A Pessoa Humana confiada a si própria para os outros
Por Joacir Soares d'Abadia | 13/06/2009 | FilosofiaJoacir Soares d'Abadia*
A pessoa humana tem seu valor, o qual não deve ser jamais vilipendiando por qualquer outro contra valor. Ela, contudo, se relaciona Com o Oculto, com ela mesma e com o seu Próximo. Isso, porque ela é detentora da interioridade. Deste modo, podemos indagar sobre diversos modos de atuação da pessoa humana. Tais objeções são: quem é a Pessoa humana para a Igreja?; qual a relação que existe entre Deus o homem?; como se realiza a unidade da Pessoa confiada a si própria?; como entender a pessoa sendo um ser "com" e "pelos" outros?; o que é liberdade do homem?; a Caridade, enquanto virtude teologal, exige do homem algum agir moral?; a pessoa é constitutivamente um ser social. Como explicar em que consiste a sociabilidade humana?; a vida é o primeiro direito da Cidadania? E "Existe, infelizmente, uma distância entre a "letra" e o "espírito" dos direitos do homem" (RH, 17). Como comentar, brevemente esta frase?
Quem é a Pessoa humana para a Igreja?
A Igreja, no tocante ao humano, realiza toda sua ação em prol do outro. Isso porque no outro está a própria imagem de Deus. O outro, mesmo que não participante da grei do Senhor, deve ser socorrido e cuidado em todos os tormentos? A pessoa humana tem algum valor dentro da Igreja? Para responder a estas objeções faz-se necessário recorrer aos diversos Documentos da Igreja, porém tendo diante dos olhos nada menos que o "Compêndio da Doutrina Social da Igreja".
É preciso, portanto, saber quem é o outro para a Igreja. Sabendo que aqui o termo "outro" refere-se não somente ao "Tu", ou seja, aquele diferente do "Eu", mas faz alusão à "Pessoa humana" em sentido geral. Isso feito pode auferir que "A Igreja vê no homem, em cada homem, a imagem do próprio Deus vivo; imagem que encontra e é chamada a encontrar sempre mais profundamente plena explicação de si no mistério de Cristo, Imagem perfeita de Deus, revelador de Deus ao homem e do homem a si mesmo"[i]. Contudo, a pessoa é vista pela Igreja bem como "a imagem do próprio Deus vivo", como disse o texto anteriormente.
Mas é a Sagrada Escritura quem vai nos esboçar, no primeiro relato da criação, os dizeres que confiram que cada homem é imagem de Deus quando diz: "Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança" (Gn 1,26).
O cuidado, com efeito, que se deve dar ao homem não será nem porque ele participa conosco na mesma fé nem porque ele possa estar fora de nossa comunhão, e, precisa acolher a Palavra de Deus, senão porque é o próprio Cristo que nele se faz presente: "porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim" (Mt 25,35-36). Quando se entende Cristo desta forma, a pessoa é logo lavada a ter consciência "da dignidade da sua humanidade, mais responsável, mais aberto para com os outros, em particular para com os mais necessitados e os mais fracos, e mais disponível para proporcionar e prestar ajuda a todos" (Redemptor hominis, n.15).
A Igreja, deste modo, "convida reconhecer em toda e qualquer pessoa, próxima ou distante, conhecido ou desconhecido, e sobretudo no pobre e em quem sofre, um irmão 'pelo qual Cristo morreu'" (cf. 1Cor 8,11; Rm 14,15). Este zelo pela "própria dignidade da pessoa humana torna-se conteúdo daquele anúncio, mesmo sem palavras, mas simplesmente através do comportamento em relação à mesma pessoa livre" (Redemptor hominis, n 12).
Em síntese, a Pessoa humana para a Igreja é vista como sendo o próprio, ou seja, ela é enxergada como a imagem de Deus Criador.
Qual a relação que existe entre Deus o homem?
Existe, pois, uma intima relação entre Deus e o homem. Sendo que Deus é o Criador e o homem, por sua vez, é a Criatura, a qual está no meio das outras criaturas de Deus. Daqui pode se intentar dizer que o homem não se difere em nada das outras criaturas, visto que também ele foi criado por Deus e está em contato com todas as outras realidades criadas. No entanto, não se deve esquecer que quando Deus cria o homem Ele o cria com uma racionalidade, sendo portanto, capaz de eleger racionalmente as coisas.
Pelo uso da razão o homem se relaciona com o próprio Deus. O homem, pela sua capacidade racional, reconhece que é imagem e semelhança do Criador, porque "Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher" (Gn 1,27). Ao criar o homem Deus colocou-o "no centro e no vértice da criação"[ii] para que exercesse o domínio de todas as criaturas: "Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra." (Gn 1,28b). Deste modo, a Cata Encíclica de do saudoso João Paulo II nos diz que "O sentido essencial desta « realeza » e deste « domínio » do homem sobre o mundo visível, que lhe foi confiado como tarefa pelo próprio Criador, consiste na prioridade da ética sobre a técnica, no primado da pessoa sobre as coisas e na superioridade do espírito sobre a matéria" (Redemptor hominis, n 16).
O homem, contudo, se relaciona com o Criador na medida que se relaciona com todas as coisas criadas pelo mesmo Deus? A relação do homem com Deus é uma relação de filho, o qual não se relaciona sozinho. Foram criados homem e mulher para prestar louvor a Deus.
O homem, consequentemente, é considerado por muitos teólogos e, visceralmente, por filósofos como um ser social. Assim, o Compêndio da Doutrina Social da Igreja diz que "A relação entre Deus e o homem reflete-se na dimensão relacional e social da natureza humana" (n. 110).
Como se realiza a unidade da Pessoa confiada a si própria?
Não tem nenhuma razão em falar de unidade da pessoa sem falar da sua realidade criacional. Deus criou o homem como unidade de corpo e alma. Um está no outro de forma tal que não se consegue dizer onde termina um e começa a outra, até porque estas duas realidades estão unidas. Diante desta inseparável unidade pode se redarguir: como se realiza a unidade da Pessoa confiada a si própria?
A pessoa é detentora de uma capacidade que só ela tem: a interioridade. Essa faz com que ela esteja confiada a si mesma. Pois, é voltando-se para si mesma que a pessoa poderá depois externar suas relações com as coisas e, por fim, com Deus. Desta forma, o moralista Carmine di Sante citando o filósofo Emmanuel Lévinas disse: "A responsabilidade pessoal do homem pelo homem é tal que Deus não pode anulá-la"[iii]. O mesmo moralista coloca nos lábios do filósofo Martin Buber as palavras dizendo que "Deus quer que cheguemos a ele por meio das Reginas que ele criou, e não por meio da renúncia a elas"[iv].
Na obra De Vera religione, Agostinho diz: "Noli foras ire, in te ipsum redi, in interiore homine habitat veritas" (Não saia fora de si, retorna a si mesmo, porque é na interioridade do homem que se encontra a morada da verdade). Por isso, como eu disse: "é fundamental a interioridade, pois o verdadeiro relacionamento do homem interessa-se não 'pelo mundo material, nem se volta a outros, mas a si mesmo: indaga sobre si mesmo, pergunta-se e encontra a resposta no íntimo da própria consciência' (Pe. Luiz Pedro Wagner)"[v].
O Compêndio, portanto, diz que "A pessoa não pode jamais ser pensada unicamente como absoluta individualidade, edificada por si mesma ou sobre si mesma, como se as suas características próprias não dependessem senão de si mesmas. Nem pode ser pensada como pura célula de um organismo disposto a reconhecer-lhe, quando muito, um papel funcional no interior de um sistema" (125).
