CABRALZINHO: como um baixinho foragido e astuto virou herói.

 

 

 

Diovani Furtado da Silva[1]

INTRODUÇÃO

 

O final do século XIX foi marcado pelas construções de símbolos de manipulação, como o herói, pois a república precisava se consolidar, principalmente no Norte do Brasil e eram necessários símbolos para ajudar a criar o imaginário republicano no norte do país, pois assim se criou um processo heroico em torno de várias figuras dentre elas Cabralzinho, pela sua resistência contra os franceses no dia 15 de maio de 1895, Cabralzinho foi um político que sempre foi alvo de duras críticas, principalmente pelo seu feito “heróico” ao mesmo tempo de elogios por alguns estudiosos e historiadores.

Diante desses elogios e severas críticas, sobre o heroísmo e a pessoa de Cabralzinho, cresce cada vez mais a importância de estudar e investigar sobre o mesmo, além de aprofundar as pesquisas sobre o ocorrido no dia 15 de maio de 1895, de forma a encontrar instrumentos que permitam maior reflexão e compreensão dos conceitos, idéias e as diversas explicações elaboradas sobre a historiografia de Francisco Xavier da Veiga Cabral, o “Cabralzinho”, bem como uma análise da construção da figura de Cabralzinho como herói na sociedade amapaense.

Com isso, tive como objetivo analisar o processo de condecoração de Cabralzinho como herói, bem como a sua trajetória política no Pará até sua luta contra os franceses que ocorreu durante o processo histórico do Amapá, e contribuir para um pensamento mais crítico sobre a figura heróica de Cabralzinho. Para a construção do estudo foi utilizado pesquisa bibliográfica, seguindo os seguintes passos: Análise e discussão de referências sobre o conceito de herói na história e principalmente a investigação e estudo de documentos e obras historiográficas sobre Cabralzinho.

No primeiro momento, foi feito uma análise da trajetória de Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho, de sua tentativa de golpe em Belém até sua luta contra os franceses no dia 15 de maio de 1895 e no segundo momento uma discussão e análise sobre sua astúcia e o jogo de manipulação em torno de sua figura heróica, bem como sua inteligência em divulgar para todo Brasil o ocorrido na Vila do Espírito Santo do Amapá, gerando sua condecoração a General Honorário do Exército Nacional e Herói do Amapá.

A JORNADA DE CABRALZINHO

Francisco Xavier da Veiga Cabral nasceu em 05 de maio de 1861 e faleceu dia 18 de maio de 1905 em Belém aos 44 anos de idade, era paraense, natural da cidade de Cametá foi comerciante por muito tempo, exerceu vários cargos públicos, assim como escrivão e despachante da Alfândega Paraense, chegou ao Amapá, depois de se envolver em uma revolta armada, para restaurar a monarquia, depor o governador na época Duarte Huet Bacellar e impedir a posse do novo Governador da Província do Grão-Pará Lauro Sodré, segundo Queiroz,

[...] Francisco Xavier da Veiga Cabral manifestou-se favorável ao emprego da força para impedir a reunião da Assembléia e, conseqüentemente, a posse de Lauro Sodré no cargo de governador. Ele alegou contar com o apoio do 15º Batalhão de Infantaria e praças do Corpo Policial, que com sua gente formariam um contingente de mil pessoas (QUEIROZ, 1999, p. 335).

Francisco Xavier da Veiga Cabral, mais conhecido como Cabralzinho, tinha esse apelido por causa de sua baixa estatura, ele se envolveu nessa revolta que mais tarde foi denominada de Batalha de Cacaualinho, mas após denúncias foram reprimidos pelo Governo que abriu inquérito para apurar as supostas denúncias sobre as pessoas que estiveram envolvidas na tentativa do golpe, os responsáveis da revolta foram identificados e deportados para fora do Estado, exceto Cabralzinho, que fugiu antes de ser preso e exilado.

Cabralzinho foi para os Estados Unidos da América, retornado apenas após a declaração de anistia[2] aos envolvidos na revolta, mesmo assim Cabralzinho preferiu se instalar na Vila do Espírito Santo do Amapá[3], pois tinha receio de represália política e também porque soube da descoberta de campos auríferos em Calçoene na área contestada por França e Brasil, que reafirmava a idéia que o el dourado se localizava na Amazônia.

Cabralzinho chegando à vila continuou no ramo do comércio, ganhou muito prestigio (além de dinheiro e terras é claro) no Amapá, fez parte do Triunvirato[4] e foi, a partir da composição deste governo local, que passou a ser conhecido, pois seus feitos como Presidente do Triunvirato começaram a incomodar principalmente os franceses, como afirma Cardoso, ao ressaltar que,

nos primeiros anos em que Cabral permaneceu na vila do Amapá não há maiores referências ao seu nome ou qualquer grupo organizado de brasileiros. Foi apenas a partir de 1895 que o governador da Guiana Francesa passou a pedir autorização de interferências no Contestado para o Ministro das Colônias em Paris, em virtude de Cabral ter se tornado governador da vila Amapá, em dezembro de 1894, e instituído uma legislação que permitia a exploração aurífera no leito do rio Calçoene [...] (CARDOSO, 2008, p. 72).

Cabralzinho se tornou um líder dentro da Vila do Espírito Santo do Amapá, pois tinha a malícia que todo e bom político têm e começou juntamente com o Triunvirato organizar politicamente e socialmente com legislações aquela região esquecida pelo Governo Brasileiro.

Segundo Meira (1975, p.52), “entre as primeiras medidas surgiram à proteção ao comércio dos brasileiros, a exploração das minas auríferas, a instituição de tributos [...]. Sobre as mercadorias provindas de Caiena criou-se o imposto de 10%. Os gêneros brasileiros eram isentos”, sem dúvidas essas leis foram criadas para se ter um maior controle sobre o contestado franco-brasileiro e o mesmo tempo favorecer a elite empresarial da vila do Amapá e do Pará ao modo de garantir seu controle econômico, já que Cabralzinho líder máximo do Triunvirato era um comerciante.

