Roberto Ramalho é Advogado, Relações Públicas e Jornalista.

A decisão recente do ministro da Justiça, Tarso Genro, concedendo refúgio político ao ex-terrorista e atualmente escritor italiano Cesare Battisti, continua causando polêmica na imprensa brasileira e italiana, a ponto do primeiro-ministro italiano Silvio Beluscconi cancelar sua visita que estava programada para acontecer nos depois do Carnaval, onde visitaria o estado de São Paulo e o Rio de Janeiro. A decisão do governo brasileiro tem causado e provocado reações dentro do território brasileiro que vão do aplauso à desaprovação contundente. Porém, isso não se constitui no internamente uma afirmação contrária ao direito brasileiro, indo, inclusive de encontro ‘as tradições que o Brasil aplica em suas relações internacionais com todos os países membros da ONU (Organização das Nações Unidas). Sobre o refugiado italiano Cesare Battisti há informações oficiais do governo italiano que ele foi membro de um grupo armado de extrema esquerda denominado Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), que praticou inúmeros crimes políticos no final da década de 1970, em território italiano, sendo condenado pela Justiça italiana à prisão perpétua por atos terroristas que causaram a morte de quatro pessoas, nos anos 70. No entanto, na década seguinte, seus militantes renunciaram à luta armada, sendo que muitos haveriam de viver na França, onde obtiveram refúgio político do governo francês, principalmente no mandato do presidente François Mitterrand, entre 1981 a 1990, do Partido Socialista, como no caso do ex-terrorista e ex-revolucionário Battisti. Porém, o seu refúgio na França não o impediu que fosse julgado e condenado na Itália a prisão perpétua a revelia, sendo a prova mais significativa constante dos autos o depoimento de um ex-membro de seu grupo armado, que o delatou em troca de algumas regalias no seu processo. O instituto da delação premiada por sorte não existe no Brasil. Ameaçado pelo governo italiano e temendo ser seqüestrado por agentes do governo italiano, Battisti, segundo a Revista Isto É, conseguiu, por meio de agentes secretos franceses, ajuda e passaporte para viajar até a Espanha e depois Portugal, fazendo escala na Ilha da Madeira, depois pegando um barco até Ilhas Canárias. Das Canárias, foi de avião até Cabo Verde, chegando posteriormente à cidade de Fortaleza, no Brasil. Em seguida veio ao Rio de Janeiro, no bairro de Copacabana onde alugou uma kitchenette, mantendo, depois, um encontro com o deputado federal Fernando Gabeira, do Partido Verde, de quem ele disse ter sido ajudado. No Estado Democrático de Direito, a defesa do acusado deve ser plenamente garantida e o processo seguir o seu curso. Não foi o que aconteceu com Battisti, que foi condenado a revelia na Itália, sem estar presente para se defender das acusações que lhe são imputadas naquele país, de tradição democrática, embora já tenha vigorado um governo ditatorial, como o de Benito Mussolini, na década de 40. Ainda em matéria publicada na Revista Isto É, Battisti alega inocência e diz textualmente “nunca ter matado ninguém”, embora lhe seja imputado quatro assassinatos, incluindo o de Pierluigi Torregiani, que sofreu um atentado do grupo a que ele pertencia. Diz ele: “Nunca matei ninguém. Eu nunca fui um militante militar em nenhuma organização. Nem na Frente Ampla nem nos PAC, onde fiquei dois anos, entre 1976 e 1978. Saí dos PAC em maio de 1978, depois da morte de Aldo Moro”. Ele foi condenado com base na lei de exceção criada para combater a violência política, a Lei Cossiga, de 1981, e que lhe foi aplicada retroativamente aos crimes imputados, crimes esses que teriam ocorrido entre 1977 e 1979. No Brasil isso não é compatível com o Estado Democrático de Direito, em que vigora a irretroatividade da lei penal que afirma taxativamente que “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. É o que consta da nossa lei penal. Embora naquela época a Itália fosse um Estado Democrático de Direito, como continua sendo, a insurreição armada não tinha porque acontecer e não se justificava. Porém, o governo italiano, mesmo assim, não podia se afastar dos princípios que norteavam e norteiam o Estado Democrático de Direito para reprimir com o direito da força os insurgentes, incluindo Battisti. Nesse sentido, nunca os fins não podem justificar os meios. Isso vai de encontro à democracia e a liberdade de um povo. Na sua decisão, tomada com bastante precaução e com base legal, o ministro da Justiça considerou que Battisti foi condenado pela prática de crimes políticos e não por crimes comuns. Naquela época, o próprio ex-presidente da Itália, Francesco Cossiga, reconheceu que o crime praticado por Cesare Battisti tinha natureza política, embora devamos lembrar que na Itália essa é uma circunstância