A INFLUÊNCIA PORTUGUESA NA CULTURA BRASILEIRA, EM ESPECIAL NA LITERATURA BRASILEIRA

Werner Schrör Leber

 RESUMO 

Neste estudo aborda-se algumas das principais escolas literárias portuguesas e suas possíveis influências na literatura brasileira. Portugal torna-se Estado independente no século XII e de lá vêm também os primeiros estilos literários portugueses, entre os quais o que mais se destacou foi o Trovadorismo. A literatura brasileira tem um grau de dependência da literatura portuguesa à medida que o Brasil era colônia portuguesa na América. Os portugueses firmam colônia na América em uma época em que a Europa vive o Renascimento cultural e artístico. O fim da Idade Média marca o classicismo português, certamente o momento mais marcante da literatura portuguesa em todos os tempos. Se a literatura brasileira estava em atraso em relação a Portugal, também Portugal estava em atraso em relação a França, Alemanha e Inglaterra durante o período da Luzes e também após ele. A literatura brasileira torna-se mais forte ao longo do século XIX. A produção literária brasileira, antes do Modernismo, esteve sempre dependente de idéias e motivos políticos vindos do Velho Mundo.   

Palavras-chave: Classicismo. Romantismo. Modernismo. 

1 INTRODUÇÃO 

Como se verá ao longo de nosso texto, a literatura brasileira, em grande parte viveu a reboque da literatura trazida pelos portugueses ao Brasil. Nem poderia ser diferente. O Brasil foi apenas um dos territórios que se tornaram colônia portuguesa desde o Renascimento europeu.

A língua de Portugal seria expandida para várias outras partes do mundo, entre elas o Brasil, que foi sua colônia mais importante e é hoje o mais influente país de fala lusitana do mundo. Os movimentos literários portugueses foram importantes para o estabelecimento da cultura portuguesa em território americano.

Embora o Brasil tivesse recebido, posteriormente, a influência de várias outras culturas, como a africana, por exemplo, ou a italiana e nipônica no Sudeste, ou ainda a alemã, ucraniana, polonesa e italiana no Sul, foi a cultura portuguesa que se estabeleceu de modo mais visceral.

Também sob o aspecto religioso isso se mostra. O fato de o Brasil ser considerado um país católico, por exemplo, tem uma relação direta com a cultura religiosa presente em Portugal. A forma de tratar questões dogmáticas ligadas à tradição romana saiu da teologia e firmou-se como um estilo literário, cujas influências foram grandes aqui no Brasil por intermédio do Padre Antônio Vieira (1608-1697). Não só, mas também por esse motivo, sua obra figura entre as mais importantes da língua portuguesa.[1]

Mas a literatura portuguesa, ou, a literatura em Portugal, começou bem antes da chegada de europeus à América. Na Idade Média Portugal, que então ainda nem tinha esse nome, já tinha uma prática literária. É preciso percorrer, mesmo que não de modo exaustivo e crítico como a situação merece, esses caminhos.[2]  

Porque, como é óbvio, as raízes trazidas desde antes da descoberta do Brasil são precisamente aquelas que também deixarão suas marcas na nova colônia portuguesa da América. É possível encontrar a literatura portuguesa ainda no século XII. As primeiras manifestações literárias em língua portuguesa se encontram em torno desse período, conforme Faraco (2003). 

2- BREVE INTINERÁRIO DOS PRIMÓRDIOS LITERÁRIOS EM PORTUGAL 

Antes que se aborde os principais movimentos literários portugueses e suas futuras influências na literatura brasileira, é preciso dizer que Portugal não está fora do contexto europeu dos séculos VIII ao XV.

A história de Portugal funde-se com a história da Europa. Não é possível analisar qualquer acontecimento da cultura portuguesa sem levar em consideração os fenômenos culturais que formaram a Península Ibérica (hoje Espanha e Portugal) e demais regiões européias, como a Itália e a França (SERAPHIM, 2008). 

