A IMPENHORABILIDADE RELATIVA DO BEM DE FAMÍLIA COMO EXCEÇÃO À RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL NA EXECUÇÃO CONTRA DEVEDOR SOLVENTE[1]

 

Alexandre Freire Amorim[2]

                                                               Bárbara Denise Silva[3]

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Ação de Execução por Quantia Certa contra Devedor Solvente; 1.1 Bem de família e Impenhorabilidade Relativa; 1.2 Exceções à Impenhorabilidade do Bem de Família; 2 Jurisprudências; Conclusão; Referências.

RESUMO

A análise a seguir da Lei nº 8.009/90, trata da impenhorabilidade do bem de família e sua relativização, no que concerne à execução por quantia certa contra devedor solvente, tendo em vista que a penhora é um ato de extrema importância na fase de execução, pois é ato de satisfação do crédito exequendo.

PALAVRAS-CHAVE:

Bem de Família; Impenhorabilidade Relativa; Lei nº 8.009/90; Execução por Quantia Certa.

INTRODUÇÃO

O Processo de Execução, em resumo, destina-se a compelir o obrigado a  satisfazer direito efetivamente existente e pressupõe um título executivo, podendo este título ser judicial ou extrajudicial. No presente artigo, trataremos sobre a execução por quantia certa contra devedor solvente, onde o executado seria chamado para pagar a dívida no prazo legal ou nomear bens à penhora, do qual trataremos da exceção da responsabilidade patrimonial do executado, relacionado ao instituto da impenhorabilidade, no que tange ao bem de família.

A proteção do bem de família pelo insituto da impenhorabilidade é relativa, conforme  estabelece a Lei nº 8.009/90 que regula a impenhorabilidade do bem de família, logo exisitirá certos casos que a residência familiar do executado estará sujeito à penhora no processo de execução, para satisfazer o crédito do exequente, em outros casos, estará resguardada pelo benefício da impenhorabilidade, logo não poderá ser nomeada à penhora na execução.

1 Ação de Execução por Quantia Certa contra Devedor Solvente

A definição de execução por quantia certa está no Art. 646 do Código de Processo Civil Brasileiro, que diz: “a execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor.” Segundo Marcelo Abelha (2009, p. 306-307), “a execução por quantia certa contra devedor solvente pode ser fundada em título judicial e extrajudicial. No primeiro caso, o Código reservou os Art. 475-I e segs.[...], e se fundado em título extrajudicial, seguirá os Art. 646 e segs, do livro II do CPC”, tendo em vista que essa modalidade de execução visa a expropriação dos bens do devedor para que seja satisfeito o crédito.

A execução por quantia certa contra devedor solvente deve ser requerida por meio de petição inicial que respeite os requisitos do Art. 282 do CPC:

A petição inicial indicará: I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida;  II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu; III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; IV - o pedido, com as suas especificações; V - o valor da causa; VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII - o requerimento para a citação do réu

 Ainda existe a possibilidade de o próprio credor fazer a indicação dos bens a serem penhorados, como observa-se no Art. 652: “ O executado será citado para, no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento da dívida:  § 2o  O credor poderá, na inicial da execução, indicar bens a serem penhorados (art. 655).”

Prosseguindo com a citação do devedor para quitar a dívida em questão, e não o fazendo, consequentemente seguirá a execução para a penhora, com a apreensão de bens e transformação desses bens em dinheiro, para finalmente pagar o exequente. Vale resaltar que o executado tem o direito de defesa (conforme Princípio do Contraditório), só que, deverá estabelecer uma nova relação processual incidente, fora do  processo executivo propriamente dito, em que ele será o autor e o credor será o réu. Tal procedimento é denominado embargos de execução (CUNHA, p. 04-05).

Araken de Assis (2012, p. 697)  conceitua penhora como sendo “ato executivo que afeta determinado bem à execução, permitindo sua ulterior expropriação e torna os atos de disposição do seu proprietário ineficazes em face do processo”. Então, a penhora é ato executivo processual que individualiza o bem, e transforma-o em dinheiro para que se tenha a eventual satisfação do crédito. Como efeitos da penhora no plano processual, temos: a individualização dos bens, a conservação dos bens penhorados e o direito de preferência. A individualização dos bens é a devida especificação de quais bens estão suscetíveis de penhora, ou seja, especificar sobre quais bens a expropriação se dará. Então, estes bens “ficam presos, desde então, à demanda executória, sofrem transformações notáveis em seu regime jurídico, e salvante penhora anterior, e outra acontecimento que os liberte do vínculo [...], é fatal que se destinem ao escopo expropriativo” (ASSIS, 2012, p. 703).

