LEI DE USO DE DROGAS: A importância da aplicação do princípio da insignificância à conduta de porte de drogas para consumo pessoal[1]

 Daniel Carvalho[2]

Maria do Socorro Almeida de Carvalho[3]

 

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Comentários do Capitulo III da Lei 11.343/06; 3. Princípios e direitos inerentes à análise do caso; 4. Despenalização vs Atipificação da conduta de porte de drogas para consumo ; 5. Posicionamento dos Tribunais Superiores ante às condutas do artigo 28; 6. Elaboração do novo Código Penal 7. Adequação Social do Direito Penal; 8. Considerações Finais; Referências.

 

RESUMO

 

O presente trabalho visa realizar uma elucidação a respeito do ilícito previsto no artigo 28 da lei 11.343/06. Tal elucidação refere-se às discussões que vêm ocorrendo tanto no âmbito judicial quanto no âmbito social a respeito da despenalização da conduta de portar para consumo pessoal substâncias entorpecentes ilícitas, de tal modo que para analisar tanto o posicionamento dos tribunais superiores quanto das pessoas que defendem a despenalização. Porém, como se trata de um tema recente ainda há quem defenda que a conduta é uma atitude premeditada, fato que gera grandes discussões a respeito.

Palavras-chave: crime. Despenalização. Drogas. Princípios.

1 INTRODUÇÃO

 

A lei 11.343/06 especificamente em seu Capitulo III no artigo 28, tipifica em seu núcleo: quem adquirir, guardar, tiver em deposito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal, será submetido às penas contidas nos incisos do mesmo artigo. A própria lei define o que será considerado drogas no parágrafo único do artigo primeiro, porém percebemos que mesmo assim se trata de uma norma penal em branco, pois não há a especificação ou denominação dos produtos, dessa forma é necessária uma especificação por parte da ANVISA, de forma à complementar a lei em questão.

O presente trabalho visa realizar uma análise a respeito de como o consumo de drogas vem sendo tratado no Brasil tanto pelos órgãos regulamentadores, ANVISA, como pelo próprio judiciário, para isso, iremos analisar o que vem sendo chamado de Despenalização e Atipificação da conduta do porte ilegal de drogas para consumo. Buscaremos explanar os posicionamentos dos tribunais superiores, STJ e STF, com as decisões que vem sendo tomadas, analisando se está havendo ou não a aplicação do princípio da proporcionalidade no julgamento das condutas. O STF vem tomando decisões que são consideradas inovadoras por muitos, pelo fato de algumas turmas vislumbrarem a aplicação do princípio citado ao delito de consumo e porte, sendo que este mesmo tribunal antes não vislumbrava a aplicação de tal princípio. Também pode ser considerado uma espécie de descriminalização, pois com a inovação da conduta e a aceitação da aplicação do dito princípio, o delito previsto no artigo 28, mesmo que devidamente tipificado, deixa de ser punido, já que com o reconhecimento da insignificância afasta a ilicitude da conduta. Quanto ao STJ a turma responsável pela produção do novo Código Penal já optou por descriminalizar a conduta de porte de drogas para consumo na nova redação do código.

É importante ressaltar que para realizar uma analise plena a respeito das decisões que os tribunais têm tomado é importante analisar tanto o artigo 28 da lei de drogas, quanto as decisões proferidas ante aos princípios da insignificância, e da adequação do direito penal, visto que são tais princípios que possibilitam uma análise da conduta de forma mais branda, porém também é importante a análise de princípios mais gerais e não só do Direito Penal, como direito à saúde, direito à um meio-ambiente salubre, dentre outros princípios que podem gerar uma percepção mais rígida a respeito do ilícito de porte e consumo de drogas.

 