2.1 MOTIVOS E AUTORES

O século XII marca de modo fundamental e decisivo a cultura e a formação de Portugal. É o período em surge o primeiro estilo literário português, chamado de Trovadorismo, cujos exemplares principais podem ser vistos em textos como “Cantiga de Guarvaia” e Cantiga da Ribeirinha” (SERAPHIM, 2008, p. 09; CAMPEDELLI e SOUZA, 2000, p. 46). É preciso considerar, por exemplo, que em 1090 surge a primeira universidade européia, em Bolonha, na Itália. Em 1170 surgiria a segunda, em Paris, e em 1290 Portugal também teve sua primeira universidade, que se situava em Lisboa. Esses acontecimentos são um impulso para o Renascimento que surgiria cerca de 150 depois. A esse tempo europeu cabe o seguinte comentário:

Nos novos tempos trazidos pelo florescimento do comércio e pelo crescimento das cidades, as atividades culturais escritas se expandiram para muito além dos espaços restritos  dos mosteiros e resultaram em um grande renascimento cultural que marcaria a vida européia daí para frente. Nesse mesmo contexto, desenvolvia-se o interesse em se produzir poesia nas línguas regionais, fato que lançou as bases da literatura européia moderna (FARACO, 2003, p. 511).

 

Outro fator decisivo para a produção literária foi a invenção da prensa, ou da imprensa, como muitos preferem, criada por Gutenberg, em 1455. Houve, por exemplo, a impressão da Bíblia e daí em diante a produção de livros em escala bem mais acelerada do que até então se podia fazer. Esse acontecimento de cunho tecnológico permitiu a expansão da poesia, da trova, da canção e textos históricos rapidamente (FARACO, 2003).

Conforme nos relata nosso comentarista, “a figura de maior destaque nas letras portuguesas no século XV, foi Fernão Lopes” (FARACO, 2003, p. 518). Sua data de nascimento não está registrada de modo preciso. Acredita-se que tenha sido entre 1380 e 1390, mas sabe-se que viveu até 1460. Foi nomeado diretor do Arquivo Geral de Portugal em 1418 e, mais tarde, em 1434, o rei Dom Duarte o nomeou cronista-mor, isto é, uma espécie de historiador cujo objetivo é fazer relatos das administrações e das conquistas do país.

O aparecimento das escolas literárias portuguesas posteriores, como o classicismo e o romantismo, por exemplo, dá-se por caminhos imbricados com história da literatura européia, cujos contornos são amplos demais para serem analisados em um artigo apenas. Porém, merecem ainda destaque João de Barros (1497) e Gil Vicente (1465-1537), além de Luís Vaz de Camões (1524-1580). Esse último, pela sua importância, é um capítulo especial tanto na literatura portuguesa como européia de modo geral. Sua Lírica e sua Épica são de uma profundidade literária que ultrapassam o Renascimento, período dentro do qual surgem. Como lembram os comentadores, “da contraposição tensa entre o ideal e a realidade resulta uma visão trágica e pessimista da vida, que prenuncia o Barroco” (AMARAL, et al., 2000, p. 58).

Tanto Gil Vicente como Fernão Lopes e João de Barros, são autores que se situam dentro de um amplo movimento cultural denominado Humanismo. Luís de Camões, pelo seu estilo, embora esteja situado também cronologicamente dentro do período renascentista e humanista, a sua obra marca precisamente o Classicismo da literatura portuguesa.[3]

Sobre João de Barros e Gil Vicente, o seguinte comentário é muito relevante:

O primeiro, além de escrever uma novela de cavalaria (Crônica do Imperador Clarimundo), foi o grande historiador do período, tendo redigido um extenso relato das descobertas portuguesas e dos feitos de Portugal na Ásia (Décadas). Foi também o autor de uma das primeiras gramáticas de português (Gramática da língua portuguesa) que, publicada em 1540, é clara expressão do interesse dos humanistas pelo estudo das línguas, seja das clássicas (grego, latim, hebraico), seja das modernas. O segundo foi o criador do moderno teatro português. Em sua obra, conjugou as melhores do teatro medieval com os novos valores da cultura renascentista. Suas peças foram, assim, ingrediente fundamental da difusão dos ideais humanistas em Portugal. Constituem, também, um documento importante da vida, costumes, crenças e valores da sociedade portuguesa do início do século XVI (FARACO, 2003, p. 522). 

