“Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens” 

Werner Schrör Leber 

CAPITULO I 

Há várias traduções deste texto para o português. Adotamos a versão indicada na nota[1]. O livro principia com uma citação de A Política, de Aristóteles, segundo a qual, conforme entendimento de Rousseau, é preciso estudar o que é natural nos seres que vivem conforme a natureza (p. 47). Ele se dirige aos cidadãos de Genebra e não apenas aos que detém o poder. Genebra era governada por um grupo de vinte e cinco homens na época. Expõe a situação natural do homem. De fato, o homem é mais fraco que outras espécies, alega Rousseau, mas as outras espécies não têm motivos para lutar contra os seres humanos (p.50). Por que não teriam? A natureza é sábia e cuida de seus filhos com predileção (p. 53). Estar nu, não ter casa não é problema. As posses são invenções humanas (p. 53-54).

Na natureza existe igualdade, sentencia Rousseau de modo categórico (p. 50-51). Rousseau passa então a atacar seus desafetos políticos, no caso Thomas Hobbes e John Locke. Esses dois britânicos, segundo o suíço, não teriam meditado suficientemente sobre a relação Ser Humano e Natureza. Foram afoitos e agiram por interesses em fundamentar teses políticas de governos para quem trabalhavam. Concluíram apressadamente uma série de apontamentos sobre a propriedade privada sem considerar como teria sido os primeiros homens em estado de natureza. Estando Hobbes por demais ocupado em justificar o Estado Monárquico, não pensou, mas apenas defendeu uma ideologia que justificasse a política de monarcas. Dessa forma, apenas justificou a natureza como violência, como má e definiu o homem natural como mau porque assim convinha para justificar a sua filosofia segundo a qual na natureza só há conflito e falta de segurança, entende Rousseau (p. 49). A desigualdade provém dos homens. Rousseau fala que se pudesse escolher onde nascer, escolheria um lugar onde o amor entre os cidadãos fosse maior que o amor à pátria. Rousseau tem Esparta como exemplo. Lá se vivia uma vida dura, em exposição aos elementos naturais e com vigor físico. A relação entre as pessoas é direta é igual. Rousseau critica o absolutismo francês, e prefere a democracia. A lei deve ser igual para todos, e ninguém deve se pôr acima dela. Na pátria que Rousseau queria ter nascido, os homens, acostumados à independência, são dignos dela. Nela, o domínio da fronteira não seria motivo de guerra. O direito de legislar seria comum a todos os cidadãos. 

A natureza humana antes de haver Estado e Civilização

 A primeira língua dos homens foi o grito, uma espécie de grunhido, conforme Rousseau nos informa (p. 63). Eram gritos instintivos, ligados à sobrevivência. Também os gestos eram utilizados. Rousseau, nesse caso, não deixa peremptoriamente claro o porquê de ele pensar assim. Simplesmente afirma que os gestos foram formas comunicativas utilizadas pelos humanos em estado de natureza. Também a língua falada possivelmente foi sempre no infinitivo sem adjetivos rebuscados. O rebuscamento não é da natureza, é complexidade que só surgiu quando o ser humano perdeu sua condição de livre (p. 64). Rousseau, no entanto, reconhece que os humanos tinham uma aptidão, a Perfectabilidade com a qual conseguiam se comunicar e descrever objetos (p. 64-65). Os demais animais careciam dessa aptidão.  Os primeiros substantivos foram nomes próprios. Os gramáticos perverteram tudo, no entendimento de Rousseau. Criaram normas porque se apoiavam nas ideias dos discursos de iluministas e não viram que o homem natural possuía uma linguagem muito mais simples e mais eficaz que a língua teórica e alfabética (p. 65-66). A vida selvagem é boa e nela não há os problemas sociais das sociedades complexas. Na natureza ninguém se suicida e nem se queixam de sua existência (p. 67).

Os primeiros homens não tinham a noção Bom e Mau, noções morais. Elas são invenções posteriores quando a verdadeira moral e a verdadeira ética já tinham sido ceifadas pela ganância e pela propriedade (p. 68). Assim escreve Rousseau, criticando severamente Hobbes:

 

Não concluamos com Hobbes que por não ter nenhuma ideia da bondade, o homem é naturalmente mau, que é vicioso porque não conhece a virtude e que recusa sempre a seus semelhantes serviços que julga não lhes dever; nem concluamos que, em virtude do direito que se atribui com razão sobre as coisas de que necessita, ele se imagine loucamente ser o único proprietário de todo o universo. Hobbes percebeu muito bem o defeito de todas as definições modernas do direito natural, mas as consequências que tira da sua definição mostram que ele a toma num sentido que não é menos falso (p. 68-69).

 

Hobbes associa robustez à maldade. Erro que Rousseau não perdoa em Hobbes. Fraqueza é se emancipar, renunciar à robustez (p. 69). Não existe, portanto, desigualdade na natureza. Foi o desenvolvimento da civilização (p. 78-79) que levou o ser humano a abandonar a natureza e mergulhar na servidão do Estado Moderno. 

CAPÍTULO II 

Inicia com a clássica definição de Rousseau de que a liberdade terminou quando a propriedade é inventada, cuja reprodução literal é a que segue: 

O primeiro que, ao cercar um terreno, teve a audácia de dizer ISTO É MEU e encontrou gente bastante simples para acreditar nele foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras e assassinatos, quantas misérias e horrores teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas e cobrindo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: NÃO ESCUTEM ESSE IMPOSTOR! ESTARÃO PERDIDOS SE ESQUECEREM QUE OS FRUTOS SÃO DE TODOS E A TERRA DE NINGUÉM! (p. 80). 

Rousseau faz agora uma análise política. Afirma que nenhum filósofo dos que o criticaram de fato analisou a natureza. Todos passaram longe e só produziram blasfêmias, conforme se pode ler na passagem abaixo: 

Os filósofos que examinaram os fundamentos da sociedade sentiram a necessidade de remontar até ao estado de natureza, mas nenhum deles aí chegou. Uns não vacilaram em supor no homem desse estado a noção do justo e do injusto, sem se inquietar de mostrar que ele devia ter essa noção, nem mesmo que ela lhe fosse útil. Outros falaram do direito natural que cada qual tem de conservar o que lhe pertence, sem explicar o que entendiam por pertencer. Outros, dando primeiro ao mais forte autoridade sobre o mais fraco, fizeram logo nascer o governo, sem pensar no tempo que se devia ter escoado antes que o sentido das palavras autoridade e governo pudesse existir entre os homens. Enfim, todos, falando sem cessar de necessidade, de avidez, de opressão, de desejos e de orgulho, transportaram ao estado de natureza idéias que tomaram na sociedade: falavam do homem selvagem e pintavam o homem civil. Não ocorreu mesmo ao espírito da maior parte dos nossos duvidar que o estado de natureza tivesse existido, quando é evidente, pela leitura dos livros sagrados, que o primeiro homem, tendo recebido imediatamente de Deus luzes e preceitos, não estava também nesse estado, e que, acrescentando aos escritos de Moisés a fé que lhes deve toda filosofia cristã, é preciso negar que, mesmo antes do dilúvio, os homens jamais se encontrassem no puro estado de natureza, a menos que, não tenham nele caído de novo por algum acontecimento extraordinário: paradoxo muito embaraçante para ser defendido e absolutamente impossível de ser provado (p. 95). 

Foram os governos, surgidos da enganação e da trapaça que fizerem surgir as desigualdades à medida que traíram a confiança depositada neles. O despotismo político fez surgir o Estado e o Estado fez surgir a propriedade, a verdadeira causa da desigualdade. E as Leis escritas são apenas instrumentos que legitimam a desigualdade e garantem a violência e a usurpação do Estado em nome das pessoas que ele traiu (p. 102). Os governos, portanto, são de início corruptos arbitrários (p. 103). O ser humano, antes do Estado e das Cercas, tinha o coração e a ingenuidade (p. 104) como norma. De mais mais necessitava pois tomava da natureza somente o necessário. Mas aqueles escolhidos naturalmente por serem mais fortes em termos naturais, saíram na frente e fundaram o Estado para representar os outros. Erro fatal! Dessa eleição veio a magistratura e depois a aristocracia. Foi o fim da inocência e da igualdade natural (p. 105). A consequência foi a herança de propriedade, depois o Estado, do qual tornaram-se donos. Dessa forma, coloram-se acima dos demais e se declararam a si mesmos deuses e reis (p. 106-107). A desigualdade tornou-se, assim, a covardia de usurpadores que tratavam as coisas conforme as conveniências e converteram os outros, antes livres, agora em vassalos e escravos (p. 108). E Rousseau conclui que a vaidade dos usurpadores é uma alegria fulgaz, um prazer estúpido que consiste em se apresentar como rico diante da miséria dos outros. Só são felizes, não pelo têm, mas porque têm prazer em ver a miséria. Se a miséria acabasse, deixaram de ser felizes (p. 109). Só mentes perversas, desvirtuadas pela propriedade e pela usurpação do que antes era de todos, assim pensam. A conclusão é que a propriedade, o Estado, transformou todos e tudo em infelizes, em submissos. Mesmo os usurpadores estão sujeitos ao Estado, que agora reina acima deles também. O direito, visto como a racionalização, como justiça, para Rousseau não passa de uma peça que destruiu a verdadeira liberdade, a natureza, e submeteu o ser humano às regras do Estado Político, despótico e opressor (p. 113-114). 

REFERÊNCIA 

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homensTradução de Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2011, p. 47 -114. (Coleção: Pocket, nº 704) 

[1] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Tradução de Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2011, p. 47 -114. (Coleção: Pocket, nº 704). A paginação referida nas anotações e considerações do texto seguem a da edição acima citada.