LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL - POSICIONAMENTO EVOLUTIVO

1.Origem da Lei de Responsabilidade Fiscal

O processo de deteriorização das contas públicas municipais brasileiras iniciou-se através dos inúmeros problemas acumulados na sociedade que dependem de grandes investimentos para serem sanados de forma definitiva. A repetida acumulação de capitais gerados no país nas mãos de poucos indivíduos fez com que se criasse uma maior concentração de renda com efeitos negativos sobre a qualidade de vida de uma larga faixa da população.

Há décadas verificamos que convivemos com uma história de desmandos por parte de muitos gestores da administração pública em nosso país, além de verdadeiros indicadores de distorções das atribuições do Estado, numa sociedade democrática em que observamos clara tendência à apropriação privada do patrimônio público.

Nesse contexto, visando a reforma do Estado que vem ocorrendo em vários países nas últimas décadas, é que surge a Lei de Responsabilidade Fiscal tendo como diretriz a substituição da administração pública burocrática pela gerencial e, desta forma, aumentando a eficiência na prestação dos serviços à sociedade, incentivando o crescimento e desenvolvimento econômico e social do país. Dessa maneira é que foi elaborada a Lei de Responsabilidade Fiscal no Brasil, que com algumas alterações, guarda similaridades com leis de outros países, tais como, Nova Zelândia, Argentina, Estados Unidos, Peru, México e Grã-Bretanha.

A disciplina constitucional para a lei fiscal está resguardada pelo artigo 24 que trata da competência concorrente para legislar sobre o direito financeiro, bem como pelos artigos 163 e 165, parágrafo 9º que determina à lei complementar a regulamentação da matéria financeira.

Assim, nasce a questão da aplicabilidade da Lei Complementar n.º 101/2000 aos Estados, ao Distrito federal e aos Municípios, pois a União limitar-se-á estabelecer regras gerais no âmbito da legislação concorrente, conforme disposto no artigo 24, parágrafo 1º da CRFB.

Atualizando essa reflexão para os dias atuais, não é difícil constatar que, salvo raras e honrosas exceções, as antigas práticas do coronelismo, do nepotismo e da centralização da tomada de decisão para atender a interesses de poucos, em prejuízo da maioria, ainda são características marcantes em diferentes instâncias da gestão pública. Ultimamente, com a democratização da sociedade, desvios de toda ordem, verdadeiros indicadores de irresponsabilidade nas gestões financeiras dos Estados, Distrito Federal, da própria União e, principalmente, dos municípios brasileiros passaram a fazer parte do noticiário.

Nessa realidade, a sociedade assiste, perplexa e indignada, a denúncias sobre, corrupção, desvio de bens e de verbas públicas, fraudes em processos de licitação, superfaturamento de obras e/ou serviços, uso eleitoreiro de obras, que, ao longo dos anos, permanecem inacabadas, publicidade oficial para promoção pessoal, contratação de servidores sem concurso; em síntese, uma série de práticas delituosas que objetivam o enriquecimento de alguns, à custa do erário.

Assim esclarece Carlos Pinto Coelho Motta (2000, p. 21):

Os recursos públicos são, acertadamente, considerados como elementos vitais do organismo político, uma vez que o mantém vivo e em atividade, habilitando-o a cumprir suas funções essenciais... Se houver deficiência, nesse particular, ocorrerá um dos seguintes malefícios: ou o povo ficará sujeito a contínuos saques, em substituição a um modo mais convincente de atender às necessidades públicas, ou o governo mergulhará em fatal atrofia, não tardando muito a perecer.

Como se percebe, esses problemas de má administração pública tem suas origens provenientes de desvios históricos, através do mau uso dos recursos públicos e, nessa perspectiva, na falta de mecanismos reguladores e de controle da gestão de arrecadação, aplicação e controle do uso dos recursos disponíveis. Neste particular, carecemos de políticas públicas conseqüentes e responsáveis que possam atender às necessidades mais elementares da população bem como alcançar um equilíbrio das contas públicas já que nos deparamos com um setor público muito endividado.

Em conformidade com o explicitado, a Lei Complementar n.º 101/2000, que trata das finanças públicas e regulamenta o artigo 165, §9º da Constituição Federal, constitui passo importante e necessário, que, associado a outras medidas, pode representar mudança significativa nas práticas públicas, em suas diferentes instâncias.

Nas palavras de Kiyoshi Harada (2001, p. 230), reflete:

[...] quando a administração pública é orientada por um projeto político sério e conseqüente, os gestores assumem a tarefa de coordenar as iniciativas dirigidas para compatibilizar a aplicação das receitas com as necessidades e demandas prioritárias da sociedade, estabelecendo metas derivadas do interesse público.

2.Conceitos

Acerca da Lei de Responsabilidade Fiscal, cujos dispositivos estão direcionados às atividades financeiras e à gestão fiscal responsável, cabe analisar a palavra responsabilidade, que advém "de responder", do latim respondere, atraído no significado de responsabilizar-se, garantir, cumprir as obrigações que adquiriu, assumir o pagamento do que se obrigou ou do ato praticado, em suma, é a obrigação de responder pelas consequências dos próprios atos praticados.

No tocante ao conceito de transparência introduzido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, temos aqui um principio segundo o qual se exige da administração pública ampla divulgação de seus planejamentos bem como de seus resultados e cria novas peças destinadas a este fim, dando prévio conhecimento de todos seus atos praticados através da sua publicação nos órgãos oficiais.

As atividades financeiras são as inúmeras funções exercidas não só pelo homem ao atuar profissionalmente, afim de proporcionar o bem-estar de sua família, assim como o bem-estar social, o progresso e o desenvolvimento em diversas áreas, mas também as atividades exercidas pelo Estado que, dentre várias atribuições, precisa buscar, para sua sobrevivência, receita com a finalidade de revertê-la na manutenção das necessidades públicas, que são os bens ou serviços que trazem maior conforto e comodidade ao cidadão.

