RESUMO

A comunicação humana é um fenômeno tão amplo e tão complexo como o próprio ser humano. O ser humano fala, se manifesta, exprime o que pensa. A poesia é uma dessas manifestações do ser humano. Nela expressa-se, diz-se, fala-se, define-se. Nesse sentido, o presente artigo é uma abordagem sobre a poesia, considerada em seu sentido histórico e fenomênico. Houve muitas e diferentes formas de fazer poesia. Houve estilos variados e nem sempre o entendimento dessas diferenças pode ser medido de forma matemática. A interpretação das manifestações poéticas é também um longo e interminável problema. Os autores não são unânimes em suas análises e nem mesmo poderiam. Ainda assim, porém, é possível identificar as diferentes fazes poéticas e apontar características próprias de cada uma delas.

Palavras Chave: Literatura; Poesia; História

1 APRESENTAÇÃO DA QUESTÃO

Poesia é forma de expressão literária que surgiu simultaneamente com a Música, a Dança e o Teatro, em época que remonta à Antiguidade histórica (CADORE, 1998). Como se sabe, a fala surge da necessidade de comunicação. Sabe-se que a comunicação entre as pessoas se dá geralmente pela palavra e pelo gesto, que estão tanto mais intimamente ligados quanto mais primitivo for o grupo. O gesto complementa sempre a fala, na proporção em que esta é limitada em sua inteligibilidade.  Foi desta constatação que os teóricos, os autores que investigaram a fala humana e suas manifestações perceberam que os gestos marcavam o tom e  o ritmo das palavras. A pesquisadora e professora Regina CELIA (2007), traz um ponto de vista mediado por uma leitura que se apresenta com o seguinte teor:

Um ensaísta brasileiro, Júlio Braga, procurou também situar a essência poética no trabalho Conceituação Dual do Conhecimento, em capítulo que leva o subtítulo de "Conceituação Dual da Linguagem". Para ele, a poesia é uma arte gráfica, assentada num suporte neutro. Ao dividir todas as expressões artísticas em gráficas e poéticas, salienta a natureza dual dessa divisão e conclui: "Uma vez descoberta a essência da linguagem gráfica, ela reencontra seu instrumento autêntico, a palavra, com toda a sua extensão para o logos: verbal, escrita, visual, mímica, prática, filosófica, épica, dramática, coreográfica, mitogênica, cosmogônica, etc". Esses são os veículos preferenciais da linguagem gráfica, como diria o escritor, incluindo assim toda forma poética conhecida até agora. Julio Braga, entretanto, não está sozinho em seu ponto de vista, quando pensa na Música como a única expressão poética autêntica. É ainda Susanne Langer que, estudando os signos e símbolos, situa os limites últimos da experiência muito além  da teoria uma vez que "as coisas inacessíveis à linguagem podem possuir suas formas específicas de concepção, ou melhor: suas formas não discursivas, cumuladas com possibilidades lógicas de significados, fundamentam a significação da música".[1]

 

Desde muito cedo o ser humano foi criador de “mundo”, isto é, desde cedo o ser humano “habitou a linguagem” que, reciprocamente, lhe habita também. Somos os criadores da linguagem  e, por isso, como lembra o filósofo “a linguagem fala” (HEIDEGGER, 2004, p. 15). O primeiro valor importante das narrativas primitivas foi o ritmo. Com o desenvolvimento cultural, os aspectos primários do ritmo e do som começaram a adquirir cores intelectuais,  indivíduos que pensavam não mais em função estrita dos problemas da comunidade. Novas sugestões rítmicas foram aparecendo e permitindo à narrativa constituir-se em formas fixas. Essência da Poesia - Ensaístas e filósofos já se preocupavam então com a essência da poesia, numa tentativa de desligá-la da matriz onde fermentara com outras expressões, que também foram conquistando autonomia e passando, por características afins, à qualidade de gêneros. A poesia, ligada à estrutura da narrativa, é a expressão artística que mais discussões tem suscitado em relação à sua essência. Platão, relativamente próximo às formas primitivas, classificou-a entre as artes representativas, ou artes plásticas, ao lado da dança e do teatro (ROUGUE, 2005). O filósofo alemão Heidegger, ao procurar a essência da poesia, não afastou a possibilidade de ser ela conceitual e, ao mesmo tempo, lírica. De fato, é constante poética através dos tempos, o aspecto lírico, presente, inclusive, na obra dos grandes épicos, como em Homero, nas cenas de amor de Circe ou como em Camões, nas cenas do Adamastor e de Inês de Castro (Os Lusíadas). Por outro lado, Goethe sempre considerou a poesia como impossível de ser analisada, por se tratar de algo demoníaco.

 

2 LITERATURA

A poesia é um gênero literário desses muitos que humanidade foi capaz de desenvolver em seu curso histórico. Como mostrou o antropólogo Clifford Geertz (1989), a cultura é a expressão através da qual o ser humano fala de si mesmo. Todo simbolismo que ela representa é o próprio simbolismo do ser humano que se pergunta quem ele é. As diferentes formas de poesias produzidas, desde o Barroco até os tempos modernos com um Carlos Drumond de Andrade, por exemplo, falam das coisas que o ser humano é ou pensa ser. A poesia pode funcionar como crítica social, como uma indagação sobre o sentido existir, aquilo que a filósofa denominou “sentimento do mundo” (CHAUI, 2000, p. 23). Os poetas, portanto, exprimem o sentimento do mundo, isto é, percebem que o mundo é caracterizado por mudanças constantes e intermináveis. Foi o filósofo Maurice Merlau-Ponty que se dedicou a analisar a poesia na literatura filosófica, chamando-a de “prosa do mundo” (Op., cit., p. 245). A poesia ocupa ainda o lugar de crítica ao dogmatismo sobre a verdade. A verdade, como se sabe, é uma busca constante, cansativa, polêmica, interminável. Mas não se pode negar que a sua busca é luta do ser humano. Esse assunto sempre esteve entre o relativismo e a dogmática. Foram muitos os poetas que dedicaram a escrever poesias cujo centro consiste em ser uma crítica ao dogmatismo da verdade. Foi isso que Clarice Lispector fez em sua em sua famosa obra, A Descoberta do Mundo.[2]