O filósofo brasileiro Lima Vaz disse que "a unidade do homem é pensada, na concepção bíblica, não numa perspectiva ontológica, mas soterológica, e ela se desdobram em três momentos que se articula como momento de uma história ou de um itinerário salvífico. Trata-se, da unidade de um desígnio de salvação que da parte de Deus é dom ou oferecimento e da parte do homem é resposta ou aceitação, a recusa do dom implicando justamente a perda da unidade ou da cisão irremediável do seu ser por parte do homem"[vi].
Por fim, temos o Papa João Paulo II que conclui dizendo que "A pessoa, incluindo o corpo, está totalmente confiada a si própria, e é na unidade da alma e do corpo que ela é o sujeito dos próprios actos morais. A pessoa, através da luz da razão e do apoio da virtude, descobre no seu corpo os sinais prévios, a expressão e a promessa do dom de si, de acordo com o sábio desígnio do Criador" (Veritatis splendor, n. 48).
Como entender a pessoa sendo um ser "com" e "pelos" outros?
A pessoa é criada para o relacionamento. Ela é um ser social, a qual busca viverem comunidade, onde se coloca concretamente o fato do bem comum. Não obstante, o sujeito convive com os outros tendo em vista seu próprio ser: ser relacional. Com isso, deverá, o indivíduo, ter bom convívio não somente com as outras pessoas, senão, que se faz necessário um bom relacionamento com os bens matérias. A pessoa, todavia, não é um ser dado à solidão, ela está entregue a si mesma para daqui poder ser "com" e "pelos" outros.
Quando criada, a pessoa no seu desenvolvimento, "deve relacionar cada aspecto da vida social para encontrar pleno sentido"[vii] de sua existência no contato com o outro. Mas sabendo, contudo, que o outro é quem receberá tudo a manifestação do seu agir. Desta forma, esse, estará sendo aquele que irá criticá-lo tanto pelo bem quanto pelo bem, visto que "criticar significa discernir o mal para denunciá-lo; e o bem para anunciá-lo"[viii]. Então, a pessoa busca um bem de forma que seja, ela, necessitada de ajuda para tal.
O "Cor Unum" ressalta que "a capacidade de os homens se ajudarem uns aos outros - o que pode realizar-se mediante a simples gestão das forças econômicas corretamente compreendidas - e até mesmo o retrocesso das corrupções de todos os gêneros" se dá pelo fato de que o homem é um ser social,o qual busca o bem em comunidade. Segue o Pontifício Conselho dizendo que esta capacidade "Mas, mais ainda, situa-se sobretudo no plano da liberdade que cada homem tem de cooperar, na sua ação quotidiana, para a promoção do homem todo e de todos os homens, isto é, para o desenvolvimento do bem comum[ix][x]".
O bem comum, portanto, precisa ser a pura manifestação daquilo que é o ser humano: uma realidade "com" e "pelos" outros. "A pessoa não pode encontrar plena realização somente em si mesma, prescindindo do seu ser 'com' e 'pelos' outros"[xi].
Na aplicabilidade de sua ação no mundo o homem se apercebe sendo um indivíduo "com" os outros e, principalmente, entende que toda sua atividade está direcionada "pelos" outros de muitíssimas maneiras, e, uma delas é a maneira simples de se lidar com os bens matérias. Tais bens, contudo, deve ser acessível a todos os homens em todas as épocas e em todas as culturas.
Diante disso tudo é fácil compreender esta realidade meritória da pessoa de ser "com" e "pelos" outros. Visto que, ela é "com" por ser social, porque o Papa Paulo Vi disse que "o homem não é pessoa pelo fato de ser social, mas é social porque é pessoa". Por outro lado, ser "pelos" outros consiste em agir sempre buscando o bem do próximo.
O que é liberdade do homem?
O homem foi criado por Deus – livre –, dotado de razão e responsável por seus atos. Santo Irineu disse que: "O homem é dotado de razão e por isso é semelhante a Deus: foi criado livre e senhor de seus atos". Então, podemos indagar o que é, então, a liberdade do homem?