Consequentemente, esses bens e/ou serviços geram a necessidade de o Estado procurar os meios para obter as finanças indispensáveis para satisfazê-las. Assim, Aliomar Baleeiro (1998, p.2) aduz que as atividades financeiras seriam obter, despender, gerir e criar o dinheiro indispensável às necessidades, cuja satisfação o Estado assumiu.

Convergindo nesse mesmo prisma, Luiz Celso de Barros (2001, p.24) opina:

Obter, representa a RECEITA PÚBLICA; despender, a DESPESAPÚBLICA; gerir, o ORÇAMENTO PÚBLICO, e criar, o CRÉDITO PÚBLICO. Neste diapasão, a atividade financeira do Estado volta-se para obter a soma de dinheiro indispensável para a sua manutenção, revertendo-a em despesas, para seus gastos, gerindo, administrando, cuidando da receita e despesa, através de uma peça chamada Orçamento, aomesmo tempo em que, diante de certas conjunturas, ele cria novas fontes de receitas, utilizando de seu Crédito, quer para suprir uma deficiência de caixa, ou para atender um programa de governo.

Indubitavelmente, a Lei de Responsabilidade Fiscal surgiu para modificar o rumo da história da administração pública no país, cujo ideal é proporcionaruma importante contribuição no aumento das receitas próprias, permitindo que os recursos sejam utilizados em prol da sociedade beneficiando a população, uma vez que reforça os alicerces do desenvolvimento econômico sustentado, sem endividamento excessivo, pois não cria artimanhas para encobrir erros de uma gestão fiscal ruim.

3.Natureza Jurídica da Lei de Responsabilidade Fiscal

A regulamentação das finanças públicas, através da Lei de Responsabilidade Fiscal, teve como mandamento o disposto no art. 163 da Constituição Federal, que teve a preocupação de estabelecer mecanismos de equilíbrio das contas públicas, dando-lhes maior clareza, prevendo meios e até ajuda financeira por parte da União para com os Estados e municípios para a modernização da máquina arrecadadora das receitas públicas.

Destarte, com pouco mais de 7 anos, a Lei de Responsabilidade Fiscal já vem produzindo resultados significativos no sentido de direcionar os gestores públicos para que não gastem mais do que arrecadam.

Tendo como foco principal obrigar todos os gestores públicos a respeitarem às normas e limites para administrar as finanças, prestando contas sobre o quanto e como gastam os recursos sociais e melhorando a administração das contas públicas brasileiras, a Lei de Responsabilidade Fiscal tem caráter e natureza complementar, uma vez que destina-se a regulamentar a ConstituiçãoFederal no que dispõe, em particular, à parte da Tributação e do Orçamento.Luiz Emygdio F. da Rosa Jr. (2001, p. 111) ao esclarecer que a Constituição Federal preocupou-se em assegurar o princípio da transparência fiscal, leciona:

A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000) destina-se a regulamentar a Constituição Federal, na parte da Tributação e deOrçamento, cujas normas gerais de finanças públicas devem ser observadas pelos três níveis de governo: Federal, Estadual e Municipal.

Ademais, o fundamento da Lei de Responsabilidade Fiscal está contida nos artigos 163, como já citado, à 169 da Constituição Federal, visando atender o que expressam a intenção do legislador de promover uma administração financeira eficiente, atendendo ao critério de maior transparência na gestão do gasto público, de modo que os mecanismos de mercado e processo político sirvam como instrumento de controle e de punição daqueles que não tem responsabilidade na administração da coisa pública.

4.A Lei de Responsabilidade Fiscal como um código de conduta para os gestores públicos.

A Lei de Responsabilidade Fiscal proporciona uma mudança cultural e institucional na administração dos recursos da sociedade através do equilíbrio das contas públicas. Assim, por força dos deveres jurídicos trazidos pela Lei Complementar Nº 101/2000, os gestores públicos ficam subordinados as normas estabelecidas pela lei onde a violação desses deveres à responsabilidade, acarretará prestação consubstanciada em sanções institucionais e contra os próprios sujeitos que servem ao poder público.

O texto legal é nítido face ao seu caráter obrigacional, uma vez que sua natureza jurídica não é modificada ante a seu conjunto orgânico como norma geral pois está atrelada as finanças públicas. Portanto, a norma jurídica da Lei de Responsabilidade Fiscal é de caráter financeiro, não devendo-lhe ser atribuída à inconstitucionalidade formal, tendo em vista uma eventual inobservância a princípios decorrentes da competência legislativa concorrente, inserida no artigo 24 da Constituição Federal.

Destarte, as leis complementares, embora complementem a Constituição Federal, nem sempre pertencem ao direito constitucional, porque sua função complementar, por mais que seja de caráter fundamental, refere-se ao conteúdo das normas integradas e da natureza desse conteúdo retiram sua própria natureza.

Assim, a lei em comento, por maior que seja a ambiguidade do seu artigo 1º, é norma de caráter financeiro que visa regulamentar o artigo 163 da Constituição Federal, tendo por finalidade estabelecer normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal.

Nesse prisma, mais do que um código de condutas o que se extrai do instrumento normativo denominado Lei de Responsabilidade Fiscal, é que este é aplicável a todos os entes da federação indistintamente, eregindo-se em um verdadeiro código de obrigações ante a postura danosa de gestores que administram os cofres públicos gastando mais do que arrecadam, deixando dívidas para seus sucessores e assumindo compromissos que tem ciência, de aviso prévio, não poderão adimplir.