A FALÊNCIA DA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA E DA EMPRESA PÚBLICA

Joanny Braga e Louremar Vieira Alves

SUMÁRIO: 1 Introdução; 1.1 Conceituando empresa pública, sociedade de economia mista e o instituto da falência; 2 A exclusão das estatais à luz da Constituição Federal; 3 Correntes doutrinárias que buscam a solução do problema; Considerações Finais; Referências.

RESUMO

O presente trabalho aborda a temática da sujeição das empresas públicas e sociedades de economia mista aos regimes falimentar e de recuperação judicial. A lei falimentar exclui essas empresas, mas a constitucionalidade dessa situação é questionada. Esse debate se assenta na equiparação constitucional das empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividades econômicas às empresas privadas quanto às obrigações civis e comerciais. O assunto é digno de estudo principalmente porque parece apresentar num primeiro momento um abandono dos credores que estariam em situação de desamparo sem poderem cobrar suas dívidas. Neste trabalho, além dos conceitos de sociedade de economia mista, de empresa púbica e do instituto da falência apresentamos as correntes doutrinárias que buscam estudar o assunto apresentando ao problema a uma solução legal.  Os doutrinadores se dividem. Depois de toda a análise dos conceitos e argumentos, conclui-se pela sujeição ao regime da lei falimentar das empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica em regime concorrencial.

Palavras-chave: Falência; Empresa Pública; Sociedade de Economia Mista.

1 INTRODUÇÃO;

Empresa pública e sociedade de economia mista são entes estatais, portanto geridos pelo Estado e cumprem um objetivo onde há interesse público envolvido. Como toda empresa, estas também podem chegar à situação de insolvência patrimonial. Nessa condição cabe ao Estado honrar os débitos já que é o controlador dessas empresas? É o que se imagina e o que nos deixa transparecer quando vemos que a legislação falimentar exclui esses entes e não os contempla nos institutos da falência e da recuperação judicial.

Uma situação de insolvência de qualquer empresa é algo grave, principalmente porque compromete o contexto social em que está inserida. Em relação às estatais em estudo, a situação merece toda a atenção estudo também porque em primeiro momento parece deixar os credores em situação de desamparo sem poderem cobrar suas dívidas.

Diante ao caso, há vários posicionamentos doutrinários a respeito. Há quem sustente uma clara inconstitucionalidade. Há também doutrinadores que defendem outras maneiras para que seja resolvida questão, posicionamentos contrários e outros a favor da sujeição das estatais ao regime falimentar e de recuperação judicial. 

  1. CONCEITUANDO EMPRESA PÚBLICA, SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA E O INSTITUTO DA FALÊNCIA

Uma empresa encontra-se tecnicamente em falência quando suas dívidas (passivo) são superiores ao seu patrimônio (ativo). Resulta dessa condição a situação líquida negativa. Mas não é admissível existência de situações sem a interferência do Estado, o que geraria uma realidade de instabilidade. Por isso o instituto da falência tem o objetivo de com a sua decretação arrecadar os bens do devedor em sua totalidade para efetivar o pagamento do maior número possível de credores.

Fábio Ulhoa Coelho no entanto, destaca:

Para que o devedor empresário se submeta à execução concursal falimentar, é rigorosamente indiferente a prova da inferioridade do ativo em relação ao passivo. Não é necessário ao requerente da quebra demonstrar o estado patrimonial de insolvência do requerido para que se instaure a execução concursal falimentar, nem por outro lado, se livra da execução concursal o empresário que lograr demonstrar eventual superioridade do ativo em relação a passivo (COELHO, 2005, pág. 101).

O processo de falência pode ser iniciado de duas maneiras. A primeira é através de requerimento de algum dos credores. A segunda forma é de forma automática quando o pedido de recuperação judicial feito pelo devedor é indeferido.

A falência é o processo judicial de execução concursal do patrimônio do devedor empresário, que envolve todos os credores e abrange todos os bens, reunindo a totalidade do passivo e do ativo do devedor.

A Sociedade de Economia Mista como o próprio nome dá a entender, permite associar capital público e privado. Conforme dispõe o Decreto-lei 200/67 é: “a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam, em sua maioria, à União ou a entidade da administração indireta.”