Pois, conforme Raiol (1992, p.196), “o Triunvirato passou a ser a lei que determinava o direito de vida e de morte de toda aquela gente”; Logo, com isso aumentaram os conflitos entre brasileiros e franceses por causa das leis que foram criadas e impostas na região aurífera, primeiramente pelos franceses e depois pelos brasileiros.

A Vila do Espírito Santo do Amapá pertencia à área contestada desde o século XVII pela França, a qual nunca teve direitos sobre a mesma, conforme tratados que foram assinados, primeiramente o Tratado Provisional de 1700[5], onde essa área ficou conhecida por algum tempo como Contestado franco-luso, criando o primeiro contestado na área e se tornou, em uma terra de sonhos no imaginário de muita gente, como escravos fugitivos tanto da Guiana Francesa como do Brasil, soldados desertores e criminosos, assim, essa área se tornou um ótimo lugar de refúgio para essas pessoas, mais tarde no decorrer dos séculos XVIII e XIX, essa área foi contestada por França e Brasil, sobre isso, Cardoso diz que,

durante o decorrer dos séculos XVIII e XIX, o contestado Franco-Brasileiro representou, no imaginário de escravos e soldados desertores, bem como no de prisioneiros fugitivos, um território de liberdade. Chegar às terras situadas entre o Araguari e o Oiapoque significava a possibilidade de uma nova vida, fora do controle, tanto do estado português (e depois brasileiro) quanto do estado francês [...] (CARDOSO, 2008, p. 19).

O fluxo de aventureiros em busca de riqueza fácil e as disputas entre brasileiros e estrangeiros que vieram de diversos países para a localidade aurífera aumentaram bastante. A cobiça pelo ouro foi despertada em ingleses, holandeses e norte-americanos, mas a disputa maior pelos campos auríferos ficou mesmo entre franceses que vinham por muito tempo, tentando ocupar a área e por brasileiros, sendo que os brasileiros começaram a ser perseguidos pelos estrangeiros que aqui aportaram em especial pelos franceses, que praticamente já tinha tentado de tudo para obter o domínio das terras em litígio com Portugal e mais tarde com o Brasil, conforme Meira,

[...] os mineiros brasileiros passaram a ser perseguidos e humilhados pelos estrangeiros. Reações surgiram isoladas. Depois foram tomando corpo. Era representante do governo francês no contestado Eugenio Voissen, que arbitrariamente proibiu aos brasileiros o acesso à região das minas [...] (MEIRA, 1975, p.52).

Com a proibição dos brasileiros de entrarem nos garimpos, a maior parte ouro do contestado foi para Caiena (capital da Guiana Francesa), sem falar que os franceses tinham experiência e boas ferramentas para a extração do ouro, os brasileiros liderados por Cabralzinho, agora Presidente do Triunvirato, mas tarde reagiram contra essa proibição, tomando a mesma medida que os franceses tiveram, ou seja, os brasileiros impediram o acesso dos franceses aos campos auríferos na área contestada, que segundo Cabralzinho,

o povo exigiu de nós a prohibição da entrada de creoulos francezes e negros nos bosques para a exploração de mineraes no Amapá, pois que os precedentes, d’elles no Calsuene eram negros pavorosos: elles matavam, roubavam e praticavam toda sorte de perversidades; por isso decretamos essa prohibição [...] grande foi o ódio, que contra nós despertou essa resolução, necessária para o socego e tranqüilidade dos amapaenses (VEIGA CABRAL, 05 de setembro de 1895).

Devido a essa proibição, o Governador da Guiana Francesa, M. Charvein que segundo Raiol (1992), tinha uma rivalidade com Cabralzinho, pois os dois tinham apreço amoroso por uma índia de nome Helena, começou a tomar algumas providências contra as políticas dos brasileiros, a primeira foi nomear um brasileiro, ex-escravo fugitivo do Pará, para representar o governo francês no contestado franco-brasileiro e lhe dando o posto de capitão, chamado de Trajano, que segundo Queiroz (1999, p.330), “de acordo com os informantes do jornal Diário de Noticia [...] pessoas ligadas ao governo de Caiena teriam oferecido a Trajano o governo do Amapá, colocando a sua disposição todo auxílio necessário, desde que fizesse ‘causa comum’ com eles”.

Conforme Meira (1975), a nomeação de Trajano por M. Charvein tinha objetivos bem claros: era neutralizar as atitudes dos brasileiros com relação aos franceses, já que Trajano não era francês. Assim, depois de algum tempo, Trajano foi acusado de está maltratando brasileiros que queriam explorar as minas na região de Cunani, como mostra uma carta enviada aos membros do Triunvirato que dizia,

Senhores Presidente e Membros do Triunvirato do Amapá, o povo residente em Cunani leva ao conhecimento de vossas excellencias que o ex-capitão Trajano tem continuado a içar aqui a bandeira francesa depois de ter por vezes rasgado e pisado o nosso pavilhão nacional; e com prospérios, tem insultado a nossa cara pátria brasileira. Trajano, excelentíssimos senhores, é brasileiro e por está razão que mais flui o seu grande crime [...] pedimos a Vossas excellencias que deportem estes indivíduos de nossa terra, pois que aqui só servem de sorvos ao progresso brasileiro (A PROVÍNCIA DO PARÁ no dia 30 de abril de 1895).

A reação do Triunvirato foi de imediata, foi enviada ao Cunani uma tropa do Exército defensor do Amapá, por ordem de Francisco Xavier da Veiga Cabral para prender Trajano e levá-lo a Vila do Espírito Santo do Amapá.