A liberdade, todavia, não é a escolhe entre o bem e o mal, é, antes, a escolha entre diversos bens em vista do sumo Bem. Assim, a escolha do mal é um abuso da liberdade, que leva à escravidão do pecado.
O Catecismo nos diz que "A liberdade é o poder, baseado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo, portanto, de praticar atos deliberados. Pelo livre-arbítrio, cada dispõe sobre si mesmo"[xii]. A liberdade, pois, enquanto "Libertas Arbitrii" (livre-arbítrio), só é possível porque tem suas raízes na razão humana. A Constituição pastoral Gaudium et spes, portanto, diz que "a liberdade é no homem sinal da imagem divina e, conseqüentemente, sinal da absoluta dignidade de toda a pessoa humana" (n. 17).
A compreensão da liberdade, ensina o Compêndio social, torna-se profunda e ampla na medida em que é tutelada, também no âmbito social, na totalidade das suas dimensões[xiii].
A liberdade do homem, em suma, faz de cada um nós um sujeito moral. Por isto que, todo homem tem direito ao exercício da liberdade. Esse direito, portanto, deve ser sempre respeitada, principalmente no campo moral e religioso, sem, contudo, excluir o campo social, é claro. Desta forma, segundo o Compêndio social, a plenitude da liberdade consiste na capacidade de dispor de si em vista do autêntico bem, no horizonte do bem comum universal[xiv].
A Caridade, enquanto virtude teologal, exige do homem algum agir moral?
Não se pode compreender o que seja a Caridade, sem antes ter em mente o que é "virtude". A caridade, ou, no seu entendimento, implica um movimento que toca a realidade do outro. Porque ela é benevolência, ou seja, quer o bem do amado. Um bem, pois, que não pode ser relativilizado, mas, sim aquele que leva a felicidade.
A virtude, portanto, tem diversas interpretações. Ela, para os gregos, refere-se a areté, ou seja, a qualidade fundamental de uma pessoa. Para Romano Guardini, a virtude atinge toda a existência, como acorde que a traz à unidade, e, além disso, se eleva até Deus, ou melhor, desce dele[xv].
Contudo, segundo a etimologia latina, a virtude (virtus) designava a superioridade própria do varão (vir). Desse modo, implicava o sentido de força, de vigor, de potência, qualidades ligadas geralmente a virilidade, como disse o moralista José-Román Flecha Andrés[xvi].
Na "Ética a Nicômaco" Aristóteles disse a virtude é um meio entre dois vícios. Para Platão, ela é um ideal de autonomia moral e de racionalidade auto-suficiente. Porém, Nietzsche, o filósofo do Super-homem, disse em sua obra "A vontade de poder" que a virtude é o nosso grande erro. Mas por outro lado, a virtude é retomada por grandes teólogos, dentre eles, Josef Pieper, o qual disse que a virtude significa que o homem é reto, tanto no sentido sobrenatural como no natural.
Agora podemos falar daquilo que é a caridade em seu sentido pleno de ser. Ela enquanto amor é querer o bem do outro. Isso implica querer o nosso próprio bem. É sair de si mesmo e se mover em direção do outro; é dar de si para o bem do outro. Tomas Merton disse que o melhor modo de amar a si mesmo é amar os outros.
Carmine di Sante ensina que uma vez que eu amo você, você deve amar o outro[xvii]. Já o teólogo Bultmann, dá uma nova conotação à realidade do amor, visto que para ele o amor humano poderia se endereçar diretamente a Deus, e pretendem afirmar que o amor dirigido a Deus pode se manifestar e dar de si apenas no amor aos irmãos[xviii].