2 COMENTÁRIOS DO CAPITULO III DA LEI 11.343/06

            O capítulo III da lei de drogas, trata especificamente sobre os Crimes e as Penas, logo, como iremos falar posteriormente, é presumível que todas as condutas que estão inseridos no capitulo tratam-se de ilícitos penais, crimes. Porém realizando uma análise a priori e a posteriori das Leis que regulamentam o porte de drogas para consumo (lei nº 6,368/76 e a nova lei nº 11.343/06), percebemos que o legislador optou por tratar a conduta de porte para consumo próprio de forma significativamente mais branda. Tais condutas, antes contavam com penas que iam de 6 meses a 2 anos de privação de liberdade mais multa, porém, a atual legislação não prevê qualquer pena restritiva de liberdade, mas apenas as restritivas de direito. Tal “abrandamento” deve-se tanto aos fortes movimentos liberais que ocorreram no intercalado da edição das leis, como o famoso movimento hippie, assim como as atuais manifestações a favor da legalização da maconha, e também influenciado por figurar políticas como o ex-presidente Luis Henrique Cardoso, e o ex-Deputado Federal, Fernando Gabeira, ambos abertamente declarados em favor à descriminalização da maconha. Devido à nova pena que fora dada à conduta que antes previa penas restritivas de liberdade, surgiram discussões a respeito se a conduta ainda estaria configurando um ilícito penal, houve a descriminalização, ou houve a chamada despenalização, que é justamente o forte abrandamento da pena concedida em consequência da prática do ilícito. Isto posto, cabe-se analisar o posicionamento adotado por doutrinadores e tribunais em conjunto com princípios do Direito Penal e Princípios Fundamentais, para posicionar-nos de forma fundamentada.

3 PRINCÍPIOS E DIREITOS INERENTES À ANÁLISE DO CASO

Para realizar a análise da conduta prevista no artigo 28 é imprescindível levar em consideração princípios e direitos que servem como guias tanto para defender a descriminalização do porte para consumo quanto para posicionar-nos quanto à defender a estrita aplicação da lei com a cominação da devida pena. Dentre dos princípios como: Princípio da ofensividade; princípio da adequação social; princípio da insignificância, cabe ressaltar a importância deste ultimo, visto que é ele quem tem a possibilidade de tornar a conduta atípica. Quanto aos direitos cabe-se analisar tanto os direitos coletivos: direito à saúde; direito à um meio ambiente salubre, quanto os individuais: direito à privacidade; individualidade. Preliminarmente cabe-se analisar o princípio da ofensividade, tal princípio nos afirma que o direito penal não poderá interferir caso não haja uma lesividade a algum bem jurídico, o que não é vislumbrado na conduta de porte de drogas para consumo, desse modo nos afirma Luiz Flávio Gomes:

Por força do princípio da ofensividade não se pode conceber a existência de qualquer crime sem ofensa ao bem jurídico (nullum crimen sine iniuria). Desse princípio decorre a eleição de um modelo de Direito penal com característica predominantemente objetiva, fundado em pelo menos dois pilares a proteção de bens jurídicos e a correspondente e necessária ofensividade (GOMES, 2010)

De tal forma, assim como nos apregoa Gomes, o direito penal não pode interferir quando não há lesividade a algum bem juríidico, e nas condutas do artigo 28, observamos que há uma clara intromissão na vida privada do indivíduo, de forma que a conduta não deveria ser objeto de controle do direito penal, assim como não há a punição para a tentativa de suicídio, não deveria haver a punição para o porte de drogas para consumo.

Outro princípio de importante análise prévia é o princípio da insignificância, pois tal princípio pode acarretar na descaracterização da ilicitude da conduta. Conforme nos afirma Carlos Vico Mañas:

Ao realizar o trabalho de redação do tipo penal, o legislador apenas tem em mente os prejuízos relevantes que o comportamento incriminado possa causar à ordem jurídica e social. Todavia, não dispõe de meios para evitar que tabém sejam alavancados os casos leves. O princípio da insignificância surge justamente para evitar situações dessa espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático político-criminal da expressão da regra constitucional do nullum crimen sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal (MAÑAS, 2010).

Conforme afirma Mañas o legislador na redação da norma penal apenas preocupa-se com os danos que a conduta possa gerar caso a conduta não seja considerada ilícita, de forma que esse excesso de zelo em proteger bens jurídicos pode por ocasionar excessos, e é justamente a função do princípio da insignificância auxiliar o interprete na análise do tipo penal, desta forma nos afirma Claus Roxin, “Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai aonde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocuparse com bagatelas”. Ante ao exposto, é de fácil constatação que o excesso de zelo por parte do legislador na regulamentação das drogas, acabou por acarretar em uma intromissão por parte do direito penal na vida privada dos cidadãos, tirando a liberdade e violando o direito a intimidade das pessoas.

Ambos os princípios analisados são os que estão em mais destaque na discussão do caso, outros princípios serão tratados mais adiante dentro dos próximos tópicos.

4 DESCRIMINALIZAÇÃO VS DESPENALIZAÇÃO

Com a nova regulamentação da lei de drogas em 2006, observa-se que houve por parte do legislador uma opção por amenizar mais o tratamento dado à conduta de porte para consumo pessoal. Antes, na lei de 76, observar-se a cominação de uma pena de reclusão de 6 meses a 2 anos mais multa (art. 16 da lei nº 6.368/76), na regulamentação atual, com a edição da lei de 2006, observamos no artigo 28 que as penas restritivas de liberdade foram removidas, e hoje, a punição para tal conduta chega ao máximo em penas restritiva de direito. Ante a tal modificação surge uma questão importante, analisar a intenção do legislador, o que o mesmo objetivava ao realizar tamanha redução das penas, descriminalizar a conduta, ou realizar a chamada despenalização.

Prioritariamente cabe levantar as diferenças entre despenalização e descriminalização. A descriminalização consiste em passar a considerar atípica a conduta que antes era devidamente tipificada em legislação, ou seja, o que era crime não passa a mais ser, para tal, pode ocorrer tanto a descriminalização formal, quando há de fato a supressão do texto no código, ou a material, que é quando os tribunais, mesmo não havendo a supressão do texto, passam a reconhecer como atípica a conduta. Quanto a despenalização, é o fato de não haver mais como previsão as penas restritivas de liberdade, mas apenas as restritivas de direito.

O artigo primeiro da Lei de Introdução do Código Penal (LICP) nos afirma que nos traz o conceito de infração penal e contravenção, o primeiro requer que haja uma pena restritiva de reclusão ou detenção, enquanto o segundo prisão simples ou multa. Na nova regulamentação da lei de drogas percebemos que houve na verdade uma descriminalização formal por parte do legislador, porém não perdeu seu conteúdo de ilícito, não se pode dizer que houve de fato a legalização do uso de drogas, porém passou a ser uma infração “sui generis”, desta forma nos afirma Luiz Flávio Gomes, mestre em Direito pela USP:

Infração "sui generis": diante de tudo quanto foi exposto, conclui-se que a posse de droga para consumo pessoal passou a configurar uma infração sui generis. Não se trata de "crime" nem de "contravenção penal" porque somente foram cominadas penas alternativas, abandonando-se a pena de prisão. De qualquer maneira, o fato não perdeu o caráter de ilícito (recorde-se: a posse de droga não foi legalizada). Constitui um fato ilícito, porém, "sui generis". Não se pode de outro lado afirmar que se trata de um ilícito administrativo, porque as sanções cominadas devem ser aplicadas não por uma autoridade administrativa, sim, por um juiz (juiz dos juizados ou da vara especializada). Em conclusão: não é "crime" nem é "contravenção" nem é um ilícito "administrativo": é um ilícito "sui generis (GOMES, 2011)".

Percebemos então que o que vem ocorrendo é um tratamento mais brando por parte do legislador, de forma que conforme iremos ver posteriormente, a conduta de uso de drogas vem se tornando uma conduta cada vez menos moralmente reprovável, de modo que respeitando o princípio da adequação social e da intervenção mínima, tal conduta deve ser não apenas despenalizada, mas descriminalizada.

5 POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

É importante a análise do posicionamento que os tribunais superiores brasileiros vem tomando, visto que tais tribunais geram decisões que servem de parâmetro para o julgamento de casos análogos nos tribunais inferiores. A principal característica que deve ser analisada é se os tribunais reconhecem a aplicação ou não do principio da insignificância à conduta prevista no artigo 28 da lei 11.303/06, visto que a aplicação de tal princípio é capaz de remover a criminalidade da conduta, visto que é da essência do crime, que o porte seja para consumo pessoal, que presume uma quantidade pequena, de forma insignificante, que não se observa um alto grau de lesividade na conduta, logo, o reconhecimento da possibilidade da aplicação do princípio da insignificância seria capaz de remover o ilícito de tal conduta como um todo.

A respeito da aplicabilidade do princípio supracitado, era consenso que não havia a possibilidade da aplicação do mesmo, visto que a “quantidade insignificante” é própria do tipo, como falado acima, por se tratar de punir o consumo pessoal, é presumível que a quantidade seja pequena. Nesse sentido se posicionou o Ministro do STJ, Napoleão Nunes Maia Filho, no julgamento do Habeas Corpus 158.955/RS, “A pequena quantidade de substância entorpecente, por ser característica própria do tipo de posse de drogas para uso próprio, não afasta a tipicidade da conduta.”. No HC citado anteriormente vale ressaltar que o réu foi condenado pelo porte de 0.9g de maconha, ocorrido em 2011.