Mas Cabralzinho em sua carta[6] ao Sr Ministro do Exterior na época do episódio disse que, “convidou (Trajano) para residir no Amapá em companhia do mesmo e não tinha o porque de está prestando serviços ao creoulos de Cayenna, sendo que Trajano aceitou seu convite e foi ao Amapá junto de sua mulher e de um companheiro chamado de Christiano e passaram a viver na vila de Amapá”. Fato esse que o jornal A Província do Pará confirma em uns de seus artigos[7] “podemos afirmar que Trajano vivia nas melhores relações com Cabral e que nenhum prisioneiro havia no Amapá”. Alguns autores como Reis (1949) e Meira (1975), também fazem essa confirmação. Mas o curioso é que no dia 02 de maio de 1895 foi expedido pelo Triunvirato um documento assinado pelos seus membros e Cabralzinho que dizia o seguinte,

Ilustríssimos Senhores Presidente e Membros do Conselho Municipal de Cunani. Este Governo attendendo às constantes queixas que tem recebido contra o infame procedimento que ahi tem tido o degenerado brasileiro Trajano e seus comparsas [...]. Resolve este Governo expulsar deste Território o infame e mísero Trajano (espaço em branco) e seus compatriotas de igual procedimento. Vão aqui encarregados deste Governo a capitular o indivíduo Trajano e demais culpados o senhor Major Felix Antonio de Souza que tem como auxiliares o capitão Luís Borralho Alves Bentes, o tenente Sabino leite e outros patriotas que cumprirão as ordens dos encarregados desta delligência [...]. Cumpra-se e faça cumprir sob pena de desobediência a esse Governo. Cidade de Amapá, 2 de maio de 1895. Francisco Xavier da Veiga Cabral, Presidente. Antonio Gomes, 1º Vice-Presidente. Lopes Pereira, 2º Vice-Presidente (MEIRA, 1975, p.60).

Começa a ficar claro o desenvolvimento de um projeto de manipulação do povo por parte de Cabralzinho e os seus aliados, os jornais da época, que representava uma parte da elite paraense e que autores como Reis (1968), Meira (1975), Sarney e Costa (1999), estavam apenas relatando (algumas coisas) uma história oficial e não analisando a configuração política e econômica da época no contestado; Pois, a questão maior não era o fato de que Trajano estava maltratando os brasileiros em Cunani, e sim, mascarar o seu real objetivo, que eram de controlar as áreas auríferas, bem como o comércio e toda a região contestada, que em seu próprio depoimento sobre o ocorrido do dia 15 de maio de 1895, Cabralzinho sempre se põe como governador do Amapá e Trajano por ser um representante francês atrapalhava de certa forma seus planos na região aurífera, que segundo Cardoso,

ele, antes de estar relacionado com a representação do herói nacional, tinha interesses reais em torno das expectativas mais proeminentes de quase todos que buscaram o território em litígio a partir de 1893, que era a busca de jazidas auríferas [...] ele fazia parte de todo um contexto histórico, no contestado, marcado pela corrida em busca de jazidas auríferas [...] (CARDOSO, 2008, p. 24).

A prisão de Trajano provocou uma reação imediata por parte do governo da Guiana Francesa, conforme Reis (1968, p.111), “governava a Guiana Mr. Charvein que não demorou em expedir contra o Amapá uma expedição militar, que se transportou no navio de guerra Bengali, sob o comando do capitão-tenente Lunier”. É a disputa pelas jazidas auríferas e pelo território contestado ganhando mais evidência e força. Assim no dia 15 de Maio de 1895 expede-se, a Canhoneira de Guerra Bengali, chegando ao território contestado no intuito de fazer cumprir as determinações dadas pelo governador de Caiena, que era libertar Trajano e prender Cabralzinho.

A expedição francesa do dia 15 de maio de 1895 à Vila do Espírito Santo do Amapá se tornou numa verdadeira carnificina, a mesma foi relatada[8] por Carlos Augusto de Carvalho ministro das relações exteriores da época, segundo o ministro na época,

no dia 15 desse mez ocorreão no território do Amapá gravíssimos acontecimentos, scenas de sangue, de incêndio e de destruição, em que figuravão de um lado os habitantes da povoação e de outro officiaes e marinheiros da República Franceza, toda uma tragédia a depor contra os sentimentos de piedade da civilisação actual.

O confronto entre forças armadas da Guiana e a população da Vila do Amapá, deixou um saldo negativo dos dois lados, do lado francês o capitão e mais cincos oficiais foram mortos e do lado brasileiro um rastro de destruição na vila e 39 mortos e dezenas de pessoas feridas, sobre o conflito Rayol diz que é,

Uma história de uma gente esquecida na fronteira que, se não fosse a desenvoltura, a esperteza política de Francisco Xavier da Veiga Cabral, torna-se-ia, possivelmente, em apenas mais um episódio, como tantos outros que ocorreram, entre franceses e luso-brasileiros, pela posse de uma área de fronteira [...] (RAIOL, 1992, p.197).

Alguns dias após o conflito, Cabralzinho envia (por emissários) ao Governador do Pará em Belém, um primeiro relato geral sobre a expedição dos franceses de Caiena, a partir da divulgação dos fatos, estes passaram a serem narrados por muitos jornais no Brasil, repercutido pelas publicações de “O Paiz”, “Os Democratas”, “A Província do Pará”, “O Diário do Estado do Pará”, “O Jornal do Comércio” e “O Diário de Notícias” que atribuiu à Cabralzinho os atos heróicos de liderança e patriotismo em defender um povo brasileiro esquecido e marginalizado neste imenso país, segundo Queiroz,

[...] os jornais paraenses e do Distrito Federal publicaram uma série de artigos exaltando a participação de Francisco Xavier da Veiga Cabral na resistência à tentativa de invasão francesa [...] as agitações jacobinas das ruas da Capital Federal, a Revolta da Armada, Canudos e, sobre tudo, a Revolução Federalista, com seu caráter separatista, pareciam representar não apenas uma séria ameaça à consolidação do novo regime como à própria integridade nacional. Num contexto assim, não é difícil de se entender o esforço da imprensa e do governo para transformar Francisco Xavier da Veiga Cabral num grande herói (QUEIROZ, 1999, p. 337 – 338).

