensagem de vida, à Palavra de Deus. Paulo expressa esta mesma realidade em Efésios 2.1-2:

“Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência”

Nós estávamos satisfeitos levando nossa vidinha em oposição a Deus e a única coisa que nos dissuadia de viver em total anarquia espiritual era a responsabilidade moral que precisamos manter em nossos relacionamentos. Muitas vezes nos abstemos de certos níveis de pecado, não porque não estamos interessados ​​nele, mas porque não queremos desagradar os outros ou entrar em choque com a sociedade, e só observamos este comportamento vil em bandidos da pior espécie.

Mas há outro tipo de transgressor, muito mais dissimulado, que são muito bem aceitos por todos. Refiro-me aos líderes religiosos como, por exemplo, aqueles que conviveram com Jesus. Eles ouviram Seus ensinos, Sua mensagem de amor, viram Seus milagres e observaram Sua vida surpreendente. Eles podiam assistir Jesus curar um paralítico, restaurar a vista de um cego ou purificar um leproso bem diante de seus olhos e, em seguida, se reunirem para tramar uma maneira de tirar-lhe a vida! Como explicar esta insensibilidade e estupor, a menos que reconheçamos que eles estavam mortos? Eles viram, mas não perceberam, ouviram, mas não compreenderam por que estavam espiritualmente mortos. Mortos para as coisas de Deus, mortos para o Evangelho do amor. 

Um morto não pode dar vida a si mesmo, nem mesmo pode sentir o desejo de fazê-lo. Paulo descreve que estávamos mortos por causa de nossas “transgressões”. Esta palavra diz respeito à nossa inclinação natural de viver deliberadamente fora da vontade de Deus, a uma disposição intencional de violar os limites que Deus traçou em nossa mente e coração, conforme lemos em Romanos 2.15: “​Estes mostram a norma da lei gravada no seu coração”.  

Porém, a natureza e a consequência da transgressão só podem ser compreendidas à luz da lei de Deus. Também em Romanos lemos: “​porque a lei suscita a ira; mas onde não há lei, também não há transgressão” (4.15).  A lei já foi dada há muito tempo, e nós temos nesta lei o conjunto de regras e exigências que são feitas para todos os homens obedecerem. Ignorar a lei, não faz de ninguém um inocente perante Deus. A palavra pecado é uma palavra de cunho jurídico e significa literalmente desobediência à lei.  Ao desobedecer uma lei significa que você é um transgressor, e, como tal, deveria receber o juízo previsto contra os transgressores: “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6.23).

No Salmo 37.38, Davi declara: “Quanto aos transgressores, serão, à uma, destruídos; a descendência dos ímpios será exterminada”. Quebrar a lei de Deus coloca a pessoa em curso de colisão com a ira de Deus. Quando Jeremias entregou a palavra do Senhor a Judá que enfrentaria a destruição iminente, o Senhor explicou: “Por que contendeis comigo? Todos vós transgredistes contra mim, diz o SENHOR” (Jeremias 2.29). Embora a lei nunca tenha justificado ninguém, muito menos o seu cumprimento pode regenerar uma pessoa, ela é capaz de mostrar nossas imperfeiçoes e tem o poder de nos condenar​: “A alma que pecar, essa morrerá” (Jeremias 18.20). Morte espiritual se manifesta pela transgressão à lei.  Deus é absolutamente Santo e como tal, não pode conviver com o pecado. Por isso nossas transgressões nos afastam de Deus. Isaías escreveu sobre isto:

“​Mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que vos não ouça. ​Porque as vossas mãos estão contaminadas de sangue, e os vossos dedos, de iniquidade; os vossos lábios falam mentiras, e a vossa língua profere maldade. ​Ninguém há que clame pela justiça, ninguém que compareça em juízo pela verdade; confiam no que é nulo e andam falando mentiras; concebem o mal e dão à luz a iniquidade.” ​(Leia Isaías 59.1-8)

Este comportamento hostil a Deus é descrito aqui em Colossenses como “incircuncisão da carne”. Nós vimos em estudos passados que Paulo usa este termo para se referir ao não regenerado, ao indivíduo cujo coração nunca foi transformado pelo Senhor. Ainda que possamos identificar um traço de bondade aqui e outro ali, o homem, de maneira geral, é totalmente corrompido pelo pecado. Este mal tomou posse de todo o seu ser. Do mais íntimo do seu ser. Nossos mecanismos de disposição, desejo e motivação estão todos comprometidos. Nossas fontes de atividade intelectual, emocional e volitiva mantém inimizade contra Deus. 

O texto de colossenses expressa uma metáfora: assim como os gentios eram considerados impuros devido ao fato de serem incircuncisos, assim acontece com a incircuncisão da carne. A disposição de uma pessoa é impura e anti-Deus, a menos que haja uma obra transformadora em seu coração.

Resumindo: o homem está sob o domínio do pecado. Por isso a regeneração é tão necessária. O todo do ser humano é poluído pelo pecado.  Esta poluição afetou o pensamento humano, a fala, as inclinações e emoções. O veneno da corrupção escorre por cada beco do ser. Isto não significa que o homem é tão mal quanto ele pode ser, mas sim que cada parte da sua alma está afetada por uma disposição alheia a Deus. O apóstolo Paulo assertivamente declarou:

“Não há justo, nem um sequer, ​não há quem entenda, não há quem busque a Deus; ​todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (Romanos 3.10-12).

Esta lamentável condição espiritual nos lembra a todos o quanto necessitamos da misericórdia e da graça de Deus em nossas vidas.

 

50. DE VOLTA À VIDA

E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos; ​tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu- o inteiramente, encravando-o na cruz; ​e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz. (Colossenses 2.13-15)

A pessoa enfatizada nos três versos acima é também a mais importante na nossa vida (dica: não é a mamãe!), mas sim o próprio Deus. Ele é o único que dá vida, que transforma, que perdoa transgressões, que anula dívidas, e foi Ele quem derrotou os poderes do inferno através de Cristo. Paulo pretendia que seus leitores enxergassem isto para que não se maravilhassem com cada ensino fantasioso que aparecesse, apresentando-se como um complemento ou um substituto à obra de Cristo. 

Nós também precisamos enxergar esta realidade. Não são poucos os que acreditam que no fundo, no fundo, todo homem é bom, que possui uma centelha de vida em si, que só precisa cultivar bons hábitos e ser bom para com todos. Até mesmo dentro da igreja há pessoas que pensam assim. Estes trabalham duro, participam de todas as programações da igreja, achando que esta centelha de vida vai florescer até o ponto de se transformar numa pessoa bem espiritual e por fim aceitável diante de Deus. Mas Paulo mostra o contrário. Ele pretende fazer com que a gente enxergue a nossa realidade: a condição desesperadora de qualquer pessoa sem Cristo. A Bíblia não foi escrita para exaltar as qualidades humanas. Muito pelo contrário: a Bíblia conta a história da falência humana. Mas ela vai além, e nos revela a intervenção divina numa humanidade falida. A menos que Deus intervisse, não viveríamos, não seríamos perdoados, não teríamos nossas dívidas pagas, não experimentaríamos nossa liberdade espiritual e nem estaríamos unidos a Cristo.

A Bíblia usa uma série de termos para explicar o que Paulo quis dizer com vos deu vida juntamente com ele”. Jesus usou o termo “nascer de novo” ou “nascer do alto” (gennao), para explicar a Nicodemos que nem toda sua religiosidade garantiria entrada no reino de Deus (João 3.3-8,). Pedro usa uma forma composta deste mesmo verbo (anagennao), referindo-se aos cristãos como tendo sido “regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus” (1 Pedro 1.23) . Tiago usa a palavra apokueu que significa literalmente “gerar, dar a luz a” e que aponta para a nossa filiação: “Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como que primícias das suas criaturas” (Tiago 1.18). Paulo fala dos cristãos como sendo novas criaturas ou como obra (feitura) de Deus (2 Coríntios 5.17; Efésios 2.10). A palavra neste texto de Colossenses (suzoopoieo) é usada apenas aqui e em Efésios 2.5, uma passagem paralela que descreve a condição espiritual do homem sem Cristo e a obra de Deus que tem o poder de “tornar alguém vivo, com vida”.

Todos estes termos se harmonizam com a obra de regeneração. A própria palavra implica “tornar vivo novamente”. É Deus quem trabalha para transformar nossa condição de espiritualmente mortos. Se somos tão mortos quanto a Bíblia testifica que somos, e tão corrompidos pelo pecado como vimos (desde a raiz de nossa existência), então, nada menos do que a re-generação (uma nova criação) para nos proporcionar um relacionamento correto com Deus. Não há nenhuma disposição em nós mesmos para nos chegar ao Senhor. A melhoria de nossas práticas, de nossa qualidade de vida ou do meio em que vivemos não muda a nossa disposição interior. Só Deus pode fazer algo pelo vazio em nossos corações.

