Um desavisado viajante ao ouvir o rádio pode ter a impressão de que estamos numa monarquia. “O crime aconteceu num bairro nobre da cidade...” ou “O acusado de corrupção reside em um bairro nobre...”. É bom que se diga que não existem bairros nobres em nossas famigeradas cidades, pois sendo um país republicano, não se permite a ‘segregação por estamentos sociais como ocorria durante o antigo regime.  Em segundo lugar porque nesses mesmos bairros, que deveriam ser chamados, mais propriamente, de bairros de classe alta, moram também proletários e até os lumpen proletários, assim chamados àqueles que vivem à margem da sociedade, sem emprego, sem casa, sem carro e sem nada.

Há uns bons anos uma reportagem em uma revista mostrava a indignação dos moradores de vários bairros contra um médico sócio do Esporte Clube Pinheiros que proclamava numa carta do leitor a sua indignação contra a presença de pessoas de outros bairros da cidade no seu clube, alegando que não tinham berço nem tradição para frequentá-lo. A chuvarada de cartas levou a revista a publicar uma ampla matéria entrevistando moradores de vários bairros e cidades vizinhas que se sentiram ofendidos com a arrogância do médico.

A matéria expôs os conflitos e contradições de uma sociedade profundamente dividida em classes sociais. Muitos dos leitores ao criticarem o médico, revelaram também os seus preconceitos de classe ou ocupação urbana. Ao classificarem os moradores de outros bairros como uma nova classe média sem tradições e sem berço, insuflou a revolta dos endinheirados do Tatuapé, que vem atraindo grandes investimentos imobiliários de alto padrão.  Uma moradora chegou a esnobar que ia à Europa duas vezes ao ano, enquanto muitos “nobres” de Pinheiros e jardins não viajam nem para o Nordeste. Uma moradora do Butantã lembrou que o presidente Campos Sales, um quatrocentão paulista se hospedava na fazenda de propriedade de sua família no início do século passado. Outra moradora de Pinheiros se justificou dizendo que mantém um relacionamento muito cordial com o seu personal  trainer, apesar de serem de classes diferentes. O mesmo personal trainer subiu nas paredes lembrando que seus antepassados ostentam sobrenomes ilustres de São Paulo, enquanto sua cliente é apenas uma nova rica sem classe e sem tradição.

Assim, os nobres empobrecidos comem mortadela e arrotam peru conforme diz um ditado popular. Enquanto isso os novos ricos ostentam luxo e riqueza em bairros sem pedigree.  A economia muda e o dinheiro muda de mãos. Assim, no início do século passado, os novos ricos de origem italiana, antes chamados pejorativamente de carcomamos sujos e porcos pelas elites cafeeiras e escravocratas mudam de status.  Eles se unem às essas mesmas elites empobrecidas para esnobarem os novos imigrantes, migrantes e os negros, como sempre marginalizados em nossa sociedade.

Assim, chamar bairros nobres onde se concentram boa parte do PIB da cidade soa ridículo, pois não tem nada de nobreza, mas muito de discriminação social da gestão pública do país que privilegia esses locais com os melhores equipamentos urbanos de lazer, saneamento etc., ampliando a segregação social.