Após o conflito (ainda em 1895), Cabralzinho recebe inúmeras homenagens locais e nacionais, segundo Meira (1975, p. 82), “Veiga Cabral é reconhecido pelo governo brasileiro como herói nacional, concedendo-lhe o Presidente da República o título de ‘General honorário’ do Exército Brasileiro”. Assim Francisco Xavier da Veiga Cabral conseguira conquistar a admiração de muitos homens e mulheres e principalmente políticos em grande parte do Brasil com ajuda de uma parte da imprensa brasileira aliada à astúcia e esperteza política do mesmo. Segundo Reis,

o choque entre brasileiros e franceses, como era de esperar, provocou um verdadeiro estado de alarma [...] Veiga Cabral conquistara a admiração do país. Sagrara-se herói nacional. Era o defensor da integridade territorial da pátria. A reação brasileira às pretensões francesas culminara no episódio de que fôra figura central (REIS, 1949, p. 102).

Estava definido que Cabralzinho foi o homem responsável em defender o povo brasileiro das pretensões francesas do dia 15 de Maio de 1895 na Vila do Espírito Santo do Amapá, que devido aos seus atos de coragem e bravura, acabou sendo reconhecido pelo governo brasileiro como herói nacional e general honorário do exército brasileiro, agora ele era um defensor da pátria. O jornal A Província do Pará, em um de seus artigos sobre Cabralzinho relata a grande recepção que o mesmo teve em sua viagem ao Rio de Janeiro, que segundo o jornal foi,

verdadeiramente entusiástica a recepção que teve o bravo paraense Francisco Xavier da Veiga Cabral. Uma comissão de alunos da Escola Militar foi recebe-lo. Associou-se à Comissão grande massa popular que vitoriou-o estrondosamente. Cabralzinho foi visitar o presidente do Estado, sendo recebido com particular afecto e vivos transportes de alegria. Populares aguardavam-no à saída do Palácio e acompanhavam-no em ininterruptas acclamações, como Vingador da Honra da Pátria (A PROVÍNCIA DO PARÁ, Belém, 7 de fevereiro de 1896).

O mesmo jornal, seis dias depois volta a relatar uma recepção de Cabralzinho agora na cidade de São Paulo, Cabralzinho agora tinha passado de um simples comerciante e político monarquista para um herói nacional nas páginas dos jornais e a ele se deveria toda honra, segundo o artigo,

foram imponentes a recepção e o desembarque hontem do cidadão Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Vingador da Honra Nacional no território contestado do Amapá [...] Organizou-se então luzidio e majestoso préstito à frente do qual era hasteado um estandarte simbolizando o Amapá [...] Calculamos em mais de três mil o número de pessoas que compunham o préstito popular [...] O sr. Agostinho dos Reis, por parte da Comissão de Recepção, e Almeida Brito, por parte dos alunos da Politécnica; o Paiz, Jornal do Brasil e A Gazeta de Notícias deram hontem artigos elogiando o bravo paraense. Hoje toda a imprensa nacional faz honrosas referências a Cabralzinho (A PROVÍNCIA DO PARÁ, Belém, 15 de fevereiro de 1896).

O heroísmo de Cabralzinho nas terras contestadas chegou à maioria dos jornais e por meio destes à população, que o abraçava e o aplaudia agora Francisco Xavier da Veiga Cabral, que sempre foi conhecido pelos seus arroubos patrióticos, não era mais inimigo da República e sim um grande aliado, pois sua imagem de herói foi vinculada aos grandes vencedores já que o novo regime precisava se consolidar pelo país todo e principalmente no norte, e Cabralzinho se enquadrou na política de criação de símbolos, já que o mesmo tinha lutado conta os franceses por uma área que sempre pertenceu ao Brasil e que era pretendida pelos mesmos.

 

 

 

 

 

CABRALZINHO, HERÓI?

 Cabralzinho foi consagrado herói nacional, mas será que todas essas honrarias a ele foi de merecimento ou existiu algo por trás disso tudo? Será que Cabralzinho, algum dia foi realmente herói? Bom, o mito do herói é o mais conhecido no mundo, desde os tempos mitológicos, ele aparece em meio à sociedade com algum significado. O mito em si, segundo Borges (2007, p. 12), “fornece uma explicação que, para os povos que a aceitam, é uma verdade”, ou seja, é uma forma de pensar e ver o mundo ao seu modo, pois por muito tempo tivemos a influência do positivismo e com ele o regime republicano construiu símbolos para se consolidar.

 Hobsbawm e Ranger (1997) analisam que em uma sociedade em busca de tradições, se cria uma carga simbólica e emocional em vez de estatutos. Muitas vezes é nessa carga simbólica que o herói se enquadra dentro de uma sociedade, pois se usa ele até que tome forma e força para se legitimar o poder, assim dentro desse contexto histórico do herói e símbolo, Carvalho diz que os,

 [...] heróis são símbolos poderosos, encarnações de idéias e aspirações, pontos de referência, fulcros de identificação coletiva. São por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o coração dos cidadões a serviço da legitimação de regimes políticos. Não há regime que não promova o culto de seus heróis e não possua seu panteão cívico [...] (CARVALHO, 2009, p. 55).