Mas por que precisamos ser regenerados? Por que Deus não nos deixa em paz e nos permite viver por nossa própria conta? A verdade é que é exatamente isto o que toda a humanidade quer, e com esta disposição universal, a tendência é que ela vá se afastando cada vez mais de Deus a ponto de, em poucas gerações, Seu nome não ser mais lembrado. Assim, por toda a história, Deus tem persistentemente levantado homens para nos lembrar de que Ele nos ama e deseja estabelecer comunhão eterna com os seus. Por outro lado, o homem insistentemente tem levantado a voz contra Deus, ou para apagar Seu nome da história ou para escravizar seus semelhantes com ensinos mentirosos sobre falsos deuses. Podemos perceber que do ateísmo militante à ultra religiosidade, o leque é bem variado.

Mas o cristianismo (puro e simples) afirma que Deus se importa conosco, por isso enviou Seu Filho como prova do Seu amor, e a única coisa que nos pede é que creiamos na mensagem do Evangelho como único caminho para nos achegarmos a Ele. Deus não exige absolutamente nada além de nossa fé. Assim, o mesmo Deus que ressuscitou Jesus dentre os mortos, “vos deu vida juntamente com ele”. Sem violar a vontade do homem, Deus soberanamente e efetivamente muda a nossa disposição mental para que a gente se volte para Ele de bom grado, plenamente confiantes em Cristo para a nossa regeneração, justificação e crescimento na graça. Em algum lugar do nosso ser Deus nos ressuscita e ascende a luz da vida, redirecionando a nossa disposição mental e animando os nossos pensamentos em relação a Ele.  Por isso, não precisamos dar ouvidos a falsos mestres, nem ir atrás de ensinos fantasiosos que promovem uma falsa espiritualidade.

Reflita neste texto de Gálatas:

“Ó gálatas insensatos! Quem vos fascinou a vós outros, ante cujos olhos foi Jesus Cristo exposto como crucificado? ​Quero apenas saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? ​Sois assim insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne? ​Terá sido em vão que tantas coisas sofrestes? Se, na verdade, foram em vão. ​Aquele, pois, que vos concede o Espírito e que opera milagres entre vós, porventura, o faz pelas obras da lei ou pela pregação da fé? ​É o caso de Abraão, que creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça.” (Gálatas 3.1-6)

  

51. QUE PERDÃO É ESTE?

E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos; ​tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu- o inteiramente, encravando-o na cruz; ​e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz. (Colossenses 2.13-15)

Inevitavelmente, a discussão sobre regeneração contempla o conceito de perdão de pecados, por isso Paulo emenda: “Ele nos deu vida... perdoando todos os nossos delitos”.  Certa feita, diante de uma declaração surpreendente de Jesus, um grupo de líderes religiosos arrazoou: “Quem pode perdoar pecados senão Deus?” (Marcos 2.5,6). Eles estavam corretos: só Deus só pode perdoar pecados. A questão é que eles não sabiam quem era Jesus.  Para aqueles que estão “mortos em suas transgressões” perdão de pecados é algo impensável ou até mesmo inaceitável. Aqui Paulo mostra a graça de Deus operando, que age para nos perdoar os pecados: “...vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos”. Toda a rebeldia humana de andar alheios à Sua vontade, indiferentes a quem Ele é ou o que representa para nós, por meio de Cristo é perdoada.

A palavra que Paulo usa para descrever o ato de Deus em “perdoando todos os nossos delitos” (charizomai) tem um significado que vai além do simples perdão e esquecimento das falhas. Significa também fazer um favor, restaurar, dar graciosamente, dar livremente, entregar. Paulo não usou esta palavra acidentalmente. Ele quer nos lembrar de que nós não encontramos a libertação do fardo do pecado através de manipulação psicológica, nem através de uma catarse emocional. Ela vem somente através da ação restauradora de Deus, prerrogativa exclusiva de Deus para o nosso benefício.

Mas se Deus perdoasse o pecado sem tratar adequadamente Ele estaria cometendo injustiça.  Deus não pode simplesmente perdoar sem a devida justiça ao transgressor ser satisfeita. Vemos isso figurado nos sacrifícios do Antigo Testamento. Hebreus 9.7-14 traça o paralelo entre aqueles sacrifícios com o de Cristo.

Os israelitas tratavam a culpa de seu pecado através dos sacrifícios animais: um inocente morrendo por um pecador. E ainda, anualmente o sumo sacerdote entrava no Santo dos Santos com uma bacia de sangue do sacrifício de um animal, oferecendo-o sobre o propiciatório para satisfazer a justiça de Deus. Sem derramamento de sangue não há perdão de pecados, nos revela Hebreus 9.22. Pecadores são condenados pelos seus atos, mas a  dívida do pecado é quitada pelo substituto. Como o sacrifício carrega a culpa do pecado, Deus concede perdão.

Jesus Cristo é o Cordeiro de Deus, conforme identificado por João Batista (João 1.29 e 36). Ele é a nossa fonte de perdão, pois na cruz, seu sacrifício pelo pecado da humanidade foi plenamente aceito e satisfeita a justiça de Deus. Em Cristo, Deus já nos perdoou.

Paulo explica isso mais detalhadamente no versículo seguinte:

“tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu- o inteiramente, encravando-o na cruz”

A referência ao escrito de dívida, que era contra nós”, refere-se à condenação da lei lavrada contra transgressores. Escrito de dívida (cheirographon) era uma nota manuscrita na qual alguém reconhece que recebeu dinheiro como depositário ou por empréstimo, e que, portanto, é devedor. Mas ao invés de um saque bancário, creio que Paulo se referia à lei de Moisés, ao citar que este escrito “constava de ordenanças”.  A lei nos responsabiliza, expõe nossa miséria e nos coloca em débito com Deus, por isso mesmo ela “nos era prejudicial”.

Mas a boa notícia é que, através de Cristo, Deus cancelou o nosso “escrito de dívida... removendo-o inteiramente, encravando-o na cruz”.  As acusações contra um criminoso crucificado eram comumente pregadas acima de sua cabeça na cruz em um documento expedido pela lei romana, dividido em três partes. A primeira constava o motivo pela qual o acusado estava sendo condenado. No caso de Jesus, como não havia uma acusação satisfatória para ser sentenciado, Pilatos mandou escrever: “Jesus Nazareno Rei dos Judeus” (João 19.19). Na segunda parte, a pena aplicada (no caso a crucificação exigida pelo povo). E por fim (quando a pena havia sido paga) constava a assinatura de um oficial com os dizeres: Consumadum est (está consumado).

Ao pronunciar estas palavras na cruz, Jesus estava declarando que pagou a pena cabalmente. Mas de quem, se ele mesmo era inocente? O Cordeiro de Deus pagou todas as nossas pendências! O débito do homem com Deus foi resolvido. Cristo pagou tudo! A dívida foi apagada e perdoada para sempre, de modo que “agora, pois já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Romanos 8:1). Isso é que é perdão de verdade!

Você já ouviu algo que sugere que devemos trabalhar duro para nos aperfeiçoarmos moralmente, para somente então Deus poder nos perdoar e nos libertar de nossa dívida? É mentira! O perdão de Deus é graça sobre a nossa vida. A dívida já foi paga, o resgate concluído e não depende de nada que pudermos fazer. Não é pelas nossas ações, obras ou atos de bondade. Estas coisas não acrescentam em absolutamente nada a obra de Cristo na cruz.

 

52. RESTA MAIS ALGUMA COISA PARA PAGAR?

E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos; ​tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu- o inteiramente, encravando-o na cruz; ​e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz. (Colossenses 2.13-15)

A culpa pode corroer nosso estado mental e emocional, até ao ponto de nos encontrarmos inteiramente infelizes. Ela afeta a forma como encaramos a vida, a maneira como tratamos nossos relacionamentos com os outros e o modo de ver o nosso lugar no Corpo. Não sentimos nenhuma alegria em viver ou realizar nossas atividades diárias quando a culpa nos atormenta. Passamos a evitar a Palavra ou sentimos vergonha de orar, pois não nos sentimos dignos de estar na presença do Pai que tudo vê. Podemos até nos ocupar de outros tipos de atividades para não ter tempo de nos lembrarmos do nosso pecado... Porém, este nos atormenta como um martelar constante em nossa cabeça.

