Certa vez H. V. Sodré, ao escrever sobre educação, deu o seguinte título a um de seus livros: “Se a boa escola é a que reprova, o bom hospital é o que mata”.

Podemos entender esse título se entendermos o objetivo da escola e a finalidade do hospital: ambos existem com a finalidade de elevar: ensinar o aluno para que ele se promova, desenvolva seus potenciais e se prepare para a vida; curar o enfermo para reassumir plenamente suas atividades cotidianas. Se não for para isso não tem sentido a existência da escola nem do hospital.

Entretanto se analisarmos o que realmente ocorre a situação é diferente: No hospital as pessoas enfermas morrem mesmo contra a vontade dos parentes e dos médicos; estudantes reprovam independentemente da qualidade da escola e da dedicação do professor. Portanto a morte e a reprovação são realidades presentes nos hospitais e nas escolas. Não é esse seu objetivo, mas isso ocorre. Tentar disfarçar ou negar que isso ocorre é afirmar um erro.

Portanto, o título do livro mencionado, se não for bem entendido, pode induzir a um equívoco: pensar que todos os estudantes devem ser aprovados indistintamente. E se não ocorrer cem por cento de aprovação a escola estaria se desviando de seu objetivo.

Mas a propósito de quê estamos falando disso?

A intenção é desmistificar um outro clichê que enche a poca de gestores desqualificados e dos representantes do sistema escolar, tentando culpabilizar os professores por um problema que deixou de ser conjuntural para se tornar estrutural. A afirmação diz que se existe um volume muito alto de reprovações significa que a ação do professor tem sido negligente.

Quer dizer: se as notas forem boas e todos os alunos forem aprovados o trabalho foi bem feito – independentemente de os alunos terem aprendido ou não. Isso porque com a atual legislação a aprovação é quase automática. Mesmo não tendo estudado o aluno acaba sendo promovido por força de artifícios da legislação que norteia o processo de avaliação escolar. Entretanto, se ocorrer o contrário, o professor meio que afrontar a legislação e exigir que a nota seja reflexo do aprendizado, ocorrerá o seguinte: a grande maioria das notas serão baixa, haverá muita reprovação e o professor será visto como negligente.

Qual é, então nosso problema, nesta discussão? Voltemos à comparação com o hospital! Você e eu sabemos o que ocorre durante um tratamento médico. Faz-se a consulta, é feito o diagnóstico. E o médico faz a prescrição do tratamento: tomar tais medicamentos e cumprir determinadas exigências comportamentais e alimentares. Você e eu sabemos que, em muitos casos o paciente não cumpre, à risca, a determinação médica. E, em vários casos, não o paciente não se cura. A culpa, nesse caso, é do médico? Evidente que não, pois o paciente não se submeteu ao tratamento!

Voltemos para a escola. Pra que ela existe? A escola é um espaço de aprendizado. E a função do professor, nesse universo, é o ensino. O professor vai para a sala de aula propõe conteúdos, métodos e técnicas de estudo e aprendizagem. Mas o que efetivamente ocorre? Os professores que estão lendo sabem e os pais que forem honestos também concordarão: na maioria das vezes o professor passa grande parte do seu tempo de aula, chamando a atenção dos “bagunceiros” que não querem estudar e, o que é pior, atrapalham o estudo dos outros. Consequência: pouco aprendizado, notas baixas e consequente reprovação.

O professor, como médico do saber, está ministrando seu medicamento/ensino e prescrevendo o tratamento/estudo. Mas o paciente/aluno, cumpre com sua parte no tratamento? Não! Então, se o aluno não quer estudar e nem se dedica ao processo do aprendizado, poderá o professor ser responsabilizado pela nota baixa e reprovação do aluno?

Se o médico não pode ser culpabilizado pelo paciente negligente o professor também não pode ser responsabilizado pelo aluno que não quer estudar.

Então que morra o paciente negligente e reprove o estudante relapso!

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO