As palavras das imagens 3

Por António Lourenço Marques Gonçalves | 12/12/2012 | Poesias

(Têm imagens estas palavras e bem verdadeiras - facebook)

CASA DE SOL E DE ROSA

Casa de sol e de rosa,
Lugar de estar e de ser.
Vê-se a montanha fragosa

Rasgada ao alvorecer.

Sítio de ir e partir
De regresso e de encontrar,
De cerejas e sorrir,
Também de noite e luar.

Tudo na vida ali está.
- Mãe e pai, já foi serão,
E a infância? Retornará?

Certo voltar é questão
Que a vida dá ou não dá,
Tenha força o coração!

 

- em Souto da Casa

  

O DEUS ESCULÁPIO

Aonde chega esta teia
Da medicina que interessa?
Hygieia e Panaceia

Chegam logo depressa.

"A saúde é natural",
Proclama a primeira deusa.
A todo e qualquer mal,
Panaceia - "só proeza"!

E Esculápio o que faz
Se a doença é real?
Será ele mais audaz?

Cura de forma frontal.
E sendo um deus sagaz,
Ajuda quando é mortal.

- em Castelo Branco

  

AI AS NORAS DO FUNDÃO…

Ai! as noras do Fundão
Que ainda velam, errantes!
Foram sustento de pão,

Lembram esteios distantes.

Ó milheirais verdejantes
Já vergados - onde o grão?
Calou-se a água que antes
Era seiva de vazão.

E o murmúrio do andar
Da roda, dente por dente,
Chora agora o seu pesar:

O milho, pão indulgente,
Foi p´ra longe, iluminar
Onde é pão e é semente. 

- em Fundão

 

LEMBRANDO BOCAGE
(numa tarde cinzenta, em Castelo Branco)

Estando bastante doente,
Magro, e de osso à vista,

Veio o médico ciente
De a cura ser otimista.

E porque a razão que deu
Do mal vir da fartura
Do tempo que antecedeu,
Pôs logo em causa a gordura.

"Mas olhe que eu tenho fome",
Diz o doente a expirar.
"Mas olha que o que se come
Faz a gordura voltar"!

- em Castelo Branco

 

S. MIGUEL 

Em Roma tem o arcanjo

O castelo d’ Adriano.
E aqui na Sé, padroeiro,
É também um soberano.

Não é fogo que cintila
No caminho à sua frente.
É o outono que desfila
Fazendo lume aparente. 

- em Castelo Branco

 

JERUSALÉM

Eis aqui o Jardim das Oliveiras ou o Horto de Gethsemani. A muralha, com a Porta Dourada, assistiu. E era assim, com o Vale do Cedron a separar, tal com lá está ainda hoje. Sítio de grande emoção, que recordo. 

A porta de ouro virada
Ao Jardim das Oliveiras
Quando se armou a cilada
Tinha as mesmas maneiras. 

- em Jerusalém

 

AH SE O TEMPO DA VIDA

O prazer dos livros. À direita, como que empurrados pela jovem perseguida pelo cão, está a obra de Mirabeau "Élégies de Tibulo" - 1ª edição completa de 3 volumes, de 1798. Livros fantásticos!

Ah se o tempo da vida
Coubesse nesta janela!
Vai muito longe a medida
Entre o que é e é vê-la. 

- em Souto da Casa

 

ENGANOS...

Aqui está a "Luz Verdadeira", obra de Cirurgia, de António Ferreira, edição de 1757 (o livro de baixo). O autor diz, na página 30, sobre os ventrículos do coração: "estes divide hum septo medio com alguns buracos." Referia-se aos célebres buracos de Galeno (séc. II d. C.), que Vesálio, em 1543, já tinha desfeito. O engano, ou o atraso português.

Há enganos tão subtis

Que mesmo sendo-o deveras
Parecem quase por um triz
Dizer que és e não eras.

- em Castelo Branco

 

FUTURO ASSIM?

Não haverá muita dúvida
Que face a estes remoques
O país tornou guarida
De berliques e berloques.

