A Noção do Que Seja Masculino na Nossa Cultura
Por Vania Maria Feitoza de Azevedo Silva | 17/03/2010 | Arte"Um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria
Que o mundo masculino tudo me daria
Do que eu quisesse ter
Que nada, minha porção mulher que até então se resguardara
É a porção melhor que trago em mim agora
É o que me faz viver
Quem dera pudesse todo homem compreender, ó mãe, quem dera
Ser o verão no apogeu da primavera
E só por ela ser
Quem sabe o super-homem venha nos restituir a glória
Mudando como um Deus o curso da história
Por causa da mulher
Quem sabe o super-homem venha nos restituir a glória
Mudando como um deus o curso da história
Por causa da mulher"
(Super-Homem, a Canção - Gilberto Gil)
Nossa civilização tem como uma de suas características o androcentrismo, ou seja, é centrada na figura do masculino. Por séculos tem sido forjado o estereótipo de dependência e infantilização do feminino em detrimento da força e da proteção masculina. Na história de todas as culturas a mulher está confinada ao lar, subordinada ao pai e depois ao marido, ocupando-se de tarefas domésticas tais como gerar e educar os filhos, cuidar da alimentação e manutenção da casa. Esta condição parece estar superada nos grandes centros urbanos e onde, por necessidades criadas pelo capitalismo, a mulher ocupa espaço nos mais diversos campos de trabalho e garante sua autonomia. Entretanto, apesar do esboço de tal situação feminina, mesmo onde a liberação parece consolidada, ocorrem formas sutis de dominação, muitas vezes consentida, se levarmos em consideração que a mulher que trabalha fora cumpre dupla jornada de trabalho, uma vez que assume as tarefas domésticas como sendo "naturalmente" incumbência feminina.
O estereótipo masculino dominante em nossa cultura exige que o homem demonstre auto-suficiência, independência, prove superioridade em relação aos outros, que revele coragem, audácia e, de certa forma, agressividade. Observa-se a intensificação do sonho de onipotência masculina nas imagens do caubói duro viril, impassível e solitário, do Exterminador ou do Rambo, por exemplo.
SCARDUA, referindo-se ao equilíbrio afetivo entre os seres vivos como uma (r)evolução no nosso desenvolvimento psicológico, defende a existência de um vínculo entre a oposição e a complementação. Em sua linha de pensamento destaca aspectos do feminino e do masculino, o prejuízo da supervalorização dos aspectos representados pelo masculino e a proposta de transição para uma fase do desenvolvimento humano mais justa e igualitária através do "resgate dos aspectos femininos submersos no útero primordial da nossa psique".
A superioridade masculina pode ser entendida como um mito que através dos séculos apresenta o homem como dotado de maior força física, com estrutura para encarar diversidades, como caçador, guerreiro e competitivo. A mulher, fisicamente mais frágil, apresenta a sensibilidade, a ternura, a intuição, a cooperação, a capacidade de gerar vidas. As sociedades patriarcais insistem em estabelecer a noção de "homem" e "mulher" como entes separados e opostos, não admitindo a complementaridade existente entre as duas forças.
Os prejuízos decorrentes destes conceitos são expressos no mito do "Superman" de acordo com o qual a virtude do herói se humaniza. Todavia a imagem dotada de super poderes se sobrepõe à imagem do homem que o encarna, medroso, tímido, embaraçado, sensível à matriarcal Mirian Lane, enamorada do Superman.
É possível que seja conflitante para uma mulher assumir comportamentos que tenham significados e assimilação com o comportamento masculino. Da mesma forma homens que recorrem à atividades consideradas femininas, como a dança, por exemplo, são considerados "efeminados" por assumirem uma postura "delicada", mais afetiva.
Ainda de acordo com SCARDUA, "ao encontrar-se com a fluidez dos sentimentos presentes no feminino, a rigidez das leis masculinas representadas pelas regras da civilização, pode tronar-se sensível às necessidades do outro e, com isso reconhecer e aceitar a diversidade e a diferença." Essa seria a grande contribuição ou o ponto de partida para se romper preconceitos e para a construção de uma sociedade mais justa.
Entendendo ser necessária a busca pelo equilíbrio que concretiza a complementaridade entre os opostos e considerando a contribuição da Arteterapia para a consecução deste objetivo, vale citar URRUTIGARAY (2006) quando afirma que
"Entender a arte como uma tentativa dos seres humanos de representar suas experiências performáticas, como os encontrados em movimentos como os da dança, na poesia, em narração de histórias, nas composições musicais, nas peças teatrais; ou naquelas mediadas por instrumentos, como pela tinta, argila, sucatas, etc., é determinar que o fazer arte para a arteterapia resulta, simultaneamente numa prática que vincula as áreas distintas de construção de conhecimento e, consequentemente, de desenvolvimento pessoal."
Através da linguagem da arte, da percepção da forma criada é possível o favorecimento do desenvolvimento e da formação da consciência. Neste sentido a Arteterapia pode contribuir para a mudança de atitude e comportamento frente a necessidade de harmonizar a fúria egoísta e destrutiva da polarização excludente que carregamos dentro de nós, conduzindo-nos ao encontro das polaridades feminina e masculina.
TÉCNICAS SUGERIDAS
Filmes - SUPERMAN, O FILME; A BELA E A FERA.
Músicas - MASCULINO E FEMININO (Pepeu Gomes); SUPER HOMEM, A CANÇÃO (Gilberto Gil).
DESENVOLVIMENTO:
A partir do filme ou da música, propor a realização de atividade expressiva com argila, colagem, pintura ou outra. A reflexão seria conduzida a partir de temas como: Identificar a minha "porção mulher", o meu "lado masculino"; O por que de se caracterizar como tal; Descrever fragilidades e forças contidas em cada um; Descobrir as potencialidades escondidas, os desejos os sonhos, as maneiras de realizá-los.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANHA, M. L. A. e MARTINS, M. H. P. Temas de Filosofia. São Paulo, Moderna, 1992
COUTINHO, Vanessa. Arteterapia com Crianças. Rio de Janeiro: Wak, 2009
URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens. Rio de Janeiro: Wak, 2003
Artigos:
A Mulher Essencial, por Ricardo Antonio Penschi (www.espacoacademico.com.br)
O Feminino e o Masculino, por Angelita Corrâ Scardua (http://grupopapeando.wordpress.com)