 Portanto, o herói sempre está relacionado com o poder político, principalmente, quando se busca a manipulação ou o apoio da população, pois os símbolos começaram a ser inseridos na nova sociedade amapaense, com o intuito de consolidar o regime republicano e a identidade territorial.

 O herói é um instrumento eficaz no controle ideológico de uma sociedade, assim essa terá suas atitudes e comportamentos influenciados pelo herói, na concepção de Hook (1962, p.18), “nas conjunturas da ação política os homens estão sempre procurando alguém que os salve. Uma crise aguda de negócios sociais e políticos – quando alguma coisa deve ser feita e feita ràpidamente – naturalmente intensifica o interesse pelo herói”.

 Por mais que o mito do herói seja algo fascinante, deve-se analisar bem antes de considerar se o candidato a herói tem características de tal, pois muitos dos heróis nascem para a satisfação de pequenos grupos políticos, sem a participação efetiva do povo e passa a fazer parte do imaginário popular dessa determinada sociedade. Segundo Miceli (1988, p.12), “é fundamental que se procure saber sempre por quem determinado personagem histórico é considerado herói; por que ele merece essa classificação; quais as variações de significado e importância que o herói assume em situações históricas determinadas”.

 A utilização do herói como instrumento de manipulação no Brasil começou com a independência, mas ganhou força com a Proclamação da República, pois os republicanos utilizaram os símbolos para legitimação do novo regime. Assim os heróis foram sendo criado pela República, e numa ânsia de consolidar o regime por todo o Brasil, o Amapá não poderia ficar de fora nesse processo de mitificação de heróis, pois no extremo norte a soberania nacional estava ameaçada, já que os franceses queriam anexar o Amapá a Guiana Francesa.

 Portanto, começou-se a criar a identidade entre os habitantes no Amapá, utilizando-se da questão da invasão francesa à Vila do Espírito Santo do Amapá, na qual os brasileiros reagiram contra os franceses abatendo os principais comandantes do conflito no território litigioso, pois agora segundo o sistema político esses habitantes que reagiram à invasão, o fizera pela vontade de pertencer à nação brasileira, numa tentativa de manipulação coletiva e preservação da memória histórica da Vila do Espírito Santo do Amapá e de seus “heróis”, havendo também a necessidade de definição de identidade no Amapá.

 A implantação desses valores nacionalistas em meio à sociedade amapaense foi constituída por idéias de amor a pátria mãe brasileira, transformando o imaginário popular amapaense em orgulho nacional, pela vitória e resistência dos moradores da Vila do Espírito Santo do Amapá, contra a invasão francesa, no dia 15 de maio de 1895.

 A imprensa e os órgãos públicos deram uma dimensão muito grande, pois serviram de cenário para apresentação dos eventos na Vila do Amapá, colocando suas ideologias a serviço de uma dominação coletiva, num processo onde as ideias serviram para ocupar os espaços dos sujeitos históricos que viveram e participaram da resistência brasileira nesse processo da história amapaense. Segundo Hobsbawm e Ranger,

                                               

naturalmente, muitas instituições políticas, movimentos ideológicos e grupos – inclusive o nacionalismo – sem antecessores tornaram necessária a invenção de uma continuidade histórica, Por exemplo, através da criação de um passado antigo que extrapole a continuidade histórica real seja pela lenda [...] ou pela invenção [...]. Também é obvio que símbolos e acessórios inteiramente novos foram criados como parte de movimentos e Estados nacionais, tais como o hino nacional [...] ou a personificação da “Nação” por meios de símbolos e imagens oficiais [...] (HOBSBAWM; RANGER, 1997, p. 15).

 Os símbolos são elementos muitos poderosos na manipulação e na criação de identidade nacional, e o uso de um símbolo de dentro da comunidade que se estava fixando socialmente e politicamente ao Brasil, eram de suma importância na construção de novos valores sociais e políticos. Carvalho diz que os objetivos de símbolos,

 não era apenas de encantar os olhos, mas, sobretudo, contribuir poderosamente para a educação pública penetrando nas almas. Isso porque “os traços de heroísmo, de virtudes cívicas, oferecidos aos olhos do povo, eletrificam suas almas e fazem surgir as paixões de glória, da devoção à felicidade de seu país” (CARVALHO, 2009, p. 11).

 O herói no Amapá foi personificado na figura de Cabralzinho, que segundo Raiol (1992), isso aconteceu por Cabralzinho ser o líder na época da Vila do Espírito Santo do Amapá e ao líder tem que se da todas as honras e glórias, nas páginas dos jornais da época aparecem depoimentos incríveis, de que como Cabralzinho lutou e matou o Cap. Lunier o chefe da expedição francesa no Amapá do dia 15 de maio de 1895, onde o conflito acabou virando uma verdadeira epopeia de um político que sempre se meteu em confusões e armações para obter cargos políticos e que exercia no Amapá um governo pessoal, pois as suas ações foram em benefício da elite brasileira que habitavam a área contestada.

Não só em jornais, mas em várias obras historiográficas a morte do Cap. Lunier e atribuída a Cabralzinho, num grande processo de manipulação da elite paraense e brasileira numa ânsia de se consolidar o poder e fechar os olhos para os problemas sociais de uma população marginalizada tanto por franceses e brasileiros, Cardoso (2008, p. 23-24), diz que “passando de feitos do herói do Amapá à farsa mal montada por um grupo de políticos paraenses, a história de Cabralzinho é atualmente, motivo de riso para a população da Vila do Amapá”, com isso a autora confirma a utilização de piadas sobre o “feito heróico” de Cabralzinho e ainda a mesma reforça que a história de Cabralzinho ficou resumida em uma estátua abandonada no atual Município de Amapá e principalmente a criação de ideologias políticas em cima da figura do herói.