A empresa pública, porta em si a condição de pessoa jurídica de direito privada. A expressão ‘pública’ na sua denominação a diferencia por se tratar de uma empresa estatal que precisa de autorização legislativa para atuar e deve ter capital totalmente público.

A empresa pública autônoma é uma criação do Estado, submete-se, portanto, a estatuto definido pelo Estado. Sua existência depende do estado que a instituiu. Precisamente porém, em virtude desta instituição, o estado introduz no setor de economia pública uma estrutura descentralizada. A conservação desta descentralização supõe o respeito a autonomia da empresa pública. Exige que não seja colocada sob a autoridade hierárquica de órgãos ou agentes do Estado (Ministério por ex.). Dentro  dos limites de sua carta constitutiva a empresa age livremente. A autonomia da empresa subsiste se o Estado definir as obrigações  das unidades do setor econômico sob a forma de planos gerais. Não é incompatível  com uma participação do estado limitada e fixada  pelo estatuto da empresa, na gestão. Atrai à si, diferentes  formas  de controle pelo Estado administrativo, financeiro, jurisdicional, parlamentar. Esses controles têm como finalidade verificar se a empresa está sendo gerida convenientemente. Permitem  corrigir uma administração infeliz ou  irregular. (MEIRELLES, 2001)

 

Marçal Justen Filho oferece conceituação mais aprimorada:

 

Empresa pública é uma pessoa jurídica de direito privado, dotada de forma societária, cujo capital é de titularidade de uma ou mais pessoas de direito público e cujo objeto social é a exploração de atividade econômica ou a prestação de serviço público ou de serviços de apoio ao próprio (JUSTEN FILHO, 2011, pág. 258).

 

 

  1. A EXCLUSÃO DAS ESTATAIS À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Não é justo admitirmos que o Estado desempenhe atividade econômica sem observar a possibilidade de falência. Isso seria uma atitude capaz de comprometer a livre concorrência e impor restrições à liberdade de iniciativa. Entretanto, com muita propriedade, José Alexandre Corrêa Meyer, em seu artigo, alerta:

 

O mesmo não se dirá, entretanto, quanto à sociedade de economia mista e as empresas públicas que tenham como objeto a prestação de um serviço público. Parece não ter sido sem propósito que o parágrafo primeiro do artigo 173 da Constituição da República não faz referência às empresas que exploram atividade econômica de prestação de serviços públicos. Tais entidades têm o seu regramento estabelecido no artigo 175, que ao dispor sobre a forma indireta de exploração de atividade dessa natureza- concessão ou permissão – remete para a lei ordinária à fixação do regime jurídico aplicável as empresas concessionárias ou permissionárias. (MEYER, 2006, 108)

 

A expressão “atividade econômica de exploração de serviço público”, nos diz Eros Grau:

 

A prestação de serviço público está voltada à satisfação de necessidades, o que envolve a utilização de bens e serviços, recursos escassos. Daí podermos afirmar que o serviço público é um tipo de atividade econômica. Serviços Públicos - dir-se-á mais, é o tipo de atividade econômica cujo desenvolvimento compete preferencialmente ao setor público. Não exclusivamente, nota-se, visto que o setor privado presta serviço público em regime de concessão ou permissão. (GRAUS, 1990).

 

O artigo 173 da Carta Magna prevê o mesmo regime de direitos e obrigações tanto para as empresas privadas como públicas, o artigo 2° da Lei de Falência prevê que as empresas públicas não estão sujeitas ao regime falimentar. Essa exclusão parece ir de encontro ao que preceitua a Constituição uma vez que representa a exclusão discriminatória de determinadas sociedades empresárias.

A Constituição atribuiu regime correspondente ao das empresas privadas às estatais exploradoras de atividade econômica, inclusive quanto às obrigações comerciais e civis. Logo não se admite vantagem de qualquer tipo destas em relação às empresas particulares.

A respeito do assunto nos diz o professor José dos Santos Carvalho Filho:

 

Com o advento da Lei nº 11.101, de 9.2.2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária e revoga o vetusto Decreto-lei nº 7.661/45, a matéria, ao menos em termo de direito positivo, ficou definida. Dispõe o art. 2º, inc. I, do referido diploma, que a lei não se aplica a empresa pública e sociedade de economia mista. Como o legislador foi peremptório a respeito e não distinguiu as atividades de tais entidades, deve concluir-se que não se aplica o regime falimentar a essas pessoas paraestatais, independentemente da atividade que desempenhem. Sejam, pois, prestadoras de serviços públicos ou voltadas a atividades econômicas empresariais, estão excluídas do processo falimentar aplicável às sociedades empresárias do setor privado em geral.