Outro efeito da penhora é a conservação dos bens, sendo estes confiados a um depositário, como expõe o Art. 665, IV –“ O auto de penhora conterá:  IV - a nomeação do depositário dos bens”, e esse depositário terá que assegurar a integralidade do bem. Como efeito processual da penhora ainda temos o direito á preferência, exposto no Art. 612 do CPC:  “Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal (art. 751, III), realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.” Aqui, faz-se necessária a explanação sobre os bens passíveis de penhora e os bens impenhoráveis, de forma absoluta:

 Art. 649.  São absolutamente impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II - os móveis, pertences de utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida; ; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; ; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).;  V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; ; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). VI - o seguro de vida; ; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;  (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006); VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006); IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança. (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político. (Incluído pela Lei nº 11.694, de 2008)

E os bens penhoráveis estão dispostos no Art. 655 do CPC:

Art. 655.  A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;  II - veículos de via terrestre; III - bens móveis em geral; IV - bens imóveis; V - navios e aeronaves; VI - ações e quotas de sociedades empresárias;         VII - percentual do faturamento de empresa devedora; VIII - pedras e metais preciosos; IX - títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado; X - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;  XI - outros direitos.

Observa-se que o “prazo para alegação de impenhorabilidade é o mesmo dos embargos à arrematação, art. 746 do CPC, caput, prazo de 5 dias. Não sendo possível a alegação de impenhorabilidade somente em grau de recurso, decidindo a respeito; ocorrendo dessa forma supressão de um grau de jurisdição” (FRONZA, p. 06). Adentrando à impenhorabilidade do bem de família, nos casos em que o devedor não alegar a impenhorabilidade de um determinado bem, qualquer familiar pode fazê-lo, pois “a legitimidade ativa não decorre da titularidade ou co-titularidade dos direitos sobre o bem, decorre sim da condição de possuidor e no interesse jurídico e moral de proteger a habitação da família diante da omissão ou da ausência do titular do bem” (FRONZA, p. 07). A Lei nº 8.009/90 prevê que a impenhorabilidade é relativa do bem de família, que será analisada no ponto a seguir.

1.1 Bem de família e Impenhorabilidade Relativa

A penhora constitui ato executivo típico da execução por quantia certa contra devedor solvente, conforme Marcelo Abelha (2009, p. 343). É por meio da penhora que se concretiza a responsabilidade patrimonial, cujo objeto é a expropriação. No entanto, existem limitações a responsabilidade patrimonial do devedor, ou seja, existem limitações ao ato executivo penhora, que o Código de Processo Civil denomina de bens impenhoráveis, conforme coloca o seu artigo 648 do referido código: “Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis”. Conforme Araken de Assis (2012, p. 237), as restrições, ou seja, a impossibilidade da penhora do bem que será objeto da expropriação, possuem a designação genérica de impenhorabilidade.

Existem duas classes de bens impenhoráveis, conforme se depreende dos artigos 649 e 650, o grupo da impenhorabilidade absoluta, decorrente por exemplo na inalienabilidade dos bens públicos, e o da impenhorabilidade relativa, sendo o último mais numeroso. Sobre a impenhorabilidade relativa, os bens sujeitos à execução do devedor solvente deverão ser analisados quando estiverem sujeitos à diversos fatores e circunstâncias, para se enquadrarem na impenhorabilidade ou se for caráter de exceção, estarão sujeito à penhora normalmente. Logo, somente com a análise da circunstância, chegaremos a impenhorabilidade ou não do bem do devedor na execução. Araken de Assis (2012, p. 242), coloca que a impenhorabilidade relativa do bem também pode ser convencionados pelas partes, caso não desejam responder por certo crédito (artigo 649, I do CPC).