Ainda, segundo Cardoso (2008), o governo de Cabralzinho era um governo pessoal e que ele era um ditador, as suas ações foram em benefício da elite brasileira, não só aquela que habitavam na área contestada, mas também a que morava em Belém. Essas afirmações são confirmadas quando analisamos o relatório feito pelo cientista alemão Emílio Goeldi, chefe de uma expedição do Museu Paraense de História Natural e Etnografia, conforme o mesmo em seu relato diz que,

[...] apresentei-me em casa do Senhor F. da Veiga Cabral, Governador do Amapá [...] Instalamos o nosso laboratório na Escola Pública; o nosso quartel-general era na casa e no quarto particular de Cabral. Cabral seguio na mesma noite, a bordo do “Ajudante”, ficando o governo entregue a gente da nossa roda – que pouca ou nenhuma confiança me inspira. É uma oligarchia de capangas [...] A população vive debaixo de uma tyrania nojenta e percebi desde as primeiras horas symptomas sérios do descontantamento, de opposição [...] Não quero e não posso accusar directamente o Senhor Cabral da culpabilidade destes abusos sem conta, praticados tanto nos deportados como nas pessoas livres do lugar [...] Mas que a roda d’elle é ruim, péssima, abjecta – não há dúvida alguma e julgo ser o meo dever esclarecer o Governo Brazileiro acerca d’isto, enquanto que é tempo [...] (GOELDI, 1895 apud ANDRADE, 2000, p. 55).

O relatório produzido por Emílio Goeldi, que foi enviado ao Ministro das Relações Exteriores, foi divulgado nacionalmente, e possibilitou uma nova interpretação de como era o Território Contestado, quem eram as pessoas que lá residiram e possibilitando questionar as ideias e ações de Cabralzinho.

Apesar de Goeldi, tentar livrar Cabralzinho de qualquer culpa pela situação que a população da Vila do Espírito Santo do Amapá se encontrava e vivia, mas o certo é que se o mesmo era o Governador do Amapá, logo a população da localidade seguia suas diretrizes e ordens, mostrando o quanto o mesmo tinha ideias e ações bastante rígidas, bem parecidas como a de um ditador, tanto que depois do relatório chegar às mãos das autoridades, o exército de Cabralzinho foi dissolvido.

Atribuição à Cabralzinho dos atos heróicos, de liderança e patriotismo em defesa um povo brasileiro esquecido neste imenso país, ficou bem claro a construção de um jogo político. Esse jogo político que se formou em torno da figura heroica de Cabralzinho, associou sua imagem a uma história de vencedores, criando um discurso patriótico que acabou integrando o imaginário amapaense,

Amapá é o único Estado do Brasil que se tornou brasileiro pela vontade de ser brasileiro. Aqui a história se contorceu, houve enfrentamentos e sangue. Surgiram heróis e mártires. Foi a luta e a determinação dos homens e mulheres do Amapá que todos os dias, em incursões de idealismo e patriotismo, baixavam a bandeira da França e faziam subir a bandeira do Brasil. O coração de se brasileiro estava no peito dos amapaenses (SARNEY; COSTA, 1999, p. 13-14).

Em meio a essas ideologias políticas que foram sendo produzidas e implantadas ao longo do tempo em torno de Cabralzinho, encontramos discursos e contra-discursos que se chocam e acabam entrando em controvérsias, que alguns autores acabam fechando os olhos, ou não conseguem enxergar a implantação de um esquema político na época, pois o compromisso maior desses estudiosos é o reforço de uma história local que favoreça ao processo de identidade local.

Não se deve discordar da importância que possui estes historiadores para a produção do conhecimento histórico, pois é dessa forma que os trabalhos historiográficos produzidos sobre Cabralzinho e o conflito franco-brasileiro passaram a serem melhores discutidos, possibilitando então, a necessidade de novas interpretações, pois não existe verdade absoluta na história. Pinsky e Pinsky retratam bem essa afirmação, visto que para os mesmos,

outra tendência é a supervalorização do desconstrutivismo. Não que a desconstrução não tenha sido um avanço importante. O entendimento das motivações dos discursos e de seu papel instaurador, a compreensão dos jogos de poder envolvidos na elaboração das versões em torno dos fatos históricos, a análise dos discursos, o desmonte dos argumentos podem ser perfeitamente utilizados como instrumento de análise histórica e ocupam hoje boa parte das pesquisas acadêmicas (PINSKY; PINSKY, 2007, p. 25).

Desmontando as informações e confrontando as idéias, é possível dar um melhor entendimento aos períodos históricos e a seus sujeitos, pois a muitas lacunas e controvérsias sobre o feito “heróico” de Cabralzinho em 1895.

As controvérsias começam pelo próprio Cabralzinho que, em sua carta ele deixa dúvidas se foi ele mesmo que matou Lunier, pois conforme seu relato[9]ao Ministro das Relações Exteriores, uma carta de cunho oficial o mesmo disse, “dei-lhe três tiros com seu próprio rewolver que o protrei, levando elle mais duas balas de rifles”, segundo seu relato Cabralzinho não deixa claro que matou o capitão francês, mas o mesmo começa a tropeça em suas próprias palavras, em uma entrevista ao Jornal Folha do Norte[10], o mesmo em sua entrevista falou, “matei o capitão Lunier com seu próprio revólver”, as controvérsias ficam ainda maiores quando Raiol (1992) coloca em dúvida essa veracidade de Cabralzinho.

O referido autor reforça a especulação que Cabralzinho não matou Lunier ao apresentar o relato do filho de uma sobrevivente do ocorrido no dia 15 de maio de 1895, o senhor Paulo de Souza Magave[11] que em seu depoimento disse:

[...] tinha um prisioneiro, não sei se ela ainda sabe o nome desse prisioneiro, gritou que queria soltasse ele, pra que ele queria morrer, mas não preso [...] ele era baixinho e agüentou no peito do corneteiro [...] e o corneteiro caiu, ai fizeram fogo [...] e o Cabralzinho nessas alturas foi se esconder, né. Quem tava de testa para resolver a parada era um senhor por nome Félix [...] (RAIOL, 1992, p. 200).