 

Em nosso entendimento, não foi feliz (para dizer o mínimo) o legislador nessa opção. De plano, o dispositivo não parece mesmo consentâneo com a ratio inspiradora do art. 173, §1º, da Constituição. De fato, se esse mandamento equiparou sociedades de economia mista e empresas públicas de natureza empresarial às demais empresas privadas, aludindo expressamente ao direito comercial, dentro do qual se situa obviamente a nova lei de falências, parece incongruente admitir a falência para estas últimas e não admitir para aquelas: seria uma discriminação não autorizada pelo dispositivo constitucional. Na verdade, ficaram as entidades paraestatais com evidente vantagem em relação às demais sociedades empresárias, apesar de ser idêntico o objeto de sua atividade. Além disso, se o Estado se despiu de sua potestade para atuar no campo econômico, não deveria ser merecedor da benesse de estarem as pessoas que criou para esse fim excluídas do processo falimentar. Desse modo, se justificável era a exclusão dessas entidades quando prestadoras de serviços públicos, não há justificativa plausível para descartar também as que exploram atividade meramente econômica (CARVALHO FILHO, 2011, pág.471).

 

Desta forma a exclusão das empresas públicas e sociedades de economia mista, de modo integral, prevista na Lei de Falências é inconstitucional, porquanto afasta a possibilidade de falência das empresas estatais não prestadoras de serviços públicos. Afinal, as empresas públicas e sociedades de economia mista foram concebidas para facilitar ao Estado a exploração de atividade econômica (em sentido amplo), mediante a prestação de serviço público ou exploração direta de atividade econômica (em sentido estrito) pelo Estado.

O argumento de alguns doutrinadores para justificar a exclusão, é dado por doutrinadores em relação à função das estatais. Segundo muitos doutrinadores as Empresas Públicas não estariam sujeitas à falência por terem sido  criadas para atendimento de relevante interesse coletivo ou imperativo de segurança nacional,. Estariam assim amparadas pelo principio da supremacia do interesse publico, e a decretação da falência feriria o interesse da coletividade no momento em que este decaísse sobre o interesse privado.

O questionamento necessário a se fazer é sobre o momento em que essas empresas infringem as regras que alteram o funcionamento delas, portanto partindo daí o agravo ao interesse público no momento em que deixam de desempenhar de forma correta e efetiva sua função.

A questão a se levar em consideração é que as Empresas Públicas desempenham atividade econômica de forma que as coloca no mesmo nível das empresas privadas. O que justificaria esse privilégio imposto pela Lei de Falência? Não há uma resposta plausível. O que se verifica é uma quebra do princípio constitucional da isonomia.

As sociedades de economia mista e as empresas públicas que explorem atividade econômica em sentido estrito estão sujeitas, nos termos do disposto no § 1º do artigo 173 da Constituição do Brasil, ao regime jurídico próprio das empresas privadas. 3. Distinção entre empresas estatais que prestam serviço público e empresas estatais que empreendem atividade econômica em sentido estrito 4. O § 1º do artigo 173 da Constituição do Brasil não se aplica às empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades (estatais) que prestam serviço público (GRAUS, 2008)

 

 Segundo ensinamentos de Luís Roberto Barroso (BARROSO, 1993): “Por força da supremacia constitucional, nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de vontade pode subsistir validamente se for incompatível com a Lei Fundamental”.

 

Também ensina Celso Antônio Bandeira de Mello:

 

Quando se tratar de exploradoras de atividade econômica, então, a falência terá curso absolutamente normal, como se de outra entidade mercantil qualquer se tratara. É que a Constituição, no art. 173, §1º, II, atribui-lhes sujeição “ao regime jurídico próprio das empresas privadas inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais (...). Quando, pelo contrário, forem prestadoras de serviço ou obra pública, é bem de ver que os bens afetados ao serviço e as obras em questão são bens públicos e não podem ser distraídos da correspondente finalidade, necessários que são ao cumprimento dos interesses públicos a que devem servir. Com efeito, não faria sentido que interesses creditícios de terceiros preferissem aos interesses de toda a coletividade no regular prosseguimento de um serviço público. O mesmo se dirá em relação a obras servientes da coletividade. Assim, jamais caberia a venda destes bens em hasta pública, que seria o consectário natural da penhora e execução judicial em caso de falência (MELLO, 2007, 56)

 

3 CORRENTES DOUTRINÁRIAS QUE BUSCAM A SOLUÇÃO DO PROBLEMA

 

Doutrinadores como Fábio Ulhoa Coelho, não admitem a possibilidade de que as empresas públicas e sociedades de economia mista se submetam à falência.