Mas cabe a Luís de Camões ser o grande ícone de uma poesia autêntica portuguesa do Renascimento, porém, sua obra e seu estilo ultrapassam as características de um momento histórico literário apenas. Até hoje, Camões é uma referência. Assim como dificilmente se poderia falar de filosofia sem mencionar Sócrates e Platão, assim também não se pode falar da literatura portuguesa sem considerar a enorme importância da produção literária deste pensador. Seu estilo marcaria de uma vez por todas a importância da língua portuguesa em todo mundo. 

3- ALGUMAS DAS PRINCIPAIS ESCOLAS LITERÁRIAS PORTUGUESAS E SEUS AUTORES

Passaremos a enumerar a principais escolas literárias portuguesas de acordo com sua época cronológico-histórica. Do período medieval podem ser destacadas duas épocas distintas. A primeira situa-se entre os anos 1189-1434; trata-se de Trovadorismo. A segunda é o Humanismo, que se estende de 1434 a 1527. O período Clássico estende-se de 1527 (publicação de Os Luzíadas) até 1825, quando se inicia o Romantismo iluminista. Esse período histórico é marcado por três fazes distintas: Quinhentismo ou Classicismo (1527-1580); Barroco (1580-1756); Arcadismo (1756-1825).  

Do período Barroco destaca-se Padre Antônio Vieira. Ele nasceu em Portugal, mas veio para o Brasil ainda criança. Tornou-se sacerdote jesuíta e, em 1640, retorna a Portugal. Sua obra é imensa e importante. Tinha, entre outras coisas, a esperança de que Portugal pudesse tornar-se a o “Quinto Império do Mundo” (SERAPHIM, 2008, p. 61). Por ser sacerdote jesuíta, empenhou-se a lutar contra determinadas teologias conservadoras que consideravam, por exemplo, o índio brasileiro alguém de menor valor, sem alma e, portanto, justificavam seus atos cruéis e escravocratas por meio da retórica teológica.

Sobre ele, o comentador traz uma importante afirmação: “[...] é o único autor daquele século (século XVII) a deixar, de fato, uma obra consistente e que ainda nos impressiona, seja pela beleza do estilo, seja pela força de sua elaborada argumentação” (FARACO, 2003, p. 530). Vieira escreve em uma época conturbada para Portugal. Primeiro há a Inquisição na Europa, promovida pela Igreja Romana contra idéias contrárias aos cânones oficiais. Segundo há a questão indígena aqui no Brasil e em terceiro há a situação política de Portugal. Portugal perde sua independência e fica sob a tutela da Espanha. Foi a mais expressiva voz do Barroco português.

De acordo com uma série de autores, muita coisa precisa ser considerada sobre a literatura portuguesa e sua posterior influência no Brasil e também na África, mas nenhuma delas supera a importância de Luís de Camões com Os Luzíadas. Mantendo uma semelhança com os textos épicos gregos Ilíada e Odisséia de Homero, Camões compôs um texto com dez contos, 1102 estrofes regulares, tendo cada estrofe oito versos. No total contam-se 8816 versos em seu texto, conforme Campedelli e Souza, (2000, p. 66). Trata-se de uma obra genial. 

 4 OS SÉCULOS XVIII E XIX NA LITERATURA PORTUGUESA E BRASILEIRA: COMPARAÇÕES E DIFERENÇAS

A relação entre a literatura portuguesa, ou seja, a sua influência sobre a literatura brasileira não deveria ser buscada antes do século XIX. O Brasil não tem uma idéia nacional antes de 1822. Padre Antônio Vieira é a única exceção. Ele é do Barroco, mas por ter vivido no Brasil e em Portugal, tornou-se uma baliza tanto à literatura portuguesa como à brasileira. Vieira nasce português, vive no Brasil por um tempo, retorna a Portugal e depois regressa ao Brasil, vindo a falecer na Bahia em 1697.

Mas o iluminismo marca a literatura brasileira. Ainda que houvesse literatura brasileira antes de Revolução Francesa, com José de Anchieta e Gregório de Matos, por exemplo, foi a Época das Luzes que marcaria a nossa literatura, ainda que com atraso, se comparada à européia e portuguesa.

O final do século XVIII até o final do século XIX, registra alguns movimentos literários que aconteceram em tempos muito próximos no Brasil e em Portugal. Trata-se do Romantismo, Realismo, chamado também Naturalismo, o Parnasianismo e o Simbolismo. A cultura iluminista surgida na Inglaterra e, de modo bem especial, na França e Alemanha, é o pano de fundo da grande maioria dos temas literários dessas escolas. Veremos alguns aspectos desses movimentos literários, bem como as diferenças e semelhanças entre Portugal e Brasil a respeito de cada uma delas. 

4.1 O ROMANTISMO PORTUGUÊS E BRASILEIRO

O século XIX é marcado pelo Romantismo. Essa é uma influência do iluminismo. Tanto no Brasil como em Portugal, o Romantismo literário inicia-se no início do século XIX. Em Portugal, por volta de 1825 com Almeida Garret e no Brasil, não muito tempo depois, por volta de 1830, com a publicação de Suspiros Poéticos e Saudades (CAMPEDELLI e SOUZA, 2000).

Mas tanto Portugal quando o Brasil estão em atraso em relação à Europa Setentrional e Peninsular (Inglaterra). Na França e na Alemanha, por exemplo, justamente por serem países onde a filosofia iluminista surgiu e se solidificou, o romantismo surgiu bem antes. A Revolução Industrial, o liberalismo econômico estão entre os fatores de que propiciaram uma nova forma literária nesses países ainda na segunda metade do século XVIII. O problema iluminista tem na França o vanguardismo de idéias porque, 

[...] promoveu a liberdade do indivíduo, rejeitou o absolutismo e levou ao poder a burguesia. A nobreza perdeu o poder político e econômico, e a burguesia passou a ditar novos valores. A euforia provocada pela Revolução, associada à possibilidade de ascensão econômica e individual, é o suporte e inspiração de uma literatura que retrata emoções individuais. [...] o Romantismo foi, sobretudo, um movimento de negação à estética clássica. [...] Muito menos rígidos quanto a padrões, os românticos cultuavam as razões do coração e a rebeldia individual (CAMPEDELLI e SOUZA, 2000, p. 103). 

Mas Portugal está em atraso também. O século XVII, no qual ficou submisso a Espanha, fez de Portugal um país onde o Romantismo só chegaria bem mais tarde. Portugal está submerso em problemas regionais com os mouros também.  Além disso, a cultura protestante, surgida no século XVI na Alemanha, Suíça e Holanda, não chegou em Portugal. Se considerarmos que o iluminismo tem também motivações religiosas, ver-se-á que a tradição protestante teve um peso considerável na nova visão de mundo que surgia na Europa. Mas é no campo econômico que acontecerá a maior mudança. O surgimento do protestantismo, no dizer do comentador “[...] rompeu a hegemonia religiosa de Roma e dividiu a cristandade européia em dois grandes grupos” (FARACO, 2003, p. 529).

Como início do Romantismo europeu, considera-se a obra Werher, de Goethe, publicada em 1774, o marco inicial. Se considerarmos que em Portugal o início dá-se apenas em 1825, fica evidente o atraso em relação a outros centros europeus.

O Romantismo português e brasileiro ocorrem logo após a Independência do Brasil, acontecida em 1822. O Brasil quer deixar de ser colônia da Metrópole e conspira contra o dominador. Ainda que a literatura romântica não seja o único aspecto da questão política, não dá para negar que os ideais libertários surgidos na Colônia Portuguesa da América tenham sua fundamentação no iluminismo, no princípio da liberdade, suscitado pelo Romantismo iluminista. Veja-se a seguinte consideração que contribui à idéia acima apresentada: 

A instauração do Romantismo no Brasil coincidiu com o processo de afirmação de nossa independência. Os ideais políticos, artísticos e sociais dessa corrente literária vinham ao encontro das aspirações de criar no país uma efetiva consciência nacional. Significativamente, porém, o primeiro “grito” mais consciente do movimento não veio do país, mas de brasileiros que estavam em Paris: “Tudo pelo Brasil e para o Brasil” dizia a epígrafe da Niterói – Revista Brasiliense (1836) (CAMPEDELLI e SOUZA, 2000, p. 103). 