Já no STF, no ano de 2010, no julgamento do HC 102.940/ES, apesar de ser constatada a prescrição em primeira instância e o HC acabou perdendo seu objeto, o Ministro Lewandowski proferiu os seguintes argumentos em seu voto:

O objeto jurídico da norma em questão é a saúde pública, não apenas a do usuário, uma vez que sua conduta atinge não somente a sua esfera pessoal, mas toda a coletividade, diante da potencialidade ofensiva do delito de porte de drogas. O crime de porte ilegal de drogas é crime de perigo abstrato ou presumido, de modo que, para a sua caracterização, não se faz necessária efetiva lesão ao bem jurídico protegido, bastando a realização da conduta proibida para que se presuma o perigo ao bem tutelado. A presunção de perigo decorre da própria conduta do usuário que, ao adquirir a droga para seu consumo, realimenta esse comércio, pondo em risco a saúde pública. Além disso, existe a real possibilidade do usuário de drogas vir a tornar-se mais um traficante, em busca de recursos para sustentar seu vício. Desse modo, estaria presente a periculosidade social da ação, o que inviabiliza o reconhecimento do princípio da insignificância (LEWANDOWSKI, 2010).

Percebemos então que até o ano de 2012 o posicionamento de ambos os Tribunais era de impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância. Porém na data de 13 de Fevereiro de 2012, no julgamento do HC 110.475/SC, onde o acusado levava consigo 0.6g de maconha, e após ter recorrido ao TJ-SC e STJ, onde não foi reconhecido a aplicabilidade do princípio da insignificância, o acusado obteve sucesso em seu pedido ao recorrer ao STF. Tendo como relator o Ministro Dias Toffoli a 1ª Turma do STF reconheceu a possibilidade da aplicação do princípio da insignificância, sendo inclusive apoiado pelo Subprocurador Geral da Republica Dr. Juarez Taváres:

O fato de o tipo configurar um delito de perigo abstrato não pode impedir a aplicação do princípio da insignificância. Isso porque, mesmo nesses casos, não se afasta a necessidade de aferição da lesividade da conduta, ou seja, se capaz ou não de atingir, concretamente, o bem jurídico resguardado pela norma. É indispensável que se demonstre a aptidão da conduta em lesar o bem jurídico, não bastando que, pelo simples fato de figurar no rol de substâncias proibidas pela lei, se pressuponha, de forma absoluta, que qualquer quantidade de droga seja capaz de produzir danos à saúde pública. Não há dúvida de que o Estado deva promover a proteção de bens jurídicos supraindividuais, tais como a saúde pública, mas não poderá fazê-lo em casos em que a intervenção seja de tal forma desproporcional, a ponto de incriminar uma conduta absolutamente incapaz de oferecer perigo ao próprio objeto material do tipo (JUAREZ, 2012).

Percebemos então, finalmente, a possibilidade da aplicação do princípio da insignificância, o que pode significar inclusive um reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343/06, visto que como citado no primeiro posicionamento do STJ, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, afirma que a quantidade pequena já é própria do ilícito, e com o reconhecimento do STF da aplicação da insignificância tornaria o artigo 28 incompatível com a Constituição.

Cabe ressaltar também que no Recurso Extraordinário 635659, de relatoria do ministro Gilmar Mendes foi reconhecido por meio do plenário a existência de Repercussão Geral, requisito de admissibilidade do RE, de acordo com o próprio ministro, “trata-se de discussão que alcança certamente, grande número de interessados, sendo necessária a manifestação desta Corte para a pacificação da matéria”. Como consequência desse reconhecimento de Repercussão Geral, há a possibilidade da criação de uma jurisprudência para os tribunais inferiores, de modo que caso seja reconhecido o recurso, será um forte argumento que favorece ainda mais a abolição do ilícito do artigo 28.