A impenhorabilidade relativa dos bens estão sujeitos aos princípios da tipicidade, que estabelece que a impenhorabilidade deve resultar de norma expressa, e da disponibilidade, ou seja, qualquer bem impenhorável, porém disponível pelo devedor, poderá ser sujeito à execução por sua soberana e livre nomeação, conforme artigo 668 do CPC. Esses princípios são de relevante importância para se analisar os mecanismos processuais da impenhorabilidade relativa dos bens do devedor.

Enfim, trataremos especificamente da impenhorabilidade relativa do bem de família, afinal o bem de família recebeu tutela especial na Execução Civil, sendo beneficiado pelo instituto da impenhorabilidade, que necessita preencher certos requisitos e circunstâncias para garantir a não sujeição à penhora do bem de família. Essa tutela especial do bem de família na execução do devedor solvente por quantia certa, tem como base o princípio da dignidade da pessoa humana, que consta no artigo 5º da Constituição, no que tange especificamente ao direito à moradia.

A impenhorabilidade relativa do bem de família será analisada com base no bem familiar mais importante, a residência familiar. Sobre a origem dessa impenhorabilidade, Araken de Assis (2012, p. 272) discorre, “A ideia de conferir ‘isenção de execução por dívidas’, equivalendo a outorgar impenhorabilidade à morada família (homestead), surgiu no direito norte-americano, como produto feliz de gravíssima crise bancária”. O homestead surgiu da grave crise financeira nos Estados Unidos, que provocou o superendividamento dos agricultores, sendo necessário proteger o instituto família das execuções decorrentes desse superendividamento. Na atualidade, ressalve-se não se protege apenas o obrigado que tenha constituído família, mas também aquele que não tenha constituído, estabelecido na tutela dos bens domésticos.

O bem de família está caracterizado no artigo 1712 do Código Civil, conceituado pelo Direito de Família, que assim dispõe: “O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.” Logo, os bens de família são aqueles relacionados a moradia dessa família, abrangendo todos os pertences e acessórios dessa moradia (prédio residencial ou urbano), assim como os valores mobiliários e renda aplicados na conversação dessa moradia e no sustento da família.

O objeto da impenhorabilidade da residência familiar, tem como regra geral o artigo 1º da nº Lei 8.009/90 (Lei da Impenhorabilidade do Bem de Família), completada pelo parágrafo único, que assim dispõe:

O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Logo, a moradia da família, que constitui o imóvel residencial próprio da entidade familiar é impenhorável nas execuções, assim como as benfeitorias de qualquer natureza, como a piscina, os equipamentos, plantações, alfais (mesas, cadeiras) ou móveis que são conteúdo do imóvel residencial, sendo necessários que esses bens estejam quitados, se não estiverem quitados poderão estar sujeitos à penhora na execução, para haver o respectivo preço. Exige-se que o obrigado e sua família, efetivamente resida no imóvel, conforme o artigo 5º da Lei 8.009/90, assim: “Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.”

Os beneficiários da impenhorabilidade da residência familiar estão no caput do artigo 1º da Lei nº 8.009/90, o imóvel residencial é impenhorável decorrente de dívida contraída pelos cônjuges, pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam. Logo, só há impenhorabilidade do imóvel residencial se o devedor é proprietário do imóvel, no caso do filho, maior e capaz, contrair dívida, sendo que a residência ainda pertence aos pais, o imóvel não responde pela execução, haja vista que ainda não faz parte do patrimônio do filho, fora o caso da hipótese dos pais responderem pelas dívidas dos filhos.

Na hipótese do casal ou entidade familiar possuir diversos imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá somente naquele que tiver o menor valor ou que tiver sido registrado para esse fim no Cartório de Imóveis, ou seja, a impenhorabilidade recairá somente em um dos imóveis da família, sendo o que for utilizado como moradia permanente, conforme o parágrafo único do art. 5º da Lei 8.009/90.

Os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos são excluídos da impenhorabilidade, o que traz uma situação interessante, o ser humano é capaz de morar praticamente em qualquer lugar, existem veículos propriamente adaptados para moradia, mas conforme a Lei da Impenhorabilidade do Bem de Família, os veículos mesmo constituindo moradia para a entidade familiar são penhoráveis, posto que o artigo 1º da referida lei, só prédio ou construção urbana como residência familiar permanente, com a tutela especial de impenhorabilidade. Logo, imóveis de uso comercial ou industrial, terrenos urbanos, imóveis residenciais em construção são penhoráveis, conforme a referida Lei, posto que não servem de moradia para o executado.