Há, portanto, uma relação política entre o período romântico português e brasileiro. Em Portugal o movimento dura aproximadamente 40 anos, vindo a se extinguir em 1865. No Brasil o Romantismo se estende até o entorno de 1880, quando, pelas mentes críticas de Machado de Assis e Aluízio Azevedo, o Realismo passa a predominar na literatura brasileira.

Em Portugal uma polêmica literária, denominada Coimbrã, marca o fim do Romantismo. No Brasil, somente eventos políticos de Estado, como a Abolição da Escravidão e a Proclamação da República, ocorridos respectivamente em 1888 e 1889, põem fim ao Romantismo literário. Mas esses acontecimentos políticos só ocorrem por pressão internacional da Inglaterra sobre o Brasil. Além de carecer de uma escola literária autêntica, uma escola com a marca da brasilidade, nossa literatura imitava os motivos e as aspirações européias que aqui chegaram via Portugal que, por seu turno, também já havia assumido a sua dependência de outros centros literários como França e Inglaterra.  

5 REALISMO EM PORTUGAL E NO BRASIL 

Realismo e Naturalismo são assumidos como sinônimos por determinados comentadores.[4] Estende-se desde meados do século XIX até a primeira década do século XX, em Portugal, e de 1881 aproximadamente até a Semana de Arte Moderna, 1922, no Brasil.[5] Outro elemento cultural surgido na França, o Positivismo de August Comte, é a marca característica do pensamento naturalista, e entraria nas produções literárias naturalistas (realistas), tanto de Brasil como de Portugal.

No caso brasileiro isso se manifestou mais intensamente por meio da idéia de Progresso suscitada pela corrente filosófica positivista francesa. Seu reflexo mais imediato se mostra na Bandeira Nacional do Brasil onde se lê as palavras do positivismo de August Comte: Ordem e Progresso. Em nenhum outro país o Positivismo teve tanta influência como no Brasil. Nem mesmo na França, onde surgiu.

O Positivismo é uma corrente de pensamento filosófica derivada, de certo modo, dos ataques feitos pelo iluminismo à metafísica tradicional. A forma como o cientificismo positivista adentra à literatura portuguesa e brasileira tem muitas facetas. Mas o que importa é que as literaturas Realista e Naturalista têm os reflexos das idéias naturalistas praticadas no século XIX, considerado o século das ciências naturais.

A crença no progresso, na capacidade racional do homem de se livrar de mazelas milenares, fez do ideário científico a pauta de querer representar bem o real e natural. Na verdade, real e natural são sinônimos nesse caso. Só há realidade naquilo que é natural. Também a teoria de Darwin, o evolucionismo natural e biológico dos seres vivos marca o novo cientificismo. O Romantismo é metafísico, tem conotações platônicas, religiosas e deístas que já não combinam com a nova mentalidade trazida pelas descobertas científicas. Como assinalam os comentadores Campedelli e Souza (2000, p. 153): “[...] a industrialização, o avanço das ciências e o florescimento de novas correntes filosóficas criaram um ambiente hostil ao sentimento romântico”.

Mesmo que o Realismo português tenha surgido antes do brasileiro, o que ocorreu por razões que são óbvias, outra vez aqui se manifesta o atraso brasileiro do Brasil em relação a Portugal, e de Portugal em relação a outros países europeus como, França, Alemanha e Inglaterra.

Em Portugal seu início se dá por volta de 1865 e no Brasil considera-se as publicações de Machado de Assis (Memórias Póstumas de Brás Cubas) e de Aluísio Azevedo (O Mulato), ambas de 1881, os primórdios do Realismo brasileiro.

