Passei numa noite dessas em frente ao velho Barão do Rio Branco, um colégio em São Caetano do Sul. O prédio ainda está lá, perecendo a olhos vistos. Quantas lembranças daquela escola. Enquanto dirijo vou alinhavando na memória fatos, rostos e nomes.  Foi lá que iniciei o ginásio, fazendo primeiramente o cursinho de admissão com o diretor da escola, professor Alfredo, que era um dos sócios. Ainda no curso de admissão de mais ou menos dois meses, ele convidou ou intimou, não tenho certeza, os alunos para ajudarem na sua mudança de uma casa situada a uns dois quarteirões para outra em frente ao colégio. E lá fomos nós, um bando de garotos de 11 ou 12 anos circulando com uma cadeira cada um em comboio. Seria impensável, hoje, um diretor de colégio pedir tal tarefa aos alunos. Primeiramente, porque hoje qualquer diretor de colégio e ainda mais um sócio, teria condições de pagar por um caminhão de mudanças. Em segundo porque poderia ser processado pelos pais dos alunos por exploração de trabalho de crianças ou adolescentes.

Foi no Barão que tive contato com a primeira greve estudantil. Uma das professoras, Da. Josephina, de história, ficou grávida e foi sumariamente demitida pelo prof. Alfredo. Um dos seus pupilos mais velhos, um aluno do curso técnico, o Fabrício, encabeçou o movimento; não sei se foi orientado pela mestra, mas bloqueou a entrada nos orientando para uma assembleia em frente ao sobrado onde ela morava, numa rua próxima. Lá teve discursos e palavras de ordem. Ouvi os vizinhos comentarem: “Estudante é fogo. Mexeu com eles é encrenca na certa”. Fiquei todo orgulhoso por pertencer a uma nova “classe” que fazia tremer as bases da sociedade. Naquela época o país estava em turbulência política com o Jango sendo apoiado pelos estudantes e sindicatos, mas nada simpático aos setores mais conservadores.

Terminados os discursos da professora e do líder estudantil, voltamos para o colégio para exigir a readmissão da mestra.  Chegando lá, o prof. Alfredo nos recebeu na porta de entrada com cara de poucos amigos. Depois de ouvir a “pauta dos grevistas” ele disse em alto e bom som: “Eu sou o dono da pocilga e também dos porcos e faço o eu bem entender. E todo mundo já para as salas de aula”. Os alunos entraram ordeiramente, encerrando a fracassada greve.

A Da. Josephina perdeu mesmo o emprego e não sei se foram respeitados os seus direitos trabalhistas, mas confesso que ela não era uma boa professora de História. Iniciava a aula mandando os alunos abrirem o livro e escalando alguém para fazer a leitura. E para castigar alunos que conversavam em sala de aula, ordenava que copiassem dez vezes um capítulo do livro. Eu mesmo passei um fim de semana copiando um capítulo sobre Assurbanípal, um rei Assírio. Realmente era muito didático. Infelizmente a sua substituta, uma senhora de mais de 60 anos, fazia quase a mesma coisa, mas nos poupava dos castigos. Mas tinha, também, a Yuri, professora de ciências, jovem, bonita e boazuda, que despertava os hormônios da garotada com suas saias bem justas.

Tínhamos uma professora de desenho, a Dona Santinha, que entrava na sala de aula e em pé, rezavamos o Pai Nosso.  E ela orientava os alunos que não eram católicos que rezassem em silêncio, dispensando-os do sinal da Cruz. Com ela aprendi a fazer a caligrafia gótica alemã e anos depois cheguei a ganhar alguns trocados escrevendo diplomas para uma escola de corte e costura. O professor de Português era de Pinhal e falava com um sotaque bem caipira. Dizia, também, muita bobagem em sala de aula. Um dia ele leu num texto uma menção aos Czares e comentou que havia muita gente querendo que os Czares mandassem no Brasil. Ri, porque já sabia que o Czar havia sido assassinado em 1917 e quem mandava por lá era o Secretário Geral do Partido Comunista, o Krushev. Percebi que meu pai estava melhor informado do que meu professor.  Levei uma bronca e fui posto fora da sala. O Barão era mesmo um colégio bem tradicional e seus professores eram quase todos medíocres.

Por fim, quando abriu um colégio estadual no bairro, consegui uma transferência, pois além de ser gratuito, tinha ainda a vantagem de ter professores de melhor nível, normalmente concursados. Naquele tempo havia apenas dois colégios estaduais em São Caetano e a concorrência era muito grande, além de precisar de um alto QI n(quem indicou) para conseguir uma vaga. Coisas daqueles tempos ou estou enganado?