Deve, contudo, reconsiderar a objeção: "a Caridade, enquanto virtude teologal, exige do homem algum agir moral?" O Compêndio social diz que a caridade estabelece "autêntico valor de critério supremo e universal de toda a ética social" (204). Segue dizendo que a convivência humana é ordenada, fecunda de bens e condizente com a dignidade do homem, quando se funda na verdade; realiza-se segundo a justiça, ou seja, no respeito efetivo pelos direitos e no leal cumprimento dos respectivos deveres (205).
A pessoa é constitutivamente um ser social. Explique em que consiste a sociabilidade humana.
A pessoa não está solta no mundo. Ela está inserida em uma sociedade. Mostrando o caráter comunitário da vida dada ao social, e, por outra parte, reafirmando que a pessoa é constitutivamente um ser social. A pessoa, portanto, está em uma sociedade.
O Compêndio social, contudo, define sociedade – a partir do Catecismo – dizendo que "é um conjunto de pessoas ligadas de maneira orgânica por um princípio de unidade que ultrapassa cada uma delas. Assembléia ao mesmo tempo visível e espiritual, uma sociedade que perdura no tempo; ela recolhe o passado e prepara o futuro" (149).
Já, no dizer de Lima Vaz, Augusto Comte, que é considerado o fundador da Sociologia, tendo-a considerado o único saber positivo sobre o homem, confere à sociedade primazia sobre o indivíduo. Ele desenvolve uma física social em que a sociedade é analisada, tanto do ponto de vista estático quanto do ponto de vista dinâmico.
Com isso, temos que o ser humano é um ser social. Marx estabelece dois níveis conceituais na estrutura do homem como ser social (ou seja, histórico), que estão necessariamente inter-relacionados: a) no nível da natureza humana, é definida por suas carências ou necessidades e pela dialética da satisfação destas necessidades, desdobrando-se seja na relação do homem com a natureza exterior pelo trabalho, seja em relação com os outros homens pela sociedade; b) nível da situação histórica é definido pelo estágio das forças e relações de produção e pelo fenômeno da alienação social que resulta da inadequação deste estágio às exigências de realização da natureza humana[xix].
A Lumem Gencium diz que é realmente desta união que procede a família, na qual nascem os novos cidadãos para a sociedade humana (11 e 36). A sociabilidade humana, segundo Compêndio, não é uniforme, mas assume multíplices expressões. O bem comum depende, efetivamente, de um são pluralismos sociais. As múltiplas sociedades são chamadas a constituir um tecido unitário e harmônico, onde cada uma possa conservar e desenvolver a própria fisionomia e autonomia (151), em suma.
A vida é o primeiro direito da Cidadania?
A vida humana não foi tão questiona quanto hodieno. Ela está sendo um meio pelo qual o próprio ser humana perca a sua dignidade, ao passo que ela, cada dia, é vilipendia seja pela força do direito seja pela influência dos Magistrados. Tendo, com isso, uma desvalorização deste fato que é a vida, vida que todo a todos os homens existentes. O ser humano tem a sua vida como direito a adquirir, na atualidade. Tais fatos, acontecendo em desarmonia com a vida, faz-se necessário saber se a vida é mesmo o primeiro direto da cidadania.
O Concílio Vaticano II nos ensina que "A raiz dos direitos do homem, com efeito, há de ser buscada na dignidade que pertence a cada ser humano" (GS, 27). "Tal dignidade, conatural à vida humana e igual em cada pessoa, se apreende antes de tudo com a razão. O fundamento natural dos direitos se mostra ainda mais sólido se, à luz sobrenatural, se considerar que a dignidade humana, doada por Deus e depois profundamente ferida pelo pecado, foi assumida e redimida por Jesus Cristo mediante a Sua encarnação, morte e ressurreição.
A fonte última dos direitos humanos não se situa na mera vontade dos seres humanos mas no mesmo homem e em Deus seu Criador" (Pacem in terris, 55).