Provavelmente, esse tipo de sentimento brotasse na mente dos colossenses devido ao falso ensino dos falsos mestres. Tendo o paganismo como pano de fundo, a culpa de pecados passados voltaria a atormentá-los fortemente. Talvez este fosse um dos motivos de Paulo ensinar sobre o cancelamento do nosso “escrito de dívida”, e enfatizar:  “foi inteiramente removido, encravado na cruz”.

A palavra “removeu”, é a mesma utilizada por João Batista, quando ele apontou Jesus Cristo a seus discípulos:

“Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (João 1.29).

Significa, literalmente, que ele carregou longe de nossa vista, para que não seja lembrado mais. A obra da cruz não foi uma obra “romântica” concebida para simplesmente inspirar ações de sacrifício de nossa parte. Foi um trabalho real lidando com o pecado real de pecadores reais. Na cruz, Jesus satisfez as exigências de Deus em sua lei, e se a dívida foi satisfeita, não há motivo para pagar por ela novamente.

“escrito de dívida” de que a pessoa do primeiro século assumia era lavrado de próprio punho e ficava em posse do credor que poderia servir como documento de acusação contra o devedor, caso ele não pagasse. Mas, quando a dívida era liquidada, o credor assinava como “paga”, ela voltava para o dono que poderia comprovar publicamente a sua quitação. Do ponto de vista legal, nada mais poderia ser exigido do ex-devedor.

Paralelamente, numa esfera espiritual, como Jesus Cristo pagou a dívida de nossos pecados, nada mais é necessário para saldar essa dívida. Ainda assim, vemos que pessoas orgulhosas não aceitam que um terceiro pague esta conta e insiste fazê-lo por seus próprios meios, com seus próprios recursos. Neste caso, não se trata mais de orgulho, mas de burrice: você insistiria em pagar a conta do restaurante que seu amigo acabou de pagar para você? Talvez o dono do restaurante ficasse muito contente em receber de novo... mas é idiotice! Pior, é que esta dívida “que nos era prejudicial” é impagável, humanamente falando. Em Ezequiel 18.20, Deus declara categoricamente: “A alma que pecar, esta morrerá” e em Romanos 6.23 lemos que “o salário do pecado é a morte”.

Estes dois textos nos mostram o tamanho da “multa” por pecar: nossa própria vida. Deus não está nos cobrando, exigindo pagamento de nosso endividamento como infratores. Jesus Cristo satisfez as exigências legais. “Está consumado!” representa um novo significado quando consideramos que não há razão para viver se condenando pela culpa dos pecados do passado. Cristo pagou a dívida. Apenas aceite este “favor imerecido” e descanse na suficiência do que ele realizou na cruz.

 

53. SOBRE ANJOS E DEMÔNIOS

E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos; ​tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu- o inteiramente, encravando-o na cruz; ​e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz. (Colossenses 2.13-15)

Já vimos que um dos ensinos introduzidos em Colossos pelos mestres insanos, enfatizava o poder exercido por anjos e demônios. Eles sabiam que aquelas pessoas eram supersticiosas e, assim, encontraram campo fértil para manipulá-las com seus ensinos. Semelhantemente, assistimos hoje em dia em muitas igrejas pelo Brasil e pelo mundo afora, falsos mestres manipulando a fé de um público supersticioso: eles insistem em encontrar demônios na vida das pessoas, ou no seu passado, ou no seu patrimônio familiar; em gastar tempo formulando teorias sobre envolvimento de nossos antepassados com ocultismo; em ensinar que temos de ser libertados da escravidão e dominação espiritual destes demônios; que precisamos passar por uma seção de descarrego, etc. Será mesmo que precisamos nos envolver nestas práticas? Que precisamos aprender certos tipos de orações, desenvolver cerimônias e fórmulas para cura e libertação? Paulo satisfaz este tipo de inquietação tola na declaração triunfal do versículo 15:

“...despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz”.

Aqui, Paulo nos passa o seguinte recado: apenas mire-se em Jesus Cristo crucificado. Na cruz, vemos a derrota de todo inimigo espiritual, seja nossa natureza obstinada, seja nossos acusadores. Enfim, qualquer coisa que se opõe ou se apega a nós, que nos influencia ou nos condena. Tudo isto foi não apenas derrotado, mas também publicamente exposto como vencido.

A figura lembra aquelas ocasiões quando um general romano voltava vitorioso para a cidade arrastando consigo o que sobrara do exército inimigo. Plutarco descreve uma celebração que durou três dias, onde os soldados capturados desfilavam acorrentados para serem humilhados publicamente. Atrás, vinham carruagens que expunham suas armas depostas, e na frente, apresentava-se o general vitorioso, vestido com suas vestes régias, levando o ramo de louro de paz na mão, cumprimentando os aplausos e hinos de louvor oferecidos pelos cidadãos romanos.

É exatamente esse quadro que Paulo nos mostra aqui. Nosso Rei vitorioso, Jesus Cristo, derrotou todo o exército das trevas na cruz. Ele os despojou”, ou seja, despiu e desarmou-os de seu poder para nos prejudicar, “expondo-os publicamente ao desprezo” mostrando que a obra da cruz foi completamente suficiente. Portanto, aqueles que estão em Cristo não precisam mais temer ameaça alguma de demônio algum. 

Então, à luz deste texto, devemos pensar sobre a suficiência de Jesus Cristo também sobre a questão da batalha espiritual que enfrentamos diariamente. Apesar de este mundo jazer no maligno e os governantes deste sistema serem o diabo e seus anjos, não precisamos nos preocupar: a batalha já foi vencida até o último inimigo ser derrotado, que é a própria morte. Por conta disto podemos ter esperança de uma vida eterna.

Assim como os antigos romanos cantavam hinos de louvor ao general vitorioso, devemos nós também louvar ao nosso grande conquistador. Cada vez que nos reunimos, devemos fazê-lo como um momento de comemorar a conquista que nosso Senhor realizou em nosso favor.

Nunca deixe de louvá-lo por sua vitória.

  

54. O TRIUNFO DA CRUZ

E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos; ​tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu- o inteiramente, encravando-o na cruz; ​e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz. (Colossenses 2.13-15)

A cruz é um objeto que aparece em toda a Bíblia. Ela era prevista na lei, foi evidenciada nos Salmos e profetizada por homens como Isaías. Vemos seu clímax nos derradeiros capítulos dos Evangelhos de forma surpreendente e escandalosa, porém estende-se triunfante pelas epístolas do Novo Testamento. A cruz é o tema central do cristianismo e um dos poucos pontos de entendimento entre ortodoxos, católicos, protestantes tradicionais e pentecostais. A cruz não é apenas a sobreposição de dois pedaços de madeira; nem tampouco é um mero ícone da morte. A cruz simboliza o caminho que Jesus escolheu, em obediência ao Pai, a fim de redimir a humanidade.

No Evangelho de Mateus (10.38 e 16.24) Jesus ensina a seus discípulos a “tomarem a cruz”. Isto não era apenas uma exortação ao discipulado, mas suas palavras prenunciavam com precisão a forma da sua própria morte. Os judeus do primeiro século sabiam exatamente o significado destas palavras, mesmo antes do julgamento e condenação de Jesus. Historiadores como Cícero (106-43 aC) e Josefo (37-100 dC) falavam da crucificação como uma prática bárbara e comum. Os romanos não apenas crucificavam seus inimigos, eles os obrigavam a carregar a cruz pelas ruas para humilhação do condenado.

No Evangelho de João, a cruz é referida indiretamente. Jesus faz alusão a sua missão nos Evangelhos de forma gradual: lenta e deliberadamente Ele vai revelando a seus discípulos seu propósito e destino. Aqui, Jesus prediz a cruz três vezes, afirmando que o Filho do homem seria levantado (João 3.13-14; 8.28; 12.32-34):

E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado,

​Disse-lhes, pois, Jesus: Quando levantardes o Filho do Homem, então, sabereis que EU SOU e que nada faço por mim mesmo; mas falo como o Pai me ensinou.

​E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo. ​Isto dizia, significando de que gênero de morte estava para morrer. ​Replicou-lhe, pois, a multidão: Nós temos ouvido da lei que o Cristo permanece para sempre, e como dizes tu ser necessário que o Filho do Homem seja levantado? Quem é esse Filho do Homem?

A cruz sempre foi alvo de polêmica e divisão. Lemos em 1 Coríntios 1.18,23 que já no primeiro século ela gerava diversas reações:

“Certamente, a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que estamos sendo salvos, poder de Deus... ​Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; ​mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios.” 

