A IMPORTÂNCIA DE CONHECER A ESTRUTURA LINGUÍSTICA DA LIBRAS PARA O EDUCADOR

Werner Schrör Leber  

RESUMO 

Libras é Linguagem de Sinais Brasileira, conhecida também como Linguagem Brasileira de Sinais. Na última década a legislação brasileira incluiu a Libras como parte fundamental de integração e socialização de surdos. Conforme o entendimento de especialistas, a surdez tem graus. Há pessoas com dificuldades auditivas e aquelas totalmente privadas de sensibilidade auditiva. As comunidades de surdos não precisam estar privados da aprendizagem formal por essa deficiência. Para o educador atual já não é mais possível desconhecer por completo a Libras. Precisa-se entender como um surdo se relaciona com o mundo que o cerca e as formas que existem para estimular a aprendizagem de quem nasceu parcial ou totalmente privado da audição. Tem sido frequente, e cada vez mais o será, que um professor esteja com surdos entre seus aprendentes e terá também um intérprete para a linguagem oral. O que está em questão também é que o educador tradicional precisa cada vez mais dominar a técnica da Libras.  

Palavras-chave: Deficiência. Inclusão. Surdez. 

1 INTRODUÇÃO 

A Libras é a linguagem materna dos surdos brasileiros ou dos surdos que vivem e convivem conosco em nosso território. O estudo da linguagem brasileira de sinais (Libras) está incluída em aspectos mais amplos como a Educação Especial que, conforme as comentadoras (RAFAELI; SILVEIRA, 2009), já foi estudado ao longo deste curso de licenciatura em Língua Portuguesa quando da abordagem da Educação Especial e Processos de Exclusão. A libras é também denominada Língua de Sinais Brasileira.

O Brasil tem uma legislação boa quanto se trata de inclusão. O quanto ela é respeita, porém, é uma questão diferente. Certamente nesse aspecto muita coisa fica por desejar. Não apenas em relação às pessoas com surdez, mas também relação ao ensino das diretrizes que dizem respeito às minorias constam em legislação. Por exemplo, a educação da cultura negra e afro-descendentes. Mas em Santa Catarina foram detectados enormes problemas quanto ao descumprimento do que a legislação prevê sobre esse assunto.[1]

Sob o ponto de vista pedagógico, não resta dúvida de enormes desafios estão lançados. Para quem está em sala de aula, a educação pela Libras surge como um desafio para o qual é preciso se adaptar. Sabe-se da resistência habitual de professores para mudarem seus hábitos.

Como a legislação brasileira obriga alunos com surdez e outras deficiências estarem em sala de aula com os alunos considerados “normais”, já não há o que discutir, mas muito o que acatar. O quanto isso será benéfico é uma pergunta que só a longo prazo terá sua resposta. Por ora cabe a educadores apropriar-se de conhecimentos sobre o tema porque cada vez mais haverá alunos com surdez e outras deficiências em nossas salas de aula. 

2 LEGISLAÇÃO

A Legislação nacional entendeu que surdez e deficiência mentais leves não seriam impecilhos para não permitir que seus portadores estivessem na mesma sala dos alunos considerados normais.

O ensino por sinais não se deu modo pacífico entre educadores. A sua implementação remonta décadas de discussões. Em períodos mais recentes o Estado brasileiro resolveu legislar sobre a educaçãoConforme nos relatam os comentadores Copovilla; Viggiano; Bidá (2004, p. 159-160):

Trata-se de uma língua visoespacial com princípios formacionais únicos. Em abril de 2002, a Presidência da República sancionou a Lei Federal 10.436, decretada pelo Congresso Nacional, que oficializa a Libras em todo território nacional (Ministério da Educação, 2002). Essa Lei reconhece a Libras meio legal de comunicação e expressão das comunidades de pessoas surdas do Brasil, determina que o poder público se empenha no apoio e difusão do uso da Libras como meio de comunicação objetiva, que as instituições públicas prestem atendimento aos surdos em Libras.

 

A surdez, porém, tem graus. É preciso verificar sempre o grau de surdez. Nem toda pessoa com problemas auditivos é considerada surda. Há uma tabela de classificação medida em decibéis que determina surdez ou apenas problema auditivo.

3 OS GRAUS DA SURDEZ

O som se mede em Hertz. Som ondas sonoras de rádio. Essa é uma medida estipulada inclusive em Lei para medir o grau de uma pessoa (RAFAELI; SILVEIRA, 2009). Conforme o critério legal, toda pessoa que tiver perda acima de 41 decibéis é considerada surda, embora possa ter ainda sensibilidade auditiva. Os decibéis são unidades de intensidade do som. De um modo pegagógico, divide-se a surdez em quatro graus. 