Mais tarde esse fato foi confirmado pela própria Dona Ianez Valeriana de Souza Magave, que segundo Raiol (1992, p. 201), já não tinha muitas forças e lucidez pra falar, mas em relação à Cabralzinho a Dona Ianez Falou “falsidade, foi falsidade porque a cabeça era o velho Félix. Aquele homem era guerreiro mesmo. Cabralzinho, Cabralzinho ele foi se esconder [...]”. Essas contradições só alimentam a desconfiança sobre o heroísmo de Cabralzinho e aquela velha brincadeira do “mato ou morro”, como não tinha morro ele correu pro mato, deixando a população a mercê dos franceses, mas o certo é de que Cabralzinho não lutou sozinho contra os franceses, mas levou toda a glória por ele ter feito uma campanha patriótica e heróica em torno dele mesmo, e a população que lutou e morreu foram deixados de lado pelos jornais da época, pela república e principalmente por Cabralzinho.

De fato por todos os víeis que aqui foram analisados, os heróis são símbolos de manipulação e ideologias políticas, e com certeza Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho se enquadra nesses conceitos citados, não se deve esquecer a importância que Veiga Cabral possui para a história da sociedade amapaense, pois ele fez o governo brasileiro voltar os olhos para essa região pobre e esquecida pelas autoridades públicas brasileiras na época.

Agora dizer que Cabralzinho é herói e esquecer a população que lutou ao lado dele contra a invasão francesa é muita prepotência, pois ninguém ganha uma batalha sozinho, as pessoas que morreram e as que sobreviveram também foram heróis, eram poucas e conseguiram expulsar os franceses, lutaram pelo pequeno pedaço de chão que eles tinham, eram pessoas humildes e conseguiram vencer. Eles foram verdadeiros heróis, que foram esquecidos pela história oficial e positivista em algum lugar da própria história.

Mas o governo e a elite não fizeram tudo sozinho o que se refere ao herói do Amapá: Cabralzinho teve uma grande participação nessa mistificação, com sua astúcia e inteligência, fazendo do ocorrido na Vila do Espírito Santo do Amapá do dia 15 de maio de 1895, seu carro chefe rumo à glória e ao reconhecimento, pois com sua divulgação em grande escala feito pelo mesmo, junto aos jornais paraenses da época, fez com que o episódio tomasse dimensões gigantescas, no âmbito da política internacional, despertando assim, um forte sentimento nacionalista em todo o Brasil e abrindo os olhos do governo brasileiro enquanto a questão fronteiriça entre a Guiana Francesa e o Brasil no extremo norte do país.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Francisco Xavier da Veiga Cabral, o “Cabralzinho” era considerado um homem com ânimos muito exaltados e com um grande patriotismo, lutou em defesa do seu povo, da sua terra e principalmente de suas riquezas, vencendo a invasão francesa e promovendo a derrota e a morte do capitão francês Lunier, de forma que pra muitos “heróica”.

Assim conseguiu ser reconhecido pela República, tendo todas as honrarias de um verdadeiro herói, pois os republicanos estavam na ânsia de consolidar a nova ordem política e construir um imaginário social numa fronteira marginalizada e esquecida, assim se fez, Cabralzinho foi condecorado General Honorário do Exército Brasileiro e herói nacional.

Com isso percebe-se que a construção do mito do herói nasce da necessidade de uma transformação na sociedade, e está ligada a produção de uma identidade nacional, transformando o herói em uma peça de estruturação da tradição, construindo-se uma carga simbólica e ao mesmo tempo um jogo político de manipulação.

Com Cabralzinho não foi diferente, pois o mesmo se enquadrou nesses conceitos, servindo de modelo para construção da identidade territorial e do imaginário amapaense, apesar de ser o líder da Vila do Amapá, agora ele era o grande herói do povo que os defendeu da tirania dos franceses.

Todo esse jogo político em torno da figura heróica de Cabralzinho começou com o próprio nas páginas dos grandes jornais paraenses, e mais tarde ganhando as páginas dos jornais pelo Brasil a fora. Esse foi o jeito que o mesmo conseguiu para elaborar seu projeto político, narrando sua história que virou uma verdadeira epopéia, em nenhum momento de sua narrativa, ele se mostra uma pessoa covarde e sim uma pessoa à frente de seu tempo, sempre tomando as decisões certas nas horas certas, pois sua vida cheia de patriotismo passou a ser um exemplo a ser seguido, deixando bem claro que ele se serve dos meios de comunicações para se livrar de qualquer culpa pelo ocorrido no dia 15 de maio de 1895.

Não se pode esquecer que a imagem dele ajudou a construir o imaginário das famílias mais antigas do Amapá, além disso, o mesmo teve grande importância para a história do nosso estado, pois com sua astúcia e inteligência fez com que se entrasse em negociações definitivas sobre as fronteiras entre a Guiana Francesa e o Brasil, que estava se arrastando por séculos e séculos que veio a resultar no Laudo de Berna de 01 de dezembro de 1900.

Nesta pesquisa concluiu-se que a figura heróica de Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho, bem como sua memória, foi criada e implantada pela elite dominante e por ele próprio com sua astúcia e experiência política, numa grande operação de mitificação de uma pessoa cheia de patriotismo e que impediu uma invasão estrangeira, numa terra marginalizada, servindo a legitimação de regimes políticos e implantação de ideologia.