O que Clarice Lispector está a mostrar em suas poesias, sobretudo nesta questão em destaque, é que a banalidade que primeiramente se apresenta em analisar um ovo e um inseto se mostra bem mais profundo se a imaginação for utilizada de uma forma radical. Pode não haver nada de mais em um ovo e um inseto, mas não para uma pensadora como Clarice. Segundo a análise da filósofa, Clarice utiliza o ovo e o inseto porque neles existe a dificuldade de identificar claramente o fora e o dentro. Não se sabe o que é interior e o que é exterior. Ocorre aqui uma analogia sobre as várias formas de falar do verdadeiro. O que é o verdadeiro? A verdade é aquilo que está no coração – como pensam os intimistas e introspectivos – ou a verdade é aquilo que pode ser verbalizado, mostrado por critérios e padrões ditos científicos. Em ambos os casos há sempre, no mínimo, duas maneiras de ver um mesmo problema. Também em outra situação a poesia se colocou numa situação existencialista, como faz Fernando Pessoa ao dizer: “O poeta é um fingidor/Finge tão completamente/Que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente” (PESSOA, Apud CHAUI, op, cit, p. 97).

A poesia carrega consigo a marca de poder dar expressão àquilo que aparentemente não tem expressão. A poesia tem uma forma que podemos denominar subversiva de ser e representar. A poeta finge a dor ou o poeta transforma em arte a dor que de fato sente ele e as pessoas que observa? A poesia é, vista assim, não apenas uma linguagem qualquer, mas uma linguagem que carrega consigo o significado profundo do existir, dos problemas da vivenciais e dele fala de forma poética. Desse modo, portanto, a poesia, considerada em suas diferentes vertentes históricas que não puderam ser analisadas aqui, como, por exemplo, o Barroco, Parnasianismo, Modernismo, Realismo, são expressões artísticas que tratam daquilo que o ser humano de fato é: um ser simbólico que só se realiza na linguagem e nos símbolos que inventa e reinventa para suportar a existência.

3 CONCLUSÃO NÃO “CONCLUSADA” [3]

A função poética da linguagem é a transgressão de fronteiras. Toda poesia, seja que escola literária for, expressa algo, representa algo, fala de algo. Ainda que estejamos inclinados a pensar a poesia e sua forma poética como coisa recente, sabe-se que já Hesíodo na Grécia Antiga era poeta. Cantava em prosa e verso o universo da cosmologia grega antiga.

A poesia é linguagem, forma simbólica de falar da vida. Ao “poetar” o ser humano inventa-se, reinventa-se, “fala-se”. Foi isso que o filósofo alemão Matin Heidegger quis dizer quando afirmou Die Sprache Spricht – (A linguagem fala). O que ela fala? O ser humano. Não só do ser humano, mas ela fala “o ser humano”. Ela diz quem ele é, mesmo que não se saiba nunca o que lê realmente é. Ele é aquele do qual nunca se saberá tudo. Há sempre uma duplicidade no ar, coisa que não cabe na “boa ciência”. É por isso que a poesia é a transgressão da lógica: ela expressa o inexplicável. Ela fala lá onde todos se calam.

4 REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria de Arruda & MARTINS, Maria Pires. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1996.

CADORE, Luís Agostinho. Curso prático de português: literatura, gramática, redação. São Paulo: Ática, 1998. (Exemplar de professor).

CELIA, Regina. História e definição de  poesia. Disponível em http://www.regina.celia.nom.br/lit.1.4histpoesia.1.htm). Acessado em 23/05/2007.

CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rioa de Janeiro: LTC, 1989.

HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. Tradução de Márcia Sá Cavalcanti Schuback. 2ª edição. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista, SP, Editora Universitária São Francisco, 2004.

ROUGUE,  Christophe. Compreender Platão. Tradução de Jaime Clasen. Petrópolis, RJ, Vozes, 2005.

 

[1] Este texto está disponível em <http://www.regina.celia.nom.br/lit.1.4histpoesia.1.htm)>. A autora acrescenta ainda a seguinte afirmação: Mais adiante cita Walter Pater: "Todas as artes aspiram à condição de música." Fonte: "Enciclopédia Delta Universal, vol. 12, editora Delta S.A. Rio de Janeiro, Brasil, 1982. sic.

 

[2] Conforme CHAUI, op. cit, p. 95-96. A filósofa analisa o texto de Clarice como uma crítica das questões relativas à verdade. Ainda que a poesia não seja propriamente filosofia, Chauí mostra que a poesia melhor tematiza esse imbricado e espinhoso problema. Inclusive traz duas poesias de Clarice. A primeira intitula-se “Mais do um inseto” e a segunda “a atualidade do ovo e da galinha”.

[3] Certa vez um estudante escreveu em um relatório de aula “eu conclusei” em vez de “eu concluí”. Achei interessante. Foi uma invenção e tanto. Escrever é inventar.