3.1 SURDEZ LEVE

Considera-se com surdez leve a pessoa ou o aluno que tenha perde de até 40 decibeis de audição. Em situação assim o aluno já não ouve todos os fonemas das palavras. Também vozes fracas ou distantes tornam-se imperceptíveis para quem se encontra nesse nível de perda auditiva. Pode ocorrer que se trate um aluno ou aluna nesse grau de desatento ou desinteressado. Contudo, esse é grau menos grave da surdez. 

3.2 SURDEZ MODERADA

Grau de surdez entre 40 a 70 decibéis. Tem dificuldades em ouvir a voz humana. É preciso repetição de palavras, de sons, de fonemas detalhadamente. Pessoas que se encontram nesse estágio de surdez têm frequentes problemas de atraso na linguagem e apresentam dificuldades também na escola. Tem dificuldades com compreensões gramaticais. Precisam de estímulo visual. 

3.3 SURDEZ SEVERA

Considera-se com surdez severa toda pessoa que possuir perda auditiva entre 70 e 90 decibéis. A pessoa nesse estágio de surdez percebe sons e vozes raramente. É normal chegar aos 5, 6 anos sem falar. Se os pais de uma criança nesse estágio tiverem sensibilidade, entendimento sobre surdez poderão fazer com que a criança se desenvolva e adquira linguagem. O verbalismo dependerá muito do visual. 

3.4 SURDEZ PROFUNDA

Toda surdez acima de 90 decibéis de perda é considerada profunda. A identificação de vozes, sons fortes é praticamente impossível. Como não identifica a voz humana, fica privado da oralidade. Um bebe que nasce surdo,  balbucia como um bebe que não tem a audição prejudicada. Mas como com a passar do tempo perde a capacidade de emitir sons porque não recebe estímulo e não ouve a sua voz. Faltam os estímulos auditivos externos. Como dizem as comentadoras Rafaeli e Silveira (2009, p. 06), faltam-lhe “[...] modelos para dirigir suas emissões”. 

4 PEDAGOGIA E SURDEZ

O primeiro aspecto muito relevante para situar o problema do surdo é a cultura, ou seja, o espaço cultural e a valoração do contexto em que o surdo se encontra. Os surdos têm uma identidade que os torna tão capazes quanto os não-surdos e ao mesmo tempo também muito diferentes. Assim como os ouvintes não são todos iguais, os surdos tampouco o são.

Aqui surgem erros e equívocos que os ouvintes cometem em relação aos surdos, ou seja, trata-los como se fossem uma classe homogênea. Dizendo de outro modo, comete-se o erro de achar que a deficiência auditiva promove uma homogeneização dos surdos. A surdez não iguala culturalmente os surdos.

Além disso, é preciso considerar que a grande maioria de surdos habituou-se a viver e conviver com ouvintes, que quase sempre são a grande maioria. Desse modo, portanto, o surdo torna-se um ser multicultural porque vive e convive em um ambiente em que os ouvintes ditam as regras de relacionamento. A pedagogia não pode proceder como se fosse possível mudar o surdo; como se ela fosse uma enfermidade que devesse ser curada. Isso caracteriza, conforme os comentadores Rafaeli e Silveira (2009, p. 39), “um desrespeito à sua identidade e sua cidadania”.

A tecnologia, por exemplo, modificou a forma de agir do surdo. O telefone celular fez com que muitos surdos buscassem a alfabetização para poder se comunicar por mensagens eletrônicas, os torpedos e mensagens. A língua escrita ajuda o surdo a comunicar-se com outro surdo. Ainda que exista uma linguagem de telefonia para surdos, a TDD, o que se verifica é cada vez mais há surdos buscando a língua escrita para comunicarem-se com outras pessoas via mensagem escrita no celular.

Além disso é necessário saber que a Libras, pelo menos no Brasil, é a linguagem materna dos surdos. É por meio dela que se dará o processo de ensino e aprendizagem. Portanto, embora os surdos sejam minoria quando essa comparação é feita com a totalidade de pessoas que habitam um território, eles não formam uma subcultura. Esse é o preconceito generalizado que a Libras e os processos de inclusão, fundamentados em Lei, querem banir.

Pois afinal, o que legitima a escola como instituição? Qual tem sido o papel da relação entre professores e alunos na elaboração do conceito de educar? Entrar nesse embate é tratar do que é o humano dentro do processo educativo. E questionar qual é o seu espaço e papel como constituição e sentido da ação educacional.