Única e ao mesmo tempo tão complexa, ela traz consigo, até os dias de hoje, efeitos contraditórios e diversos. Pode ser loucura para quem não crê, porém, graças a ela, tornou-se possível nossa intimidade com Deus:

“Portanto, visto que temos um grande sumo sacerdote que adentrou os céus, Jesus, o Filho de Deus... aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade” (Hebreus 4.16).

A cruz tem sido um marco divisor na vida de muitas pessoas ao longo de mais de dois mil anos. Vemos aqui neste trecho de Colossenses (2.13-15) o efeito sobre nossa vida “antes e depois” da cruz:

Antes... E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne

Depois... vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos

Antes... o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial,

Depois... removeu- o inteiramente, encravando-o na cruz

A cruz ainda extrapola os limites da nossa esperança. Embora a maioria da humanidade (e muitas vezes os próprios cristãos) deposite sua confiança na economia, na política ou na ciência para resolver os problemas da sociedade e do mundo, precisamos aprender que este mundo está fadado ao fracasso. Isto não significa que devemos desistir de tudo ou perder nossas esperanças, mas devemos deixar de nos fascinar com a glória terrena e temporal e aprender a olhar para o que tem valor eterno:  

Mas longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu, para o mundo. (Gálatas 6.14)

Finalmente, a cruz nos surpreende ao trazer à luz uma qualidade inesperada da Divindade: a humildade. Esta é a mensagem central deste texto da carta aos Filipenses 2.7-8:

“Cristo... a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz.”                     

Este é o triunfo da Cruz ensinado por Paulo aos Colossenses!  A cruz não se limita a triunfar sobre a lei. Ela vai além. A cruz inverte o pecado de Adão, e os danos causados ​​pelo pecado de nossos primeiros antepassados. Onde pelo pecado de Adão, o paraíso estava perdido, através da cruz, a redenção da humanidade foi novamente tornada possível. Paulo tratou este assunto em Romanos 5.18:

Pois assim como, por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também, por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos os homens para a justificação que dá vida.

A morte de Jesus pagou a dívida do pecado. Foi o último sacrifício, de uma vez por todas. A cruz era um instrumento de execução criminal, mas ela, ironicamente, se tornou um símbolo decisivo da vitória de Deus sobre o mal:

“...despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo,                                                      triunfando deles na cruz.

Sem o triunfo da cruz, simplesmente não há cristianismo.

55. DESENVOLVIMENTO COMPROMETIDO

Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, ​porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo. ​Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado, sem motivo algum, na sua mente carnal, ​e não retendo a cabeça, da qual todo o corpo, suprido e bem vinculado por suas juntas e ligamentos, cresce o crescimento que procede de Deus. (Colossenses 2.16-19; João 1.1-3, 14; 17.17; 2 Timóteo 3.16-17)

O crescimento espiritual, assim como o crescimento físico, pode ser afetado pelo ambiente. No reino físico, se você vive em uma área assolada pela seca e com reservas de alimentos, por exemplo, ou ainda num local que sofre com a falta de saneamento, água não tratada e má qualidade do ar, doença certamente se instalarão e debilitarão o seu desenvolvimento bem como de todos os moradores destes locais. É de se esperar um crescimento físico bem precário nestas áreas. Não é que a pessoa não tenha potencial de crescimento, mas tudo à sua volta prejudicará seu desenvolvimento físico.

Cada cristão tem potencial para crescer espiritualmente. Ainda que o potencial de crescimento nos seja favorável devido à nova natureza em Cristo e o Espírito que nos foi concedido para ser o nosso auxiliador, existem fatores externos que podem ter um efeito contraproducente. Maturidade cristã está diretamente relacionada ao aprendizado, compreensão e aplicação devida da Palavra de Deus no cotidiano. Quando o engano das falsas doutrinas toma lugar e afasta o cristão da centralidade da Escritura, seu crescimento será afetado. Todo cristão deve estar ciente dos perigos que ameaçam o seu crescimento espiritual e saber como evitá-los.

Este parece ser o foco de Paulo neste parágrafo. No verso dez ele enfatizara que em Cristo nós “estamos aperfeiçoados” (completos), de modo que não há necessidade de algo a ser adicionado para nossa justificação (2.10). Diretamente relacionada com a justificação está a nossa santificação, que é o processo de crescimento na graça e maturidade na vida cristã. Os adversários de Colossos estavam intimidando os crentes ao ensinar que faltava algo para poderem desenvolver sua espiritualidade. Diziam que os colossenses simplesmente não tinham a chave necessária para serem espirituais de verdade, e mais: que eles tinham as respostas! Através do cumprimento de uma série de regrinhas (legalismo), conhecimento de verdades ocultas (misticismo) e separação das coisas que nos contaminam (ascetismo) eles poderiam experimentar uma espiritualidade mais profunda. A tudo isso, Paulo adverte os cristãos para não se deixarem enganar.

Nós também precisamos estar cientes dos perigos sutis que os colossenses enfrentaram. Pense: Quais são os tipos de perigo que podem comprometer nosso desenvolvimento espiritual? Precisamos considerar como o nosso crescimento pode ser ameaçado e, mais importante, como ele pode ser estimulado. Não é preciso ser um observador atento para descobrir que a maioria dos cristãos professos estão subnutridos e mantém-se aquém de um crescimento saudável. Vemos isto na escassez (ou ausência) de uma teologia bíblica sadia nas igrejas. A igreja brasileira tem se alimentado basicamente de ‘salgadinhos musicais’ e ‘fast-food televisivo’, dois meios de se absorver a pior teologia possível. O resultado é a falta de compreensão bíblica e aplicação à vida pessoal. Também, muitas igrejas estão recheando seus calendários de programas e atividades que não acrescentam nada para a edificação pessoal, apenas mantem a mente de seus membros ocupadas durante o ano, dando uma falsa impressão de compromisso com o corpo. Note que nem entramos (e nem entraremos) na questão do entretenimento secular, e quanto tempo gastamos com o que não é nada... ou melhor: é lixo!

Faça uma pesquisa rápida e você descobrirá que a maioria dos ‘crentes’ não entendem nada sobre as questões mais elementares relacionada com a fé cristã. Uma causa evidente é a falta de exposição bíblica nas igrejas e instrução deficiente em grupos de estudo e discipulado. A ênfase nos nossos dias em louvorzão e entretenimento ao invés de exposição da Palavra de Deus tem nos deixado em uma situação calamitosa. Sabemos que o cristão sente a necessidade de louvar e de manter comunhão uns com os outros, e isto é extremamente positivo. Mas o problema, como em todas as coisas, é a falta de equilíbrio. A necessidade de crescimento espiritual existe, e somente pela instrução da Palavra poderemos experimentar mudanças em nossa vida. Portanto, se alguma daquelas coisas (programas, louvor, comunhão) não tiver a finalidade de nos ensinar algo a respeito das Escrituras, ela pode ser classificada como um substituto sutil, descrito por Paulo em nosso texto. 

Nossa edificação em Cristo implica estar alicerçados na Palavra e crescer na Palavra, conforme lemos em João 17.17: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade”.  Não precisamos buscar nada além da Palavra de Cristo e sua suficiência para o nosso crescimento espiritual.

56. SINAL DE PERIGO: LEGALISMO

Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, ​porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo. ​Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado, sem motivo algum, na sua mente carnal, ​e não retendo a cabeça, da qual todo o corpo, suprido e bem vinculado por suas juntas e ligamentos, cresce o crescimento que procede de Deus. (Colossenses 2.16-19)

Você sabe identificar um legalista? Sua ênfase está nas coisas exteriores. Ele fala sobre lugares que você não pode ir, pessoas que você não pode se relacionar, e atividades que você não pode fazer parte. Discute sobre a sua comida, a forma como você usa suas roupas, o estilo de seu cabelo ou o tipo de adorno que você usa. Por favor, entenda: certamente que algumas práticas não condizem com um sujeito que se diz cristão. É muito comum, hoje em dia, escutarmos frases do tipo “esse aí diz que é crente e faz isto, ou age assim?”.  Mas não é seguir uma lista de regrinhas que faz de você mais ou menos santo. Nem a sua lista e nem a dos outros! Pelo contrário, uma consciência cristã madura e autêntica é que deve nos dirigir, conforme lemos em Atos 24.16:

​”Por isso, também me esforço por ter sempre consciência pura diante de Deus e dos homens”.