A lei prevê, no art. 2º, a exclusão completa e absoluta dessas sociedades. Em relação às hipóteses albergadas no inciso I, isso é verdade desde logo. A sociedade de economia mista e a empresa pública não estão em nenhuma hipótese sujeitas à falência, nem podem pleitear a recuperação judicial (COELHO, 2010, pág. 27).

 

Na mesma linha de racionicio, Sérgio Campinho enfatiza:

 

A Lei n 11.101/2005, em seu artigo 2º, exclui, explicitamente, a sociedade de economia mista e a empresa pública de sua incidência, retornando, em relação a primeira, ao conceito central traduzido na versão original da Lei nº 6.404/76 (Lei das S/A). Assim, não podem ser sujeito passivo de falência ou de recuperação judicial extrajudicial ditas pessoas jurídicas (CAMPINHO, 2009, pág 24).

 

 

Para estes autores, portanto, o Poder Público controlador segue responsável

subsidiariamente pelo adimplemento das obrigações em caso de insolvência da estatal. O doutrinador Sergio Campinho explica:

 

A Lei nº 11.101/2005, em seu artigo 2º, exclui, explicitamente, a sociedade de economia mista e empresa pública de sua incidência, retornando, em relação à primeira, ao conceito central traduzido na versão original da Lei nº 6.404/76 (Lei das S/A). Assim, não podem ser sujeito passivo de falência ou de recuperação judicial e extrajudicial ditas pessoas jurídicas. No caso de estarem insolventes, cabe ao Estado a iniciativa de dissolvê-las, arcando com os valores necessários à integral satisfação dos credores, sob pena de não se poder realizar uma dissolução regular, a que está obrigado, em obediência aos princípios da legalidade e da moralidade, inscritos no artigo 37 da Constituição Federal de 1988 (CAMPINHO, 2010, pág.23).

 

O doutrinador Cretella Júnior, sustenta  que as empresas públicas e sociedades de economia mista  poderiam, em tese, sujeitar-se à falência sendo, todavia, esta hipótese infactível, uma vez que estando a estatal insolvente, seria de pronto socorrida pelo Estado, em preservação do interesse público que motivou sua criação.

Cretella adota posição entre os autores que consideram possível a falência e recuperação das empresas estatais e daqueles autores que consideram inviável esta possibilidade.

A sociedade de economia mista e a empresa pública, como qualquer sociedade privada, estaria sujeita à decretação de falência. Evidentemente o Estado tem interesse em evitar a falência, em nome da continuidade do serviço público. Para que se preserve o interesse público o Estado pode socorrê-la, garantindo recursos para pagamento dos credores. Do contrário poderá haver penhora e execução de seus bens, respondendo o Estado subsidiariamente (CRETELLA JÚNIOR, 2001, pág.101).

Renato Ventura Ribeiro advogada a possibilidade  de ser decretada a falência da empresa pública, mas os efeitos da quebra não poderia atingir ou se estender aos sócios, podendo inclusive ser beneficiada pela regra da recuperação de empresas. E conclui que:

 É inconstitucional o diposto no art. 2., I, da Lei 11.101/05, que exclui as empresas públicas e sociedade de economia mista do regime falimentar, por contrariar o art. 173, da Carta Magna, que determina a sujeição das referidas sociedades às leis comerciais aplicáveis às empresas privadas inclusive a de falências (RIBEIRO, 2006, pág.119 )

 

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa propõe que o instituto da falência é aplicável às empresas públicas e sociedades de economia mista. Este ponto de vista baseia-se, sobretudo, na natureza jurídica de tais entes, que são criados como pessoas jurídicas de direito privado, a teor da legislação.

A concentração da atenção seria na mera forma empresarial de que se revestem estes entes da Administração Pública Indireta. Essa característica seria suficiente para justificar a sua sujeição a um regime jurídico predominantemente de direito privado. Essa sujeição à falência serviria para resguardar os credores da insistência do Estado em não recapitalizar a empresa pública ou sociedade de economia insolvente.