O que é o ser humano, então? É um ser de abertura. É um ser concreto, situado, mas aberto. E um nó de relações, voltado em todas as direções. (...) É só se comunicando, realizando essa transcendência con­creta na comunicação, que o ser humano constrói a si mesmo. E só saindo de si, que fica em casa. E só dando de si, que recebe. Ele é um ser em potenciali­dade permanente. Então, o ser humano é um ser de abertura, um ser potencial. Um ser utópico. Sonha para além daquilo que é dado e feito. E sempre acrescenta algo ao real. (BOFF, 2000, p.34)

 

 E nisso jamais a técnica e a evolução científica substituirão essa dialogicidade, pois a educação acontece na relação, no contato humano, no diálogo, na contraposição, na busca da síntese daquilo é significativo, significado e significante para todos. Esse movimento também é anunciado por Paulo Freire: “a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo” (FREIRE, 2000, p..24). 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Libras, como apontamos ao longo de nosso texto, é a linguagem materna do surdo. É por meio dela primeiramente que deverá ocorrer a sua alfabetização. Disso decorre uma necessidade que não se tinha anos atrás, ou seja, a situação atual exige que o alfabetizador tenha conhecimentos mínimos a respeito da forma de entendimento dos surdos.

De outro modo também os surdos são bilíngües. Aprendem a entender oralmente e são ou deveriam ser “alfabetizados” pela Libras. O oralidade não pode e não deve ser o único canal de comunicação dos surdos com os ouvintes. O surdo é mais do que alguém que tem apenas uma deficiência. Como lembram os comentadores, “a perspectiva médica oralista de reduzir o surdo à condição de deficiente auditivo é insuficiente (COPOVILLE, et. all, 2004, p. 169)”.

O educador precisa conhecer o que a Lei exige, precisa conhecer ou procurar entender a situação dos surdos e conhecer também a técnica, “o alfabeto” da Libras por assim dizer. Mas mais do isso, precisa ver que o surdo não tem o referencial cultural dos ouvintes. Justamente por não ouvir, ele muitas vezes encontra maneiras muito criativas de lidar com a situação. Por isso diz-se também que os surdos são multiculturais pois encontram maneiras de compreender o que se passa ao seu redor, onde reina sempre a tirania dos ouvintes.

Um surdo não aprende pela oralidade somente. Como indicamos, há graus na surdez. Em níveis menos severos, os surdos são capazes de identificar sons mais fortes ou vozes humanas mais agudas. Nesse grau de surdez a oralidade ainda funciona. Mas em níveis mais profundos de surdez, a oralidade não tem sentido.

Como também ficou dito nesse estudo, a Libras é a linguagem materna dos surdos. Ela é a sua língua oficial. Isso, portanto, precisa ser respeitado. O que tem ocorrido é que os ouvintes, por serem sempre maioria, impõem seus valores e querem que as comunidades de surdos simplesmente se submetam a ela. Isso é violência, arrogância e desrespeito com a diferença. O mesmo preconceito ocorre também em relação aos deficientes visuais e físicos. Os surdos não formam uma subcultura, dependente da cultura dos ouvintes. Eles formam comunidades com cultura própria e autônoma.

Um papel gigantesco está posto para professores, professoras, enfim, para profissionais da educação no que se refere ao entendimento da surdez. Porque, como vimos, a questão é mais profunda do que apenas comunicar-se por sinais da Libras. É preciso educar para a diferença, o que até agora os currículos napoleônicos de nossa tradição não permitiam. O surdo será sempre diferente. Mas diferente, não inferior. Suas potencialidades são as mesmas dos ouvintes. O que precisa é capacidade e profissionais verdadeiramente preparados para a assumir essa tarefa.

A surdez não deveria impedir alguém de ser uma pessoa vista com as mesmas capacidades de uma pessoa da qual se diz ser “normal”. Não só ensinar, mas aprender. A verdadeira leitura ontológica da educação poderá salvá-la dos processos totalitários e desumanizantes. Portanto, o primeiro passo a ser dado é pensarmos a ação pedagógica não como uma finalidade, mas como um meio de lapidar e aprimorar o humano no homem e na mulher. Encontrar uma maneira diferente, uma maneira que rompa a atribuição meio/fins de nossa lógica educacional, significa incluir pessoas com deficiências, sejam auditivas, sejam visuais, sejam físicas. 

6 REFERÊNCIAS  

BOFF, L. Tempo de Transcendência. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. 

COPOVILLA, Fernando; VIGGIANO, Keila; BIDÁ, Márcia. Avaliando Compreensão de Sinais da Libras em Escolares Surdos do Ensino Fundamental. Curitiba. Interação em psicologia, 2004, 8 (2), p. 159-169. 

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. 15ª edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2000. 

RAFAELI, Kátia Solange Coelho; SILVEIRA, Maria Dalma Duarte. Língua brasileira de sinais. Indaial, SC: Editora da Uniasselvi, 2009 (NEAD: Cadernos de Estudos do Núcleo de Estudos a Distância). 

[1] Não só em relação aos direitos constitucionais dos surdos percebe-se descumprimento de metas e implantação de logística adequada. Também os estudos curriculares incluindo a situação das pessoas negras e o direito ao ensino religioso sem favorecer determinada perspectiva religiosa tem sido desrespeitado continuamente.