agravante. A denominação dada à legislação de exceção aplicada ao caso de Battisti, recebeu o nome de Lei Cossiga, datado de 1981. No caso do direito brasileiro, o artigo 77 do Estatuto do Estrangeiro é muito claro ao determinar que “não se concederá extradição (...) quando o fato constituir crime político”. Portanto, o ministro da Justiça como a autoridade competente para conceder o refúgio, proferiu sua decisão, mesmo ela tendo sido contrária pelo Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) órgão vinculado e subordinado ao ministério da Justiça, a quem cabe decidir se concede ou não asilo e refúgio político a um estrangeiro que a solicita, cabendo, entretanto, a decisão final ao próprio ministro da Justiça. Esse não é e não foi o primeiro caso de asilo e refúgio político concedido pelo governo brasileiro a um estrangeiro. Lembremos do caso do ex-ditador do Paraguai, Alfredo Strossener, que conseguiu seu asilo e refúgio político no Brasil, embora tenha sido responsabilizado de crimes ideológicos em seu país durante a ditadura política que vigorou no Paraguai nas décadas de setenta e oitenta. O Brasil ao conceder asilo e refúgio político jamais decidiu tendo em vista filiações ideológicas ou partidárias, e sim por questões humanitárias. É preciso reconhecer que a Itália tem todo o direito de protestar contra a decisão do governo brasileiro e querer a todo custo a extradição de Cesare Battisti. Faz-se necessário lembrar que o Brasil também protestou quando a Itália lhe negou a extradição de Salvatore Cacciola, acusado da prática de crimes financeiros de natureza gravíssima cometida em solo nacional, com a quebra do Banco Marka. Ao negar o pedido do governo brasileiro, tomada de acordo com a lei e pelas autoridades competentes da Itália, o Brasil mesmo sob protestos respeitou o ponto de vista daquele país. Salvatore Cacciola, que faliu o Banco Marka, deixando um prejuízo de mais de U$$ 1,2 bilhões de dólares, além de ser brasileiro, tinha, também, a nacionalidade italiana. O Parlamento Europeu Já se pronunciou. Através de uma moção uma moção comum e reiterado o pedido de extradição de Cesare Battisti e é exigido das autoridades brasileiras segundo eles “pleno respeito aos princípios do Estado de Direito da União Europeia (UE)”. A proposta de moção contou com o apoio do Partido Popular Europeu (PPE), dos Liberais Democráticos (LD, do Partido do Socialismo Europeu (PSE),) e da União pela Europa das Nações (UEN). O texto da moção é bastante incisivo e lembra também que “a parceria entre UE e Brasil se baseia no reconhecimento recíproco de que as duas partes respeitam o Estado de Direito e os direitos fundamentais”, conclui. Cabe, portanto a decisão final, ao Supremo Tribunal Federal (STF), que mandou o governo italiano se pronunciar sob o assunto em no máximo cinco dias, que o fez pedindo a revogação da decisão do governo brasileiro, mas o relator do caso, ministro Cezar Peluso, negou liminar requerida pelo governo italiano, em Mandado de Segurança, embora a Procuradoria Geral da República já tenha dado seu parecer final aprovando o asilo e o refúgio político de Battisti no Brasil. A decisão do governo brasileiro é soberana, assim como o direito da Itália em requerer a extradição do ex-terrorista italiano também o é. Vamos esperar o que o STF decida definitivamente a questão em abril. Mas em minha opinião, embora o ministro do STF , Celso de Melo, tenha dito à imprensa que a corte está dividida e que possa mudar a jurisprudência atual sobre a extradição, creio que a instituição máxima do Poder Judiciário brasileiro possa manter a decisão do governo brasileiro ou conceder a extradição do ativista italiano que em carta dirigida aos ministros do STF, entregue pelo Senador do PT, Eduardo Suplicy, nega ter cometido os crimes que lhe são imputados. Diz ele num trecho da carta: “Não sou responsável por nenhum dos homicídios dos quais sou acusado, senhores ministros. Constantemente fui utilizado no processo como um bode expiatório, por arrependidos”, afirma. Enquanto isso não acontece, a defesa de Cesare Batistti requereu pela quarta vez a sua soltura. Segundo o advogado de defesa de Batistti, o Luiz Eduardo Greenhalgh, que dirigiu petição ao ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, relator do processo de extradição do ex-terrorista italiano, insiste “seja revogada de imediato a prisão preventiva do refugiado e determinada à expedição do competente alvará de soltura”. No entanto, em entrevista recente a imprensa brasileira, o presidente do STF, Gilmar Mendes afirmou taxativamente se a Corte máxima da Justiça Brasileira conceder a extradição do ex-ativista italiano, Cesare Batistti, o presidente da República, Luis Ignácio Lula da Silva, não terá outra saída a não ser a de conceder a sua extradição, por caber a última decisão ao STF.