6 ELABORAÇÃO DO NOVO CÓDIGO PENAL

É de conhecimento geral e inclusive motivo de indignação para alguns, que nosso atual Código Penal seja datado de 1947, de modo que hoje, mais de 60 anos após sua criação, este se encontra bastante defasado em ralação ao desenvolvimento da sociedade. Porém, o novo Código Penal já está em fase de preparação, e no dia 28 de maio de 2012, conforme notícia vinculada no site do próprio STJ, foi definido pela comissão de juristas que está elaborando o novo Código, a proposta que irá descriminalizar a conduta de uso de drogas ilícitas:

A comissão de juristas responsável pelo anteprojeto do novo Código Penal definiu que a proposta descriminalizará o uso de drogas. Pelo texto aprovado na manhã desta segunda-feira (28), caberá ao Poder Executivo regulamentar a quantidade de substância que uma pessoa poderá portar e manter sem que se considere tráfico. O anteprojeto será submetido ao trâmite legislativo regular após a conclusão dos trabalhos da comissão. A quantidade de droga deve corresponder ao consumo médio individual de cada tipo de droga pelo período de cinco dias. A regulamentação dessa quantidade específica ficará a cargo de órgão administrativo de saúde pública, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O cultivo para consumo próprio também não será criminalizado. A presunção de consumo para uso pessoal é relativa. Isso significa que, mesmo portando quantidade de droga menor que a regulamentar, a pessoa poderá ser condenada por tráfico caso se comprove, por outros elementos, que a substância não se destinava ao seu uso pessoal. Da mesma forma, quantidade superior poderá ser considerada como para consumo próprio, caso o acusado consiga comprovar essa destinação (STJ, 2012).

Observemos então, que a própria comissão responsável pela elaboração do novo Código, que deverá vir justamente para atualizar a legislação brasileira, reconhece o ilícito de porte de drogas para consumo já é algo aceitável, assim como o adultério, que antes era crime e deixou de ser criminalizado visto que já era uma conduta que não gerava um grande dano aos bens jurídicos, assim será com o consumo de drogas, visto que não há a clara afetação de bens jurídicos de terceiro, mas é uma conduta que se limita apenas na esfera privada.

7 ADEQUAÇÃO SOCIAL DO DIREITO

A aplicação do princípio da insignificância à conduta de porte de drogas para consumo não reflete a mudança apenas no âmbito do legislativo ou judiciário, mas reflete toda a mudança social que vêm ocorrendo atualmente com o fortalecimento dos movimentos das minorias, movimentos como a marcha da maconha, direitos dos homosexuais, dentre outros. Ao aplicar o princípio da insignificância o STF, a Suprema Corte Brasileira, está afirmando diretamente a utilização de drogas não configura ato ilícito, desde que você mantenha disso um hábito seu, e não gere prejuízos à saúde pública. Além de que, reconhece ainda mais o direito à privacidade do indivíduo, pois de certa forma, a intervenção estatal no que tange a regulamentar o que a pessoa pode ou não consumir ou fazer é uma violação concreta ao direito de intimidade, previsto na Constituição de 88 em seu artigo 5º inciso X.

O Direito é uma ferramenta que deve além de tudo, entender os anseios da sociedade, e buscar em sua aplicação atender tais anseios de forma que não haja uma violação à bens jurídicamente protegidos, mas apenas uma valoração do outro bem sem qualquer prejuízo a outros, é inclusive um princípio penal constitucional, O Princípio da Adequação Social, dessa forma entende Manuel Sabino:

O Direito Penal moderno não atua sobre todas as condutas moralmente reprováveis, mas seleciona aquelas que efetivamente ameaçam a convivência harmônica da sociedade para puni-las com a sanção mais grave do ordenamento jurídico. Esse caráter subsidiário do Direito Penal determina que a interpretação das suas normas deve levar sempre em consideração o princípio da intervenção mínima, segundo o qual, o Direito Penal só deve cuidar das condutas de maior gravidade e que representam um perigo para a paz social, não tutelando todas as condutas ilícitas e sim apenas aquelas que não podem ser suficientemente repreendidas por outras espécies de sanção - civil, administrativa, entre outras. Assim, o Direito Penal deve reprimir aqueles comportamentos considerados altamente reprováveis ou danosos à sociedade (SABINO, 2011).