- em Lisboa

 

A MORTE DO NASCIMENTO

Uma recordação do Templo de Hatchepsut, em Deir el-Bahari (perto do Vale dos Reis) de onde veio o vaso canópico aqui sobreposto. E uma reflexão:

A morte do nascimento
É a de maior facada.
Outras são como o vento:
Vai e vem, nunca é nada.

 - em Deir el-Bahari

 

CAMILO E A POLÍTICA

Em "O Espírito e a Graça de Camilo", livro de Luís de Oliveira Guimarães (sem data, 1953?), contam-se histórias curiosíssimas da vida de Camilo, como esta das noites de S. Miguel de Seide (p. 33). Ana Plácido, o filho Nuno, o actor Dias e o abade de Jusufrei jogavam sempre. Camilo só assistia e, ao pedido do padre, desabafou: "Oiça, abade, se eu gostasse de jogar com batota, jogava na política". A história conto-a assim:

Estando todos ao serão
Com Camilo a assistir, 
Disse o padre: porque não
Jogar também e sorrir?

Camilo falou a sério:
P’ra evitar a derrota,
Não se fiando em mistério,
Teria de fazer batota.

E sendo assim, se gostasse
De jogar, seria tal
A mão que as cartas deitasse,
Como na política, igual.

- em Castelo Branco

 

PASSAM VELOZES…

Passam velozes pelo pensamento
Nuvens revoltas, sombras, oh segredos!

Uma ave volteia e no céu cinzento
Risca lampejos com os seus enredos.

- em Lisboa

 

TEM UM PERFIL DE NEVE

A Serra da Estrela, esta manhã, depois das primeiras neves, numa vista rasando as ruínas do Convento de St.º António ( e muito frio!):

Tem um perfil de neve
A serra que aqui desponta.
Meu canto, ora, escreve
Leve de neve e por conta.

- em Fundão

 

SENHORA DO MIRADOURO

Um pormenor do alpendre da ermida da Senhora do Miradouro (Fundão): uma viga moderna de cimento sobre as colunas velhas de granito e as sombras de eucalipto. 

Senhora do Miradouro,
Há quanto tempo o não és?
A pedra que foi tesouro
Não é já a que tu vês.

-em Fundão

 

OS BONEQUINHOS DAS CALDAS

Os bonequinhos das Caldas
São fiéis ao idioma,
E longe de serem baldas,

Ei-los firmes: ora, toma!

Mas assunto melindroso
Foi o seguinte cenário:
Que sem propriamente gozo,
Viram manguito contrário.

- em Castelo Branco

 

O FORTE DE AMBAR - JAIPUR

Aquela porta d´entrada
Tem o âmbar de Jaipur.
Roda à deusa antepassada
E lembra um sonho...
…algur.

- em Jaipur

 

GATOS

NO SOUTO DA CASA

O gato sobe à estante
Para admirar os recantos
E sabe por o semblante
Próprio dos seus encantos.

- em Souto da Casa

  AMBIÊNCIAS

Tem graça este cariz
Dum gato que é especial.
Parece atento e feliz
Por ser “o eixo do mal.

 - em Castelo Branco

 É O EGAS?

Esta de ver o buraco
E invocar o Natal
Não é d'um gato que é fraco
Mas de um catita jogral!

- em Ponta Delgada (Açores)

  

SERRA DA ESTRELA

A amplidão da Serra da Estrela, vista do Souto da Casa, com o casario e a Via Látea.

“A via látea desceu
Para vir passar o dia.
O berço que tem no céu
Só numa Estrela cabia.

E à noite quando fugir,
A brilhar no firmamento,
A Estrela irá luzir
P´ra não perder o assento.

 

VALE DOS REIS (Egito), às portas do túmulo de Ramsés VII (faraó 1133-1126 a. C. XX Dinastia), no dia 4.9.2008

Vir a morte a ser o fim
É o que de melhor tem,
Se a vida de vez ruim
Vier com ela também. 

- Valley of the Kings