João Paulo II fala que "A doutrina social da Igreja discorre a partir da razão e do direito natural, isto é, a partir daquilo que é conforme à natureza de todo o ser humano" Deus caritas est, 28). Reforça ainda dizendo que todos os seres humanos "necessitam sempre de algo mais que um tratamento apenas tecnicamente carreto: têm necessidade de humanidade, precisam da atenção do coração" (31).
O Compêndio da Doutrina Social da Igreja diz que "O primeiro direito a ser enunciado neste elenco é direito à vida, desde o momento da sua concepção até ao seu fim natural" (Evangelium vitae, 2).
"O respeito de tal direito assume um valor emblemático «do autêntico progresso do homem em todos os regimes, em todas as sociedades e em todos os sistemas ou ambientes" (Redemptor hominis, 17).
Diante de tudo isso, "A vida humana é, com efeito, o bem mais precioso para cada pessoa e também para toda a humanidade"[xx]. A vida, segundo o jurista Ives Gandra da Silva Martins, "é o maior bem a ser defendido pelo Direito"[xxi]. Assim, delineia o filósofo brasileiro Luiz Henrique Cascelli de Azevedo, "a vida humana seja revalorizada"[xxii].
"Existe, infelizmente, uma distância entre a "letra" e o "espírito" dos direitos do homem" (RH, 17). Comente, brevemente esta frase.
Com a mudança de significado dos conceitos, fica, também, um vazio em tudo aquilo que se refere ao homem. As coisas, então, tocam o ser humano de forma a torná-lo sempre mais impessoal frente às suas relações. Deixando uma distância entre aquilo que é real daquilo que é imaginário, fazendo com que o espírito do homem seja tido como uma coisa fora dele, sem nenhuma ligação com seu corpo.
O Papa Bento XVI, contudo, adverte que "Se o homem aspira a ser somente espírito e quer rejeitar a carne como uma herança apenas animalesca, então espírito e corpo perdem a sua dignidade" (Deus caritas est, 5).
Quando prevalece a distância entre a "letra" e o "espírito" dos direitos do homem, o respeito torna-se puramente formal. Não consegue atingir o homem em sua totalidade e, com isso, o toma como realidade separada entre corpo e alma.
A filosofia Ocidental, no entanto, descreve que o homem é um ser composto (syntheton) de psyché (alma) e de sôma (corpo). A psyché é, portanto, a perfeição ou o ato (entelécheia) do corpo organizado, e essa é a sua perfeição.
A reflexão antropológica de Agostinho segue a compreensão do corpo na unidade de essência do homem que permanece uma exigência fundamental da doutrina da criação e dos pressupostos antropológicos do mistério da Encanação do Verbo[xxiii].
Sócrates, na transição socrática, trata da alma (psyché) e "vida interior". A "alma" (psyché), segundo Sócrates, é a sede de uma areté (excelência ou virtude) que permite medir o homem segundo a dimensão interior na qual reside a verdadeira grandeza humana. É na "alma", que tem lugar a opção profunda que orienta a vida humana segundo o justo ou o injusto, e é ela, que constitui a verdadeira essência do homem, sede de sua verdadeira areté.
Assim, no resgate pelo conceito originário de cada palavra o homem chega aos valores que lhe tocam, sem mesmo excluir de sua própria existência aquilo que lhe é próprio: o corpo e alma.
Bibliografia
A. FLECHA, José-Román. Vida cristã vida teologal, p. 26.
CASCELLI DE AZEVEDO, Luiz Henrique. Fenomenologia, morte e incompletude. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 64.
Catecismo Da Igreja Católica.
Compêndio da Doutrina Social da Igreja/ Pontifício conselho "justiça e paz". Tradução da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2005.
SANTE, Carmine di. Responsabilidae como êxodo do eu.
d'ABADIA, Joacir Soares. Destaque: Ln te ipsum redi. In: ____ O SEMINÁRIO. Jornal – edição mensal. Novembro-Dezembro/2006, ano XI, n 64, p 5.