Verçosa defende a possibilidade de falência, mas não de recuperação judicial, das empresas públicas e sociedades de economia mista. Para o doutrinador, a assunto não pode se esgotar na aplicação pura e simples da lei falimentar  tual, sob pena de se criar um regime jurídico injusto e inconstitucional (e inconstitucional como se verá).

Contudo, tendo em conta os princípios que regem o Direito Administrativo, especialmente o princípio da moralidade administrativa, também de matriz constitucional (art. 5º, inciso LXXIII), estaria impedido o Estado de deixar insolventes os instrumentos dos quais se utiliza para o exercício do seu papel constitucional. Disto resultaria que, diante da insolvência de uma empresa pública ou de uma sociedade de economia mista, dever-se-ia entender que o Estado é subsidiariamente responsável, nada impedindo que os credores requeressem sua falência quando não pagos, cabendo ao síndico efetivar judicialmente tal responsabilidade. Neste sentido, se o Estado viesse a não se interessar mais, por qualquer motivo, manter solvente uma empresa pública ou uma sociedade de economia mista, não poderiam os credores desta experimentar quaisquer prejuízos. Neste caso, a falência implicaria na liquidação do ente, cujo passivo seria inteiramente pago com a venda dos seus ativos e a complementação do saldo restante a cargo do Estado, subsidiariamente responsável (VERÇOSA, 2005, pág.101)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A busca por uma solução constitucionalmente viável para a possibilidade de falência das empresas públicas e das sociedades de economia mista, levou ao estudo para elaboração deste artigo.

A Lei n.º 11.101/05 (Lei de Falências), trouxe em seu art. 2º, inciso I, a impossibilidade da falência das empresas públicas e sociedades de economia mista. Contudo, existe sustentação hermenêutica baseada no artigo 173 da Constituição Federal que possibilita a falência dessas empresas estatais.

O legislador adotou um critério negativo direto, a partir de juízo de valor não explicitado para excluir as empresas públicas e sociedades de economia mista da Lei de Falência. Dessa forma o legislador reservou à legislação especial a recuperação e a falência de tais empresas.

Uma vez que as empresas públicas e as sociedades de economia mista só podem ser criadas por lei, segundo o que dispõe o art. 37, XIX da Constituição Federal, some deveriam ser dissolvidas por lei. É isso que defende uma corrente de doutrinadores para os quais o Estado so deve intervir na economia nos casos expressamente previstos na Constituição

Quando as sociedades de economia mista e as empresas públicas exercem atividades econômicas, estão dotadas de personalidade jurídica de direito privado e operam verdadeiramente como particulares no mercado.

O correto seria que o Poder Público limitasse a sua interferência no mercado, por meio dessas empresas quando realmente houvesse relevante interesse coletivo ou imperativo da segurança nacional. Não é o que se verifica.  Vemos o Estado competindo com a indústria ou o comércio há bastante tempo.

Como foi visto, várias são as respostas oferecidas pela doutrina pátria, cada qual fundamentada em ponderações que valorizam mais um ou outro fator dentre todos os que pesam para a elucidação deste tópico. Justamente por isso, nenhuma delas é bem sucedida em harmonizar todos os aspectos relevantes à consideração da aplicação dos regimes falimentar e de recuperação judicial às empresas públicas e sociedades de economia mista de modo a afastar críticas.

Concluirmos pela impossibilidade de falência e recuperação judicial de empresas públicas e sociedades de economia mista viola os princípios de livre concorrência e desrespeita o comando normativo que equipara as estatais exploradoras de atividades econômicas às empresas privadas no tocante às suas obrigações; por outro lado, admitir a sujeição de tais entidades aos referidos regimes falimentar e de recuperação judicial, além de pressupor a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Falimentar, implica aceitar a possibilidade de sujeitar uma entidade estatal à gerência do administrador judicial ou síndico da massa falida e, da mesma forma, sugere a preponderância dos interesses privados dos credores sobre o interesse público que sustenta a existência da empresa estatal.

REFERÊNCIAS

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CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de direito administrativo, vol. I: teoria do direito administrativo. 2. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 26ª Edição, p.348, São Paulo: Malheiros, 2001.

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