A igreja de Corinto era uma igreja extremamente imatura. No capítulo três de sua carta, o apóstolo os chama de carnais, pelo fato deles se deixarem dominar por seus desejos naturais. A imoralidade resultante dentro daquele grupo era tamanha, que se tornava notória até entre os não cristãos daquela cidade:

“Geralmente, se ouve que há entre vós imoralidade e imoralidade tal, como nem mesmo entre os gentios...”                   (1 Coríntios 5.1)

E para justificar sua conduta, os cristãos de Corinto lançavam mão de alguns dizeres bem populares daquela época, como o ditado “O alimento é para o estômago e o estômago para o alimento” e a máxima “Tudo é lícito”. Geralmente usa-se este tipo de argumento aquele que deseja maquiar sua consciência. Diante da conduta dos cristãos de Corinto Paulo orienta:

“Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas. ​Os alimentos são para o estômago, e o estômago, para os alimentos; mas Deus destruirá tanto estes como aquele. Porém o corpo não é para a impureza, mas, para o Senhor, e o Senhor, para o corpo.” (I Coríntios 6.12, 13)

Ou seja, embora nós tenhamos liberdade em Cristo (tudo é lícito...), certas práticas não são convenientes. Embora nós ainda carreguemos o desejo de satisfazer nossa carne, não podemos nos deixar levar pela simples vontade de satisfação a qualquer custo. De fato, seguindo o argumento dos coríntios, os prazeres existem para nos satisfazer (o alimento é para o estômago...), mas agora, devemos ter a consciência que não somos mais donos do nosso próprio estômago, uma vez que admitimos sermos do Senhor. Isto é maturidade cristã, e não se baseia em nenhuma lista de regrinhas. Já o que o legalista defende é que o caminho para a santidade está em seguir a sua lista do que pode fazer e não fazer. O próprio Jesus sofreu duros ataques dos fariseus por conta disto.

O legalismo se apresenta como um suplemento ideal para quem almeja crescimento espiritual. Essencialmente, ele pode ser reconhecido por sua infame lista de regras: algumas ações proibitivas enquanto que outras, obrigatórias. Portanto, torna-se legalista aquele que se deixa demover apenas pelas cláusulas de “fazer e não-fazer”... E ai daquele que urinar fora do penico! Considere os fariseus do tempo de Jesus: mesmo negligenciando a justiça, a misericórdia e a fé, eles acreditavam que por causa da obediência irrestrita à lei, elevavam-se a um patamar espiritual superior aos demais. Pensavam que seguindo escrupulosamente todas as leis relativas à observância do sábado ou de alimentos, por exemplo, os qualificava como super espirituais. Suas considerações baseavam-se nas regras que outros legalistas anteriores a eles escreveram. E mais: asseveravam sobre estas coisas como sendo a própria vontade de Deus.  Por isso Paulo escreve aos colossenses:

Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, ​porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo.

O que estava acontecendo é que ao invés de voltarem a atenção para o trabalho que Cristo realizou por cada um de nós, os Colossenses estavam sendo intimidados e levados a pensar que sua espiritualidade era de segunda categoria. Possivelmente, seus antagonistas estavam dizendo-lhes como eles eram carnais, porque não observavam certas regras. A presença do verbo “julgar” implica que estas ações já estavam acontecendo.  

No cenário de Colossos, Paulo estava lidando com uma atmosfera religiosa sincretista. Sincretismo implica unir uma série de diferentes elementos religiosos em uma só religião. Neste caso, havia uma mistura de judaísmo, religião pagã local, superstição e mitos populares.  Quando Paulo faz menção à comida ou bebida”  poderia ser uma referência às leis dietéticas judaicas em contraste com algumas crendices locais. Por exemplo: alguns diziam que demônios eram adorados através de certas comidas e bebidas, e que eles invadiriam a vida das pessoas através destes elementos, caso alguém os consumisse. Assim, a fim de evitar demônios, a pessoa devera se abster de certos alimentos. Outros pregavam que uma pessoa poderia se aproximar de Deus e receber revelações dEle se esta se abstivesse de comida e bebida. Alguns na região ensinavam que o jejum era uma pré-condição para adentrar em práticas ocultistas e mágicas. Outros ainda acreditava na transmigração da alma através da carne, e assim, deveriam evitar comer carne, a fim de não perturbar a alma de algum antepassado. Havia até mesmo a ideia de que a pessoa seria purificada somente se ela restringisse rigidamente sua alimentação. Contra todos estes falsos ensinos, a atitude legalista (julgamento e condenação) não ajudava em nada.

Os judeus eram conhecidos por sua estrita observância a certos dias em seus calendários. Este mesmo zelo estava sendo repassado aos Colossenses. Paulo se refere a “festas, lua nova ou sábados” como eventos que nunca foram destinadas a um fim em si mesmos. As festas foram, provavelmente, referências aos festivais anuais de Páscoa ou Pentecostes, assim como as festas de lua nova eram observadas pelos judeus. Alguns escritores também sugerem que ele se refere a festivais pagãos. A observância do sábado aponta ainda para o sinal da antiga aliança. Mas estar sob a nova aliança significa não estar mais vinculado à observância legalista de todas estas festas e dias específicos. 

O perigo do legalismo é que ele se apresenta como substituto para nossa vida com Cristo. Ele insiste que há outro nível de espiritualidade para quem se empenha em guardar a lei. Por causa de uma dependência do nosso próprio desempenho, o legalismo mantem a pessoa em cativeiro, sempre olhando para si, para a experiência pessoal, sua a capacidade de cumprir lei, para a lista de regras que a mantém satisfeita consigo mesma. Mas ela nunca está. Pode haver uma sensação momentânea de satisfação, mas não há nenhuma satisfação profunda e duradoura. E nem pode haver, pois é uma tentativa de encontrar satisfação fora da plenitude da obra de Cristo.

Paulo lembra aos Colossenses que todas aquelas coisas (referindo-se aos elementos da antiga aliança) eram sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo”. O escritor de Hebreus também trata do mesmo assunto:

“Ora, visto que a lei é a sombra dos bens vindouros, não a imagem real das coisas, nunca jamais pode tornar perfeitos os ofertantes, com os mesmos sacrifícios que, ano após ano, perpetuamente, eles oferecem.”                                          (Hebreus 10.1)

As roupas, os sacrifícios, as comidas, os festivais, os dias santos, os sábados, e outros eventos estabelecidos pela lei nunca foram destinados a ser o agente santificador daqueles que os observam. Eles só apontavam para uma realidade posterior, Jesus Cristo. O corpo pertence a Cristo, e quando você conhece o corpo, a sombra já não é mais importante. 

  

57. SINAL DE PERIGO: MISTICISMO

Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, ​porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo. ​Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado, sem motivo algum, na sua mente carnal, ​e não retendo a cabeça, da qual todo o corpo, suprido e bem vinculado por suas juntas e ligamentos, cresce o crescimento que procede de Deus. (Colossenses 2.16-19)

Além do legalismo, outro perigo que se destaca em nosso meio é o misticismo. Ele pode ser definido como a busca de uma maior ou mais profunda experiência religiosa subjetiva. É a crença de que a realidade espiritual é percebida além do intelecto humano e sentidos naturais. Internamente parece ser uma experiência verdadeira, considerando os sentimentos, a intuição e outras sensações pessoais, porém não passam de experiências particulares. O fato do misticismo ocupar-se de buscar os mistérios não revelados por Deus, faz desta filosofia a antítese do cristianismo autêntico.

Os cristãos de Colossos estavam sendo menosprezados e julgados como detentores de uma fé medíocre e deficiente porque eles não tinham ainda mergulhado em certas experiências místicas. Assim, Paulo diz-lhes:

“Não deixem que ninguém os humilhe, afirmando que é melhor do que vocês porque diz ter visões e insiste numa falsa humildade e na adoração de anjos. Essas pessoas não têm nenhum motivo para estarem cheias de si, pois estão pensando como qualquer outra criatura humana pensa” (NTLH)

Se o legalista se apresenta como super espiritual, o místico se exibe como mega espiritual. Uma característica comum destas pessoas é a sua alegação de humildade. Sempre há algo de impressionante naquela pretensa humildade que vem, muitas vezes, associada a jejuns e outras observâncias ascéticas. Os que utilizam destes recursos fazem questão que todos saibam que eles o praticam, e que se negam (dissimuladamente) a alguns confortos na vida. Isto pode ser visto naqueles super-crentes quando anunciam: “Eu tenho jejuado durante semanas sobre determinado assunto, e Deus, que sonda os corações de seus servos fiéis, decidiu me revelar que...”. 

 É interessante lembrar que Jesus ensinou que se você jejuasse, não era para deixar ninguém saber. No entanto, em várias ocasiões, tenho tido conhecimento de notáveis ​​líderes religiosos anunciarem que eles jejuaram durante um determinado período de tempo e, consequentemente, obtiveram uma maior autoridade para comunicar à igreja o que ele precisava fazer ou o que ela precisava saber. De previsões precisas a respeito do retorno de Cristo ao orçamento completo para a construção de novo templo,  tudo é revelado milagrosamente a estes amados após longos períodos de jejum, e sempre acompanhado do jargão “Deus me revelou”. Não temos nenhum motivo para nos deixar intimidar por tais visões e manifestações de humildade: é tudo falso!

Há ainda outros que desenvolvem toda uma doutrina sobre hierarquia e adoração de anjos. Esta parece ter sido uma questão bastante pertinente em Colossos, pois o apóstolo aborda este assunto repetidamente nesta carta. Quando alguém afirma ter tido uma experiência com anjos e eleva este tipo de experiência acima do conhecimento de Cristo, então não é de Deus. Por toda a Escritura, os anjos nunca procuraram chamar a atenção para si. Muito pelo contrário: eles glorificam continuamente ao Senhor. Acredito que precisamos avaliar (com profunda desconfiança), todo grupo em nossos dias que enfatiza a questão de anjos, principados e potestades, e que reivindicam uma espiritualidade superior por causa de conhecimento e experiências com estes seres. 

Outra forma comum de misticismo que Paulo relata aqui é: basear-se em visões, enfatuado, sem motivo algum, na sua mente carnal. A trilha que nos leva para longe da autoridade e suficiência da Palavra é sinalizada com visões, novas revelações, profecias (ou melhor, profetadas) e palavras de conhecimento. Existe, por acaso, alguma deficiência na Escritura que nos leve a precisar de visões ou novas revelações? Será que precisamos confiar na palavra de um homem acima da Palavra de Deus? Aqueles que abraçam essas visões e novas revelações estão comunicando que não dão crédito suficiente para a Bíblia. Buscam um plano diferente e superior de descobrir os mistérios que Deus ocultou do homem comum, a ser comunicado apenas para seus escolhidos (conforme se intitulam). Com grande confiança, profetizam, anunciam visões ou palavras de conhecimento, reivindicando autoridade sobre o cristão comum. Os mais desavisados ​​são intimidados, porque não conseguem discernir a farsa perpetrada sobre ele. Assim, eles se iludem diante das embromações convincentes desses embusteiros, esperando que um dia alcançarão o mesmo grau de espiritualidade. 

 A avaliação de Paulo sobre estes místicos é que eles estão cheios de ar quente, ou, usando a linguagem bíblica, “inflados na sua mente carnal” e, o que é pior, “sem motivo algum”.  A única razão pela qual essa pessoa continua confiante em suas táticas é devido à condição de sua mente alheia à Palavra de Deus, pois não se baseia na suficiência de Jesus Cristo. Seu único motivador é o ganho pessoal, popularidade e satisfação de exercer domínio sobre os outros. Sua mente é carnal e não espiritual, por isso ele se ensoberbece por suas reivindicações de mega espiritualidade. Assim, o misticismo recebe seu selo de autenticidade por causa da auto realização que proporciona ao individuo e do reconhecimento por parte dos incautos que o cercam e se deixam impressionar.

Atualmente, multidões têm sido levadas pelos falsos mestres a uma falsa espiritualidade. Eles estão nas igrejas, na net, na mídia, aparecendo diariamente na televisão e no rádio. Fazem grandes reivindicações por terem ouvido a voz de Deus de maneira sobrenatural. Eles alegam ter tido experiências incomuns com Deus, e alguns chegam ao ponto de afirmar que receberam instruções pessoais de Cristo ou de um anjo. Normalmente negam a necessidade de doutrina, pois apelam sempre para a experiência subjetiva acima da revelação bíblica. Por fim, o misticismo leva os incautos para a escravidão. 

Os místicos que alegavam ter revelações, visões e encontros com anjos falharam no quesito mais básico da vida cristã: estar ligado à cabeça a fim de experimentar o crescimento que vem de Deus. O ponto de ancoragem para o cristão é Jesus Cristo. Ele é identificado como “a cabeça do corpo”, uma metáfora que demonstra a autoridade de Cristo sobre a igreja, bem como a dependência que a igreja deve colocar em Cristo (1.18). A tarefa fundamental do cristão é nunca se esquecer de que seu crescimento nunca irá além de seu relacionamento com Jesus Cristo. 

União do cristão com Jesus Cristo em seu corpo, oferece o que ele precisa para seu crescimento espiritual. Esta é a implicação de estar “suprido e bem vinculado por suas juntas e ligamentos, cresce o crescimento que procede de Deus”. Paulo disse que seu único objetivo na vida era conhecê-Lo (Filipenses 3.10), e o objetivo de seu ministério era apresentar todo homem perfeito em Cristo (Colossenses 1.29). O autor de Hebreus empenha-se ainda mais em mostrar a superioridade de Jesus Cristo sobre todas as sombras do Velho Testamento. Não devemos nos contentar com as sombras quando podemos encher-nos com a substância. Nosso crescimento espiritual deve estar focado em Jesus Cristo, o Senhor. 

Aqui está uma das formas mais rápidas de identificar falsa espiritualidade. Quando a ênfase se afasta da simplicidade de continuar crescer no conhecimento e dependência de Cristo para qualquer outra coisa, então vemos aí as marcas claras de uma farsa.  Se substituirmos a suficiência da revelação da Palavra por qualquer coisa, imediatamente nos afastaremos dela. Não se deixe prender sob os escombros de visões, experiências, profetadas e revelações. A Palavra de Cristo deve dirigir o cristão. Somente Ele pode satisfazer os anseios mais profundos do nosso coração, fornecendo satisfação pessoal,  paz e alegria duradoura . Então, olhe para Cristo! 

58. SINAL DE PERIGO: ASCETISMO

Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: ​não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro, ​segundo os preceitos e doutrinas dos homens? Pois que todas estas coisas, com o uso, se destroem. ​Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade. (Colossenses 2.20-23)

Ascetismo sempre foi um meio pelo qual as pessoas procuram chegar mais perto de Deus. Ascetismo significa abstenção de prazeres e até do conforto material, com o fim de alcançar a perfeição moral e espiritual. Ele pode ser o resultado final de várias correntes religiosas como legalismo ou misticismo, ou ainda ser praticado por adeptos do gnosticismo, que pregavam que o nosso corpo (matéria) é fonte de grandes males, e nele está ausente a divindade, por isso faz-se necessário privar-se de todo e qualquer tipo de prazer. Particularmente, arrisco dizer que o ascetismo é a combinação destas três vertentes. É uma prática bastante antiga na humanidade e mais uma falácia que os falsos mestres estavam tentando introduzir na jovem igreja de Colossos.

Sabemos pela história que, posteriormente, o ascetismo foi introduzido na igreja e largamente praticado na era monástica, onde cristãos submetiam-se a dietas rigorosas e a frequentes jejuns, sendo que muitos se sujeitavam a isolamentos perpétuos, votos de castidade, castrações, amputações de membros, perfuração de olhos e os mais variados tipos castigos físicos, penitências e autoflagelo. Em última análise, esta violência toda não passa de uma tentativa puramente humana de agradar a Deus e alcançar a salvação, mas que rejeita e abandona completamente a confiança e dependência da graça de Deus. 

Quando uma pessoa rejeita a Palavra e obra de Jesus Cristo como o único meio para a salvação, ela então começa a procurar estabelecer a sua própria religião, definindo, ela mesma, suas práticas e regras. Até hoje é assim! Conforme já vimos antes, a forma mais eficiente e eficaz do diabo trabalhar é através da disseminação de ideias, e ele tem o prazer de oferecer uma vasta gama de religiões que consiga satisfazer as pessoas, mantendo-os alheios a Deus. Consequentemente vemos multidões de pessoas que vêm com seus planos e teorias engenhosas, certas de que a salvação é por mérito pessoal. Guarde isto: religião humana sempre enfatiza o mérito pessoal.

As pessoas abraçam uma religião, com a mesma intensidade que rejeitam a mensagem da cruz. Muitas adotam uma grande causa, pensando que ao fazer isso elas acumulam mérito. Vemos isso, por exemplo, em pessoas que se negam a comer certos alimentos, assistir televisão, ouvir música que não seja “gospel” (que, aliás, ensinam uma teologia bastante distorcida) ou vão a extremos emocionais com exercícios religiosos estressantes e longos períodos de jejuns e orações, a fim de elevar a sua espiritualidade. Não estou defendendo que temos que orar menos, comer mais e passar mais tempo em frente a TV. Creio que o tempo dedicado à oração é infinitamente mais proveitoso do que o tempo gasto com TV ou internet. O problema é praticar estas coisas com a intenção de demonstrar auto sacrifício e acumular créditos com Deus.