No artigo 4º da Lei 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, coloca a possibilidade da má-fé do executado, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso, com o intuito de transferir sua residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga. Nessa hipotése de má-fé do devedor, o juiz na própria execução, poderá transferir a impenhorabilidade para a moradia anterior, ou anular a venda do novo imóvel adquirido, liberando o imóvel mais valioso para a execução.

O executado poderá alegar a impenhorabilidade do bem de família em qualquer processo de execução, inclusive na execução por quantia certa contra devedor solvente e aplica-se mesmo se a execução já tiver sido iniciada, vale também para o caso de revelia e de defesa falha do devedor. Conforme Márcia Fronza, no caso de revelia do devedor, quando citado mas não comparece para pagar ou defender-se, a impenhorabilidade do bem de família pode ser ainda reconhecida, posto que o descanso ou indiferença perante o Judiciário, não afasta os benefícios da lei, de ordem pública. No caso de defesa falha, se o devedor, por descuido ou ignorância, deixar de alegar a impenhorabilidade do bem de família ou realizar tardiamente, essa impenhorabilidade deverá ser reconhecida e não ser considerada como renúncia, devido ao caráter protetivo de família. O juiz poderá reconhecer de ofício a impenhorabilidade do bem de família, nos casos defesa falha ou omissa. O devedor tem o ônus da prova para incidir a impenhorabilidade do bem família, ele deve provar que é titular do imóvel e que o utiliza como residência, provando a destinação dele, esse é o entendimento da Jurisprudência, conforme estabelece o artigo 333, I e II do CPC.

1.2  Exceções à Impenhorabilidade do Bem de Família

Na ação de execução por quantia certa contra devedor solvente, o bem de família conhecida residência familiar, constitui exceção a responsabilidade patrimonial do devedor, sendo hipotése de impenhorabilidade relativa. O artigo 3º da Lei 8.009/90 traz as exceções a impenhorabilidade do bem de família, ou seja, nessas hipotéses não será possível alegar a tutela especial de impenhorabilidade, isso demonstra com clareza que o bem de família, no que tange a residência familiar, é relativa, devendo cumprir os requisitos e circunstâncias da Lei 8.009/90, não sendo absoluta, de caráter geral e irrestrito. A própria Lei de Impenhorabilidade do Bem de Família no seu artigo 3º estabeleceu as exceções, no caso o imóvel familiar estará sujeito à penhora, as excessões são as seguintes:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;

II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III - pelo credor de pensão alimentícia;

IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Sobre o preenchimento dos elementos dessas exceções, Araken de Assis (2012, p. 288) coloca “O preenchimento dos elementos de incidência dos incisos que compõem o artigo 3º é questão de fato. Dependerá da prova, por exemplo, a condição de ‘trabalhador residencial’, no caso do inciso I, dentre outras questões de sumo relevo. O ônus da prova é do exequente”. Na hipótese das exceções do referido artigo, o ônus da prova é do exequente, afinal se trata de créditos específicos, o ônus da prova nesse caso não é mais do executado, posto que o devedor será prejudicado com a penhora do seu imóvel residencial.

A primeira hipótese, que consta no inciso I do artigo 3º, são as execuções que versem sobre os créditos dos trabalhadores residenciais e das suas respectivas contribuições previdenciárias. Essa categoria “trabalhadores da própria residência” abrange os trabalhadores domésticos, seja cozinheiro, faxineira, modormo, jardineiro, motorista e etc, nesse caso não importa a formalização do emprego, também se enquadram nessa categoria os trabalhadores eventuais que realizam atividades na residência do devedor, seja pedreiro, eletricista, encanador etc. Não se enquadram na hipotése do inciso I, o crédito do trabalhador da empresa insolvente do proprietário do imóvel e empregados do condomínio, como o zelador, posto que não podem penhorar as unidades autônomas na execução do crédito trabalhista. Se o imóvel tiver uso misto, residencial e comercial, se faz necessário distinguir os trabalhadores da residência e da empresa.