FERREIRA, Alice Teixeira, et al. Vida: o primerio Direito da Cidadania. Goiânia Goiás: Gráfica e Editora Bandeirante Ltda, 2005, p. 6.
LIMA VAZ, Henrique C., Antropologia Filosófica. Vol. I e II, Edições Loyola, São Paulo 2004.
Pastoral Social: estudos da CNBB. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 1978).
Pontifício Conselho "Cor Unum". A fome no mundo um desafio para todos: o desenvolvimento solidário - 4 de Outubro de 1996, n. 22.
[i] Compêndio da Doutrina Social da Igreja/ Pontifício conselho "justiça e paz". Tradução da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 71, n. 105.
[ii] Compêndio da Doutrina Social da Igreja/ Pontifício conselho "justiça e paz". Tradução da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 71, n. 108.
[iii] SANTE, Carmine di. Responsabilidae como êxodo do eu. p. 59.
[iv] Ibid., p. 61.
[v] Cf. d'ABADIA, Joacir Soares. Destaque: Ln te ipsum redi. In: ____ O SEMINÁRIO. Jornal – edição mensal. Novembro-Dezembro/2006, ano XI, n 64, p 5.
[vi] Cf. LIMA VAZ, Henrique C., Antropologia Filosófica. Vol. I e II, Edições Loyola, São Paulo 2004.
[vii] Compêndio da Doutrina Social da Igreja/ Pontifício conselho "justiça e paz". Tradução da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 71, n. 164.
[viii] Pastoral Social: estudos da CNBB. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 1978).
[ix] Cf. Catecismo Da Igreja Católica, n. 1.906, que contém a definição do «bem comum», retomada da Gaudium et spes, 26 § 1: «Por bem comum deve entender-se "o conjunto das condições sociais que permitem, tanto aos grupos como a cada um dos seus membros, atingir a sua perfeição, do modo mais completo e adequado".
[x] Cf. Pontifício Conselho "Cor Unum". A fome no mundo um desafio para todos: o desenvolvimento solidário - 4 de Outubro de 1996, n. 22.
[xi] Compêndio da Doutrina Social da Igreja/ Pontifício conselho "justiça e paz". Tradução da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 71, n. 165.
[xii] Cf. Catecismo Da Igreja Católica, § 1731.
[xiii] Cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja/ Pontifício conselho "justiça e paz". Tradução da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 71, n. 199.
[xiv] Ibid., 200.
[xv] Cf. uma ética para nuestro tiempo, p. 1.
[xvi] A. FLECHA, José-Román. Vida cristã vida teologal, p. 26.
[xvii] SANTE, Carmine di. Responsabilidae como êxodo do eu. p. 58.
[xviii] Idem.
[xix] Cf. LIMA VAZ, Henrique C., Antropologia Filosófica. Vol. I e II, Edições Loyola, São Paulo 2004.
[xx] Cf. FERREIRA, Alice Teixeira, et al. Vida: o primerio Direito da Cidadania. Goiânia Goiás: Gráfica e Editora Bandeirante Ltda, 2005, p. 6.
[xxi] Ibid,. p. 45.
[xxii] Cf. CASCELLI DE AZEVEDO, Luiz Henrique. Fenomenologia, morte e incompletude. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 64.
[xxiii] Cf. LIMA VAZ, Henrique C., Antropologia Filosófica. Vol. I e II, Edições Loyola, São Paulo 2004.
*Estudou Filosofia e cursa Teologia no SMAB. Foi finalista no concurso internacional de filosofia da Revista Antorchacultural em 2007 e 2008. Em 2007 Com a obra "Riqueza da Humanidade..." e em 2008 com a obra "Opúsculo do conhecer". Têm vários artigos publicados em Jornais tanto de Brasília como de Formosa Goiás; além de manter mensalmente a coluna "Filosofando" do jornal "Alô Vicentinos".