Algumas práticas ascetas podem envolver ações ainda mais agressivas e sectárias, tudo em nome do cristianismo. Algumas igrejas impõem algumas destas práticas sobre os membros de sua congregação. Estes são repreendidos por não estar envolvido nas atividades da igreja a cada noite, ou pelo fato de não ter obedecido a alguma determinação insana da liderança: “não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro”. Onde está a suficiência de Jesus Cristo em tudo isso? Essa é a pergunta que Paulo estabelece neste trecho de sua carta. Há sempre os esforços para substituir a Cristo e este crucificado. Estas coisas, ele esclarece são “preceitos e doutrinas dos homens”.

No período que antecedeu a Reforma, a igreja promoveu práticas ascéticas como o meio para agradar ou se achegar a Deus. Multidões caíram nesta armadilha condenável. Entre estes, estava também Martinho Lutero, um monge agostiniano. Até sua conversão, Lutero deve ter sido um dos grandes ascetas da história. Poucas pessoas tem conhecimento de sua vida monástica. Ele se absteve de alimentos, flagelava seu corpo, privava-se de dormir, e expunha-se a temperaturas extremas, deitando-se nu no piso gelado do mosteiro da Baviera. Através desses sacrifícios, ele tinha como objetivo estabelecer em um relacionamento com Deus. Mas quanto mais ele praticava estas coisas, maior o sentimento de vazio, e de que nada do que ele fazia podia tirar a culpa de seus pecados.

Até o dia em que ele se deparou com a frase: O justo viverá pela fé, registrada por Paulo na sua carta aos Romanos (Rm 1.17, citando Hc 2.4). Foi a fé em Cristo que libertou Lutero desta escravidão, porém o ascetismo não morreu com a Reforma. Ele ainda está ativo entre aqueles que pensam que o nosso desempenho e sacrifício nos adiciona mérito com Deus além do que Cristo realizou. Muitas vezes, como um incrédulo, nós abraçamos uma série de restrições pessoais de vida, acreditando que nos fará justos diante de Deus. Tais tentativas são próprias do religioso que não conhece a Deus. Somente a união de uma pessoa com Jesus Cristo pela fé pode nos livrar dos efeitos danosos de uma mentalidade ascética.

Assim como agiam os antagonistas de Colossos, assim fazem muitos lideres espirituais em nosso meio atualmente. Para manter sua aparência de pretensa espiritualidade, precisam sustentar mentiras e inventar truques que iludam seus seguidores. O que eles não compreendem, é que agindo assim, não estão levando ninguém para mais perto de Cristo, mas afastando-os cada vez mais do Deus da verdade. Certamente, não há nada de inocente em seus planos. 

  

59. QUE SITUAÇÃO!

Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: ​não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro, ​segundo os preceitos e doutrinas dos homens? Pois que todas estas coisas, com o uso, se destroem. ​Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade. (Colossenses 2.20-23)

Os cristãos genuínos estavam sendo iludidos, desviados do caminho e aprisionados no cativeiro dos falsos ensinos. Não demoraria muito para começarem a querer se envolver em práticas ascéticas em detrimento do descanso na suficiência de Cristo. Este perigo ainda paira sobre nós. Ao substituir a pessoa de Jesus por alguma ação de autonegação ou auto humilhação ou autopunição de nossa parte, significa que já estamos escorregando para a sutileza do ascetismo. Pode ser uma disposição estritamente mental, como torturar-se sobre certas áreas da vida em vez de entregar aquele assunto nas mão de Deus e descansar. Alguns, ainda, se  negam a desfrutar qualquer tipo de prazer, pensando que o caminho para crescer espiritualmente passa pelo sacrifício pessoal. É como se seguir a Cristo significasse viver sempre privados de prazer, com uma carranca em seu rosto ou austeridade na voz. Pode ter certeza, que isto não passa de ascetismo. 

O perigo maior está no fato de que este erro sempre leva a outros erros. Quando incrédulos observam cristãos mergulhados em práticas ascéticas, acabam formando uma ideia completamente distorcida sobre cristianismo. Eles ouvem uma pessoa falar sobre a suficiência de Cristo, mas veem outro se torturando, a fim de parecer espiritual. Ouvem uma pessoa falar sobre a graça, mas veem pastores extorquindo seus fiéis sob ameaças de maldições divinas. Ouvem um pessoa falar sobre o amor de Deus, mas veem outras aterrorizadas de medo de fazer alguma coisa errada. Então, no que hão de acreditar? Comumente, reagem de duas formas: ou simplesmente zombam e desacreditam de tudo; ou concluem que o cristianismo é igual ás demais religiões, que certamente  não é suficiente, e que para ser cristão deve-se fazer algo que pareça espiritual. Os que se deixam levar por estas ideias, caem presos no atoleiro do dever religioso, somando ao contingente de crentes que lutam a todo custo para manter a aparência de suas vidas espirituais. Mas no final, com isso, só servirão para levar mais pessoas para o atoleiro da mentira. 

Apenas uma mínima parcela se dará o trabalho de investigar mais a fundo sobre a verdadeira fé cristã. Acredito que este é um lembrete para nós da necessidade contínua de reforma na igreja. Devemos procurar sempre ensinar a Palavra, focando a obra de Cristo na cruz e a suficiência de nosso Senhor. É isto que Paulo começa a fazer:

“Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo,                                           vos sujeitais a ordenanças...”

A condicional “se”, traz a ideia de “uma vez que isso é verdade”. Paulo apela para o que aconteceu com eles na união com Cristo. Ele queria lembrá-los de como eles haviam vivido cativos nos “rudimentos do mundo”, mas agora, em Cristo, estavam livres destas coisas. Portanto, era incoerente voltar a se enlaçar com estas práticas, em vez de seguir livremente o caminho proposto por Cristo. 

Rudimentos do mundo refere-se aos feitos e pensamentos primordiais do homem, ensinamentos supersticiosos que eram tão comuns naquela parte do planeta e que vinham (e vem) sendo passados de geração a geração. Trazia uma mentalidade mais parecida com o conceito da “força”  de Star Wars , um poder universal conflitante dentro de cada ser que necessita ser domado e desenvolvido, em vez do conceito bíblico de um único e soberano Senhor, resgatador da humanidade.

Rudimentos do mundo são superstições que moldaram o pensamento das pessoas ao longo da história. É semelhante ao comportamento supersticioso em nossos dias que leva as pessoas a bater na madeira, se benzer ao passar na frente de uma igreja, usar um escapulário ou um patuá na carteira, pisar em sal grosso, colocar uma folha de arruda atrás da orelha, comer ervilha na ceia de ano novo e pular não sei quantas ondas, ter medo de sete anos de azar se quebrar um espelho, de passar debaixo de uma escada, ou de gato preto, etc. A maioria de nós cresceu com isso, e não questionávamos estas coisas até que viemos a entender a realidade de que “o Senhor reina”. A partir daí, então, nós “morremos com Cristo para os rudimentos do mundo”, de modo que não precisamos mais viver escravos destas superstições e medos. 

Só que muitos substituem estas crendices infantis por um conjunto de regras e regulamentos. Isto é sinal de que deixaram-se prender novamente pelas teias do ascetismo. Observe os exemplos que Paulo dá: “não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro”. Provavelmente, a introdução de leis dietéticas judaicas no cristianismo visava causar mais uma dependência do desempenho do praticante e sua aceitação pelos falsos mestres, do que uma dependência de Cristo. A ironia no pensamento de Paulo sobre era estas coisas era que  “todas estas coisas, com o uso, se destroem”. Em outras palavras, o foco dos falsos mestres era sobre o temporal, e não o eterno. Eles enfatizaram o material em detrimento do espiritual. Contudo,  “o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Romanos 14.17). 

A Bíblia nos dá as diretrizes para o nosso relacionamento com o Senhor. Paulo deixa bem claro que estas práticas ascéticas não tem nada a ver com Deus. A lista de “não faça isso e não faça aquilo” é de acordo com os mandamentos e ensinamentos de homens”. São deveres laboriosos, e não se comparam com o prazer de um relacionamento vivo com o Senhor. À luz destes fardos impostos por homens, Jesus declarou:

“Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. ​Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve.” (Mateus 11.29-30)

O “jugo” dos fariseus era insuportável, pois visava a conquista do mérito pessoal diante de Deus. O “jugo de Cristo” é leve, pois envolve a entrega total de sua vida nas mãos do Pai, o descanso e um crescimento contínuo no relacionamento com Ele. Os “preceitos e doutrinas” citados por Paulo, têm sua fundação em ensinamentos e tradições humanas. Como tal, eles não têm nenhuma autoridade sobre nossa vida espiritual. Por favor, entendam que Paulo não estava tentando incitar a anarquia com esta declaração! Em vez disso, ele estava demonstrando que os dogmas humanos não são substitutos para a obra de Cristo na cruz e, portanto, não pode ter lugar na vida do cristão.