Todavia, se é forçoso falar que Portugal esteve em atraso em relação à França e Inglaterra, é pelo menos justo reconhecer que as fontes, os motivos, as críticas que o naturalismo levanta não surgem em território português. Portugal também já era influenciado por outros países e sua literatura seguia padrões franceses, alemães e ingleses. O mesmo viria a ocorrer no Brasil, porém, com relativo atraso em relação a Portugal e, sobretudo, à Europa Setentrional e Peninsular. Pode-se falar aqui em moda copiada.

A literatura brasileira é uma espécie de literatura européia praticada no Brasil, mas em cronologia histórica diferente. Seria uma cronologia anacrônica. Ainda que os termos “cronos” e “anacronos” sejam mutuamente excludentes, isto é, uma coisa não pode ser cronológica e ao mesmo “anacronológica”. Mas para marcar o paradoxo que caracteriza, em grande parte, as escolas literárias portuguesas e sua influência nos movimentos literários brasileiros, achamos que caracterizá-las assim, ainda que incoerente, é uma incoerência semanticamente feliz. 

6 O MODERNISMO PORTUGUÊS E BRASILEIRO

Como é preciso ter um marco para caracterizar o início de um período literário para diferenciá-lo do anterior, considera-se que o início do Modernismo português se deu em 1915 quando um grupo de poetas reuniram e publicaram, na revista Orpheu, uma seleção de textos com uma estética diferente da do realismo. Entre esses poetas estava o lendário Fernando Pessoa (1888-1935), certamente a mais expressiva e conhecida voz do modernismo português (FARACO, 2003, p. 541).

No Brasil considera-se como marco inicial do Modernismo Literário, a Semana de Arte Moderna, acontecida em São Paulo, cujo objetivo central consistia em analisar a Independência brasileira ocorrida 100 anos, em 1822. O Modernismo brasileiro e português estavam condicionados pelos acontecimentos vanguardistas que aconteciam na França e também na filosofia alemã. Para tratar da influência filosófica francesa e alemã na literatura chamemos à fala o seguinte comentário: 

Henry Bergson, o filósofo francês criador do intuicionismo, revoluciona o conhecimento, nele destacando o poder da intuição. O pensamento de Friedrich Nietzsche ganha espaço. Esse filósofo, nascido na Alemanha, no século XIX, proclama a morte do Deus soberano e absoluto, em cuja crença se assentava um dos alicerces do universo mental de toda a história cultural do Ocidente (AMARAL, et. al., 2000, p. 219)

Ao lado desses movimentos de pensamento que influenciarão a literatura portuguesa e brasileira, podem ser citados as investigações de Sigmund Freud, o criador do método psicanalítico, desenvolvido por ele ao dedicar-se ao estudo dos sonhos. A psicanálise mostrou que a racionalidade humana não é uma linha reta da qual se tem consciência plena e controle pleno. Forças incontroláveis conscientemente, como a pulsão de morte e a pulsão do prazer, escapam do controle objetivo que a ciência natural pretendia.

A Primeira Guerra Mundial foi um fator que afetou muito mais Portugal do que o Brasil. Mas a visão trágica, a falta de crédito na racionalidade tal como havia sido apregoado pelo Romantismo e pelo Realismo Naturalista, afeta a forma de escrever e de praticar literatura. No caso brasileiro, outra vez se percebe uma certa imitação do que já havia ocorrido na Europa. Não é por acaso que a Semana de Arte Moderna deu-se em São Paulo. Começava ali a trajetória da capital paulistana de principal cidade do país e de centro cultural também, que até então pertenciam à cidade do Rio de Janeiro.

Muitos são os autores que marcaram época no Modernismo brasileiro, mas Mário de Andrade, certamente, está para o Modernismo Literário brasileiro assim como Machado de Assis está para o Realismo Literário brasileiro. Mesmo que se diga que nossos movimentos literários nunca foram tão expressivos como os portugueses e europeus, Machado de Assis e Mário de Andrade, cada um a seu tempo, estão entre os melhores escritores de fala portuguesa de todos os tempos. 

7 CONCLUSÃO

No texto aqui apresentado limitamo-nos a apresentar alguns aspectos de algumas escolas literárias portuguesas e suas possíveis influências na literatura brasileira. Acentuamos brevemente o nascimento da literatura portuguesa. Não tratamos de todos os movimentos literários havidos e nem sempre mencionamos os principais nomes de cada movimento literário apresentado. 