Conforme afirma Sabino, a conduta de uso de drogas vem cada vez mais se tornando uma conduta moralmente aceitável, de forma que a mesma acaba não ameaçando a convivência harmônica da sociedade, e levando em conta o princípio da intervenção mínima, o Direito Penal deve cuidar só das condutas de maior gravidade, que representem um perigo concreto para a paz social, o que não se observa mais na conduta de porte de drogas para consumo, previsto como ilícita no artigo 28 da lei 11.303/06.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Já é mais que hora de se dar uma nova face ao tratamento da conduta de porte de drogas para consumo, é visível a forma ostensiva como tal conduta vem sendo discutida tanto no âmbito do judiciário, nos tribunais superiores e na comissão responsável pela elaboração do novo código penal, quanto no legislativo, visto que na elaboração da lei de 2006 já foi optado um caminho mais brando ao tratamento do usuário. É fato que é necessário deixar claro a diferenciação entre descriminalização e legalização. Se descriminalizada não podemos simplesmente inferir que o consumo de drogas será a partir de tal momento legal, qualquer produto necessita de uma regulamentação, isso é a devida regulamentação, não é apenas a descriminalização que implicará em uma legalização, mas este sim, é apenas o primeiro passo.

Cabe-se lembrar ainda, que o Código Penal e a legislação especial à este referida, assim como todo o Direito, este deve ainda mais procurar se ater ao princípio da adequação social, neste sentido afirma Luiz Regis Prado:

a teoria da adequação social, concebida por Hans Welzel, significa que apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada. (PRADO, 2006)

Como exaustivamente afirmado durante todo o trabalho, a conduta socialmente adequada, termo trazido por Prado, não deve ser punida mesmo que esta se encaixe no molde da ilicitude. Neste mesmo sentido também nos traz Hans Welzel, jurista e filosofo alemão:

Na função dos tipos de apresentar o ‘modelo’ de conduta proibida se põe de manifesto que as formas de conduta selecionadas por eles têm, por uma parte, um caráter social, quer dizer, são referentes à vida social; ainda, por outra parte, são precisamente inadequadas a uma vida social ordenada. Nos tipos, encontra-se patente a natureza social e ao mesmo tempo histórica do Direito Penal: indicam as formas de conduta que se separam gravemente dos mandamentos históricos da vida social. (WELZEL).

Portanto, atentando a tudo que foi falado cabe a nós realizar uma reflexão quanto ao real papel do Direito Penal na sociedade, se o mesmo deve ou não ser levado em conta ao pé da letra visando  a preservação do sentido estritamente gramatical, ou se todas as suas normas devem ser interpretadas à luz dos princípios basilares do direito penal brasileiro. É importante toda essa análise, para se chegar a uma plena convicção a respeito da ilicitude ou não da conduta de porte de drogas para consumo. Conforme já visto, o Brasil está em épocas de uma política criminal tendenciosamente abolicionista, de forma a utilizar o Direito Penal apenas para controlar as condutas mais graves e que geram um maior dano a bens jurídicos, e a conduta de consumo de drogas ilícitas, assim como o citado exemplo do antigo crime de adultério, já não é uma conduta tão moralmente reprovável como fora anos atrás de modo que desta forma, o direito penal deve se abster de realizar tal regulamentação. Fazendo com que aconteça tanto formalmente quanto materialmente a descriminalização da conduta, ante a uma sobrevaloração do princípio da insignificância.

REFERÊNCIAS

VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal, p. 56.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal, p. 133.

GOMES, Luiz Flávio. Nova lei de drogas: descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1236, 19 nov. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9180>. Acesso em: 24 out. 2012.

 

STJ. Proposta do novo Código Penal descriminaliza o uso de drogas. STJ, Portal_STJ. Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=105870. Acesos em: 24 out. 2012.

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus. Direito a Intimidade. HC nº 102.940. 1º Turma Supremo Tribunal Federal.

 

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 13. Ed. v. 4. Niterói: Impetus, 2011.

 

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro – Parte Geral, p. 83.

 

WELZEL, Hans. Derecho penal aleman. Parte general. 11ª. Edição. Santiago de Chile: Editorial Jurídica de Chile, 1997.

 

MAIA, Emanuel Ferreira. ART. 28 DA LEI 11.343/2006: a análise da natureza jurídica da conduta de portar drogas para consumo próprio. São Luís: UNDB, 2008. 61p. Monografia – Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, São Luis, 2008.



[1] Check de paper desenvolvido como requisito parcial para aprovação na disciplina de Penal Especial III

[2] Aluno do 6º Período Noturno da UNDB

[3] Professora, orientadora