Muitas vezes, estes mandamentos aparecem sob o disfarce de Escritura. É por isso que devemos aprender a “manejar bem a palavra da verdade” (2 Timóteo 2.15). Como dizia um pastor, velho amigo meu: “a Bíblia é a mãe das heresias”. Ele dizia isto porque a grande maioria das falsas doutrinas e ensinos que assistimos por toda a história da igreja teve origem nas Escrituras, ou melhor dizendo, na má interpretação das Escrituras. Mesmo esta passagem de Colossenses, particularmente o versículo 21 (não manuseie, não toques, não prove!) foi vítima de exegetas meia-pena. Alguns destes, incluindo Pelágio e Ambrósio, interpretaram esta passagem como se Paulo estivesse nos alertando contra a generalização! Eles disseram que havia certas coisas que você não deveria manusear, nem tocar e muito menos provar, mas aqui, Paulo estava tentando delimitar a abrangência destas coisas. No entanto, uma interpretação correta da Palavra não permite tais conclusões errôneas. 

A má interpretação da Bíblia colaborou para o surgimento de inúmeras práticas ascéticas, místicas e, principalmente, legalistas, para o aumento de monastérios e clausuras, levou a depreciação do casamento, a exaltação da virgindade (sacrificial), a deturpação e mundanização do sexo e contribuiu para a elaboração de meios infinitos de penitência e autoflagelo. Durante séculos, as pessoas comuns foram intimidadas por estas práticas, mesmo estas não tendo base bíblica para existir. Centenas de milhões de pessoas ainda estão presas a estes sistemas, que não vêm de Deus e só visam escravizar aqueles que não querem ver o que a Palavra de Deus ensina claramente. A pergunta deixada por Paulo neste trecho de sua carta é muito pertinente e leva os cristãos a se questionarem se faz sentido deixar-se levar por estes pensamentos:

Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo,                                             vos sujeitais a ordenanças: não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro,                                              segundo os preceitos e doutrinas dos homens?

  

60. O CRITÉRIO FINAL

Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: ​não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro, ​segundo os preceitos e doutrinas dos homens? Pois que todas estas coisas, com o uso, se destroem. ​Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade. (Colossenses 2.20-23)

A conclusão de Paulo sobre estas práticas acima abordadas é clara e objetiva: elas não valem nada! Não servem para elevar nossa espiritualidade, nada fazem para melhorar nossa vida, não tem poder para lidar com o nosso pecado e nem para refrear nossos impulsos e desejos naturais. Mas o apóstolo concorda que “tais coisas” parecem ser boas na cabeça de quem as pratica:

“Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade,                                      e de rigor ascético...”

Observe as áreas identificadas por Paulo que massageiam o ego dos legalistas, místicos e ascéticos.  Primeiro, ele menciona o “culto a si mesmo”. Embora uma pessoa desta se apresente com uma capa de religiosidade, o culto que ela presta não é para Deus, mas para si mesma. Ela jamais leva alguém a olhar para Deus, reconhecer Sua santidade e glorificar o Seu nome. Não! Todos os seus esforços são para apontar os holofotes para ela: que todos olhem para ela, a reconheçam como a mais espiritual, admirem a sua santidade e glorifiquem seu nome. Assim elas fazem, assim elas ensinam. Até os assuntos espirituais que elas abordam não passam de humanidade pura: “E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens”. (Marcos 7.7)

Em segundo lugar vem a “falsa humildade”. É uma dissimulação do verdadeiro orgulho, uma máscara de modéstia que visa unicamente promover a soberba do indivíduo. Isso provavelmente vem através da mentalidade de que a humilhação de se comportar de determinada maneira ou usar certo tipo de vestimenta ganha pontos com Deus. O alvo final, no entanto, é o seu EU! Note a atitude dos fariseus observada por Jesus: “alargam os seus filactérios e alongam as suas franjas”. Porém, suas intenções eram uma só: “Praticam, porém, todas as suas obras com o fim de serem vistos dos homens” (Mateus 23.5). Da mesma forma, Paulo considera isso como sem valor algum. Praticar estas coisas certamente não reflete a verdadeira humildade. Mostram sim uma máscara bem vistosa de auto humilhação que só faz chamar a atenção para si mesmo ao invés de apontar a glória ao Senhor. 

E, por último, vemos o “rigor ascético”, que pode ser entendido como um tratamento severo do corpo. Pode ser através de uma simples privação de pequenos prazeres que Deus nos deixou para nossa alegria (com ações de graça, que são fruto deste reconhecimento) até os mais esdrúxulos casos de autoflagelação com o fim de se purificar e aumentar sua espiritualidade. Em 1Timóteo 4.1-3 Paulo alerta seu amado discípulo sobre estas práticas:

“Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios, ​pela hipocrisia dos que falam mentiras e que têm cauterizada a própria consciência, que proíbem o casamento e exigem abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos, com ações de graças, pelos fiéis e por quantos conhecem plenamente a verdade”

Todas estas coisas trazem em si uma “aparência de sabedoria”. Em Mateus 23.7, Jesus descreve que uma das características dos fariseus era que eles gostavam de serem reconhecidos e chamados publicamente de mestres. Decoravam a lei, citavam longos trechos das escrituras em suas mensagens, tinham opinião formada sobre todas as questões mais polêmicas da sociedade a qual estavam inseridos e, o que mais impressionava, eram os “intérpretes de Deus”. A conduta destes era sempre exemplar e sua moral inquestionável. Porém, não passava de aparência. Aparência de sabedoria, aparência de santidade, aparência de fé, de temor a Deus, etc. Hipócritas é o termo que Jesus usa para classificá-los. Mais à frente, no verso 27 deste mesmo capítulo, Ele os compara a um sepulcro caiado: branquinho por fora, mas cheio de podridão por dentro. E completa: Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia e de iniquidade. (Mateus 23.28)

Avaliação de Paulo é que essas coisas parecem boas externamente, e muitas pessoas admiram aqueles que seguem essas receitas. Mas elas “não têm valor algum para refrear os impulsos da carne”. Você pode ter aprendido ou elaborado seu próprio método de adoração, pode empenhar-se ao máximo para alcançar uma espiritualidade invejável, ficar dias sem comer, enclausurado num quarto, orando ajoelhado no milho, dormindo no chão duro e fazendo votos contínuos a Deus, mas não pode fazer absolutamente nada sobre seu pecado. É justamente ele, o pecado, que nos separa de Deus. 

Ao longo da história do cristianismo, homens e mulheres se penitenciavam e até se castravam com o intuito de afastar seus pensamentos e refrear seus impulsos naturais. Em vão. Muitos morriam loucos tentando. Infelizmente, ainda hoje vemos que, através de práticas mais brandas, a mesma mentalidade escraviza a muitos. Por que? Isto é fruto de uma teologia equivocada, de ensinos mentirosos. Pare de tentar domesticar Deus através de esforço próprio e rituais bem elaborados. Pare de sofrer com a agonia da dúvida e do peso da culpa. Somente creia: Jesus já pagou o nosso resgate, já liquidou o escrito de dívida que pesava contra nós, já levou na cruz todos os nossos pecados. Penitenciar-se ou padecer por carregar o peso da culpa nos seus ombros é declarar que a obra de Cristo não foi suficiente e que você precisa completa-la de alguma maneira, com suas próprias forças.

A primeira declaração do versículo 20 (Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo...) dá o tom que o apóstolo quer frisar. É somente quando estamos em união com Cristo na sua morte e ressurreição que estamos bem com Deus e, consequentemente, podemos lidar corretamente com o nosso pecado. Aqui está toda a base para nossa salvação e crescimento espiritual sadio e contínuo. Podemos tentar todos os tipos de planos e esquemas. Podemos subjugar nosso corpo com intenção espiritual. Podemos negar os prazeres da vida. Mas nenhuma dessas coisas pode nos ajudar com o problema do pecado. Somente Jesus Cristo, através de sua obra na cruz, pode nos livrar da pena e do poder e da escravidão do pecado

Os cristãos de Colossos estavam sendo constrangidos a crer que eles precisavam de algo mais para acrescentar ao que Cristo tinha feito. Paulo foi enfático: NÃO! Ninguém pode adicionar nem complementar o que Jesus Cristo fez por nós.

Isto é graça!