Dessa forma a imagem heróica de Cabralzinho surgiu numa tentativa de construção de novos valores para uma sociedade que, em parte era esquecida pelos governos dos países em litígio e, que se utilizou da história e da imprensa local e uma parte da imprensa nacional para um propósito muito maior, que nem mesmo Cabralzinho sonhava que a epopéia criada por ele mesmo, viesse ganhar proporções nacionais, comovendo até mesmo outros países, num jogo político de manipulação pela elite brasileira e por ele próprio.

 

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Luís. Tópicos de História do Amapá. Macapá: Gráfica São José, 2000.

BORGES, Vavy Pacheco. O Que é História. São Paulo: Brasiliense, 2007.

CARDOSO, Francinete do Socorro Santos. Entre Conflitos, Negociações e Representações: O Contestado Franco-Brasileiro na Última década do Século XIX. Belém. Associação das Universidades Amazônicas, 2008.

CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas. São Paulo. Companhia das Letras, 2009.

HOOK, Sidney. O Herói na História. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 3ª edição, 1962.

MEIRA, Silvio. Fronteiras sangrentas: Heróis do Amapá. Rio de Janeiro. Editora Gráfica Luna, 1975.

MICELI, Paulo. O Mito do Herói Nacional. São Paulo. Contexto, 1988.

HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

JUNG, Carl G. O Homem e Seus Símbolos. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1964.

QUEIROZ, Jonas Marçal de. História, Mito e Memória: O Cunani e Outras Repúblicas. In: GOMES, Flávio dos Santos (Org.). Nas Terras do Cabo Norte: Fronteiras, Colonização e Escravidão na Guiana Brasileira – Séculos XVIII / XIX. Belém: Editora Universitária, 1999. p. 319-348.

RAIOL, Osvaldino. A Utopia da Terra: Na Fronteira da Amazônia: A Geopolítica e o Conflito Pela Posse da Terra no Amapá. Macapá: Editora Gráfica O DIA Ltda, 1992.

REIS, Arthur Cezar Ferreira. A Amazônia e a Cobiça Internacional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 1968.

                                   . Território do Amapá: Perfil histórico. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1949.

PINSKY, Jaime; PINSKY, Karla Bassanezi. O que é e como ensinar: Por uma História prazerosa e conseqüente. In: KARNAL, Leandro (Org.). História na sala de aula: Conceitos, práticas e propostas. 5ª Ed. São Paulo: Contexto, 2007. p. 17-36.

SARNEY, José; COSTA, Pedro. Amapá: A Terra Onde o Brasil Começa. Brasília. Senado Federal, Conselho Editorial, 1999.

CORRESPONDÊNCIA

 

Carta de Cabralzinho com a data de 05 de setembro de 1895 ao Ministro do Exterior.

Relatório do Ministério das Relações Exteriores, do ano de 1895, apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brazil, em 30 de abril de 1896. Publicado em 1896.

 

PERIÓDICOS

 

A Província do Pará - 30 de abril de 1895.

A Província do Pará - 31 de maio de 1895.

A Província do Pará - 07 de fevereiro de 1896.

A Província do Pará, 15 de fevereiro de 1896.

Jornal Folha do Norte, do dia 19 de maio de 1905.



[1]

Licenciado em História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA (Polo Amapá), Especialista em História do Amapá pelo Centro Universitário UNINTER e, em História e Historiografia da Amazônia Pela Universidade Federal do Amapá - UNIFAP, e faz parte do quadro discente da Faculdade de Teologia e Ciências Humanas - FATECH, no curso de Especialização de Ensino Religioso. É um dos autores do livro CABRALZINHO: a construção do mito de um herói inventado na sociedade amapaense, ministrou aulas em cursos preparatórios para Vestibular e concursos, e atualmente é Professor do quadro efetivo do município de Afuá. Email: [email protected] ou [email protected]

[2] Que foi declarada pelo Governador da Província do Grão-Pará Lauro Sodré, em 11 de agosto de 1891, o governador ordenou o arquivamento do inquérito (sem motivos aparentes) que apurava os responsáveis pelo conflito do Cacaualinho, Lauro Sodré é o mesmo que Cabralzinho queria impedir a posse.

[3] Atual Município de Amapá, onde ocorreu o conflito do dia 15 de maio de 1895, entre brasileiros e franceses da Guiana Francesa.

[4] É a forma de governo, que significa governo de três pessoas. “Surgido no século I a.C., nada mais foi do que um compromisso mútuo entre os seus integrantes, onde o primeiro a ser criado foi em Roma, e por segundo surgiu na Vila do Espírito Santo do Amapá (Brasil), que foi sugerido por Desidério Antônio Coelho.

[5] Tratado assinado na cidade de Lisboa em Portugal em 04 de março de 1700, onde era proibido a Portugal e a França tomarem posse das terras do Cabo Norte, neutralizando toda à área entre os rios Oiapoque e Araguari.

[6] Uma Transcrição da carta que se encontra no Museu Joaquim Caetano da Silva em Macapá.

[7] Jornal A Província do Pará do dia 31 de maio de 1895.

[8] Relatório do ano de 1895, apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brazil...em 30 de abril de 1896. Publicado em 1896.

[9] Carta de Cabralzinho com a data de 05 de setembro de 1895 ao Ministro do Exterior, relatando o conflito com os franceses no dia 15 de maio do mesmo ano na Vila do Espírito Santo do Amapá.

[10] O jornal Folha do Norte, do dia 19 de maio de 1905, publica uma nota noticiando o falecimento de Cabralzinho e discorrendo sobre sua vida pública.

[11] Filho da sobrevivente Inez Valeriana Magave, que estava com quase 100 anos de idade e tinha muita dificuldade para falar, ela tinha 8 anos na época do ocorrido e por muitas vezes contou o ocorrido do dia 15 de maio de 1895 aos seus filhos.