A influência da cultura portuguesa na cultura brasileira é marcante. Porém, é uma relação de submissão e atraso no que se refere aos movimentos literários. Neste estudo aborda-se a influência da cultura portuguesa a partir da literatura a fim de entender alguns de seus reflexos na cultura brasileira posteriormente. O Brasil foi colônia portuguesa. Por essa razão as marcas culturais do colonizador ficaram encravadas na colônia. A própria língua portuguesa é o ponto mais proeminente dessa questão. 

A chegada dos portugueses ao Brasil dá-se em um período em que a Europa vive um tempo novo, o tempo do Renascimento. O Renascimento representou, para a cultura européia, a saída de uma situação de submissão ao modelo teológico eclesiástico do Medievo. Ainda que se possa falar de literatura em território português antes do Renascimento, e, portanto, antes da chegada de portugueses à América, interessa-nos aqui desenvolver as relações que se dão apenas do Renascimento em diante. 

A literatura praticada na Europa de então também chegaria ao Brasil. Mas com relativo atraso. Isso se sucederá também com outras escolas literárias, como, por exemplo, o classicismo e o modernismo. O que marca a relação entre a literatura portuguesa e aquela praticada no Brasil será justamente o atraso com que os movimentos literários do colonizador chegariam ao Brasil.  

Os movimentos políticos europeus marcaram a literatura portuguesa. O Iluminismo, por exemplo, não é um movimento filosófico português, mas francês, alemão e inglês. Se as escolas literárias brasileiras estavam em atraso cronológico em relação aos movimentos políticos que aconteciam na Europa, também é verdade que Portugal, já do século XVII em diante fica a reboque dos principais acontecimentos políticos europeus. 

O que caracteriza o nosso atraso é justamente o fato dos escritores brasileiros, pelo menos até o Modernismo, apenas olharem para a Europa e de lá trazerem suas aspirações literárias. Isso é reflexo da colonização portuguesa no Brasil. Os escritores brasileiros comportavam-se como se os acontecimentos restritamente europeus, fossem também relevantes para o Brasil. Apenas no Modernismo, com a publicação de Macunaína, de Mário de Andrade, surge a expectativa de uma produção literária autóctone no Brasil.

8 REFERÊNCIAS 

AMARAL, Emília [et. al]. Português: novas palavras; literatura e gramática. São Paulo: FTD, 2000. (Coleção: Ensino Médio, Volume Único). 

CAMPEDELLI, Samira Yousseff e SOUZA, Jésus Barbosa. Português: literatura, produção de textos e gramática. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000. 

FARACO, Carlos Alberto. Português: língua e cultura. Curitiba: Base Editora, 2003. (Ensino Médio; Volume Único). 

SERAPHIM, Damir Bernardinho. Literatura portuguesa. Indaial, SC: Editora da Uniasselvi, 2008 (NEAD: Cadernos de Estudos do Núcleo de Estudos a Distância). 

VIEIRA, Padre Antônio. Sermões: Tomo II. Organização de Alcir Pécora. São Paulo: Editora Hedra Ltda, 2001. 

[1] Por exemplo, seus Sermões, que marcam um estilo literário. Ver Padre Vieira (2001).

[2] Conforme comentário de FARACO, 2003, p. 510, as origens de Portugal remontam ao século VIII, precisamente às lutas entre cristãos e mouros no Norte da Península Ibérica. Mas a independência portuguesa só veio em 1139, com o rei Afonso I. Antes disso, Portugal era apenas o Condado Portucalense.

[3] Seguimos aqui as considerações que Campedelli e Souza, 2000, p. 59-65, apresentam.

[4] É o caso de Campedelli e Souza, 2000, p. 163. Eles grafam o termo Naturalismo-Realismo ou ainda “movimento realista-naturalista.

[5] Entre o Naturalismo-Realista, conforme determinados autores, há ainda o Parnasianismo, o Simbolismo e o Pré-Modernismo.