A execução de crédito do financiador da residência, constitui hipótese do inciso II do referido artigo, logo é sujeito à penhora a residência familiar na execução do crédito concedido à aquisição e construção do prédio, esse crédito é concedido pelo financiador da residência, seja instituição financeira ou não, conforme o limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato. O inciso III estabelece a hipótese do crédito alimentar, nesse caso a residência familiar é sujeita à penhora na execução de alimentos, decorrente do predomínio do crédito alimentar em relação ao direito à moradia.

A hipótese do inciso IV, corresponde ao crédito tributário e despesas condominiais, conforme Araken de Assis (2012, p. 290), “Não se reveste de impenhorabilidade a residência familiar perante o crédito tributário que tenha por fato gerador a propriedade ou a posse do prédio e respectivo terreno.”. É penhorável também as unidades autônomas por dívidas contraídas pela necessidade de administrar o condomínio, são as despesas condominiais. O inciso V do artigo 3º, torna o bem de família penhorável na execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar. Sobre essa hipótese, Araken de Assis (2012, p. 291): “Impenhorável que seja a residência, o proprietário pode realizar negócios jurídicos de disposição, e a regra cogita, dentre outros, da instituição de gravame real. É lícito, portanto, constituir hipoteca e predestinar a residência da própria família à execução, como decidiu a 3º Turma do STJ.”. A penhora da residência nessa hipótese, é provocado por ato do devedor ao constituir hipoteca, servindo a sua residência como garantia.

O inciso VI estabelece o crédito resultante de sentença penal condenatória, no qual a residência familiar é penhorável, quando for adquirido com o produto do crime, e no caso de execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. O crédito decorrente da fiança locatícia, constitui hipótese do inciso VII do artigo 3º da Lei 8009/90, nesse caso a residência familiar é penhorável pela obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Conforme Araken de Assis (2012, p. 293), o órgão judiciário ao aplicar  essas exceções à impenhorabilidade da residência familiar, é necessário bastante atenção, devendo aplicar o princípio da proporcionalidade, essencial nesses casos. A penhora é elemento essencial para execução por quantia certa contra devedor solvente, que como já dito tem como objeto expropriar bens do devedor com o fim de satisfazer o direito do credor, nessas hipóteses de exceção à impenhorabilidade do bem de familia, o devedor responderá patrimonialmente com a residência familiar para satisfazer à execução, posto que o direito à moradia não é absoluto, mas sim disponível, e a impenhorabilidade do bem de família é relativa, não é absoluta e irrestrita.

2 Jurisprudências

A análise do caso concreto, se faz necessário para que a Jurisprudência possa aplicar os preceitos da impenhorabilidade do bem de família nas execuções por quantia certa, como referido é necessário observar qual o imóvel é utilizado como moradia pelo casal ou entidade familiar. Uma decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, referente ao Agravo de Instrumento 225809 SC 2010.022580-9, enuncia a necessidade do órgão judicial observar qual o imóvel é destinado a moradia, conforme a ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA. PENHORA DE BEM IMÓVEL. JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. HIPÓTESE VERIFICADA NO CASO CONCRETO. INTELIGÊNCIA DO ART. 1º DA LEI 8.009/90. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.1º8.009Não há necessidade de que o bem familiar seja o único imóvel do acervo, mas aquele único próprio e destinado à moradia. (225809 SC 2010.022580-9, Relator: Victor Ferreira, Data de Julgamento: 27/09/2010, Quarta Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Agravo de Instrumento n. , de Araranguá)

Essa decisão refere-se a aplicação do artigo 5º, parágrafo único da Lei 8.009/90, no qual somente um dos imóveis será beneficiado com a impenhorabilidade do bem de família, que será aquele destinado à moradia do casal ou entidade familiar. A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 1.005.546-SP, decidiu que o imóvel residencial desocupado é penhorável, posto que, no caso concreto, não se destina a moradia da família ou a sua subsistência, conforme a ementa:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. IMPENHORABILIDADE DOBEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL DESOCUPADO.2111. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos dedeclaração.535CPC2. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicadoscomo violados, não obstante a interposição de embargos dedeclaração, impede o conhecimento do recurso especial.3. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o fato de aentidade familiar não utilizar o único imóvel como residência não odescaracteriza automaticamente, sendo suficiente à proteção legalque seja utilizado em proveito da família, como a locação paragarantir a subsistência da entidade familiar.4. Neste processo, todavia, o único imóvel do devedor encontra-sedesocupado e, portanto, não há como conceder a esse a proteção legalda impenhorabilidade do bem de família, nos termos do art. 1º da Lei8.009/90, pois não se destina a garantir a moradia familiar ou asubsistência da família.5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (1005546 SP 2007/0265795-8, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 26/10/2010, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/02/2011)

Sobre o imóvel residencial ser destinado a subsistência da família, não servindo de moradia para entidade familiar, a 3ª Turma do STJ entendeu que se trata também de hipótese de impenhorabilidade do bem família.  No caso do imóvel pertencente ao devedor, que não sirva para a sua moradia, mas aluga o imóvel para o mesmo fim, comprovada que a renda desse aluguel sirva para a subsistência da família do devedor, constitui, conforme entendimento  também da 4ª Turma do STJ, na impenhorabilidade do bem de família, mesmo que o executado e sua família não more no imóvel, mas que sirva para a sua subsistência, conforme a ementa do Recurso Especial 243285 RS:

O ÚNICO BEM DE FAMÍLIA NÃO PERDE OS BENEFÍCIOS DA IMPENHORABILIDADE - LEI Nº 8.009/90 - SE OS DEVEDORES NELE NÃO RESIDIREM E O LOCAREM A TERCEIROS, DESDE QUE A RENDA AUFERIDA SEJA DESTINADA A MORADIA E SUBSISTÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR.8.0091. Conforme precedente da Segunda Seção, "em interpretação teleológica e valorativa, faz jus aos benefícios da Lei 8.009/90 o devedor que, mesmo não residindo no único imóvel que lhe pertence, utiliza o valor obtido com a locação desse bem como complemento da renda familiar, considerando que o objetivo da norma é o de garantir a moradia familiar ou a subsistência da família.".8.0092. Viola a Lei o acórdão que deixa de reconhecer os benefícios da impenhorabilidade do bem de família, em face de os devedores não residirem no imóvel. Dissídio configurado. Recurso conhecido e provido. (243285 RS 1999/0118508-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 26/08/2008, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15.09.2008)

As decisões jurisprudenciais são de suma importância para análise da impenhorabilidade relativa do bem de família na execução por quantia certa contra devedor solvente, posto que é necessário observar o caso concreto para saber se cumpre todos os requisistos e circunstâncias da Lei 8.009/90, além das inovações dos Tribunais, como este último entendimento da 3ª Turma do STJ.

CONCLUSÃO

Na execução por quantia certa contra devedor solvente, a penhora é elemento essencial, pois visa a expropriação dos bens do executado para satisfazer o direito do exequente (credor), entretanto não qualquer bem do devedor que poderá ser nomeado à penhora da execução, por isso o Código de Processo Civil estabeleceu o instituto da impenhorabilidade na execução, com fim de garantir o mínimo existencial para o executado, como por exemplo o bem de família, que constitui a residência familiar. No que tange a impenhorabilidade do bem de família, observa-se com a análise da Lei nº 8.009/90, que trata especificamente disso, que essa impenhorabilidade é relativa, não tem caráter absoluto e irrestrito, devedo cumprir com os requisitos e situações previstas na referida lei.

Essa impenhorabilidade do bem de família se faz essencial para cumprir com o princípio da dignidade da pessoa humana, no que tange ao direito à moradia, visando proteger não só o executado mas toda a sua família, como a impenhorabilidade desse bem de família é relativa, depende do caso concreto para ser aplicada, o que afasta a possibilidade de má-fé do executado, que poderia se aproveitar de uma impenhorabilidade absoluta e irrestrita, e assim busca aplicar o princípio do menor sacríficio possível do executado no processo de execução, buscando cumprir com as suas obrigações na execução conforme suas possibilidades, mas sem prejudicar seus direitos fundamentais e da sua entidade familiar.

REFERÊNCIAS

ASSIS, de Araken. Manual da Execução. 14 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

ASSIS, Araken de. A Nova Discplina da Impenhorabilidade no Direito Brasileiro. In: Execução Civil: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2007.

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[1] Paper apresentado à disciplina de Processo de Execução, ministrado pelo Profº Christian Barros.

[2] Acadêmico do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[3] Acadêmica do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.