A AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO

A oitiva do apenado é parte integrante do processamento do incidente de regressão de regime prisional, tendo sido fundada com base nos princípios do contraditório e da ampla defesa, concebendo o nome de audiência de justificação.

Não obstante, não possuindo qualquer previsão expressa no ordenamento jurídico brasileiro, a audiência de justificação é uma criação jurisprudencial e doutrinária baseada fundamentalmente no § 2° do art. 118 da LEP, que preconiza:

Art. 118 - A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:

I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;

II - sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime (artigo 111).

§ 1° O condenado será transferido do regime aberto se, além das hipóteses referidas nos incisos anteriores, frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta.

§ 2º Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior, deverá ser ouvido previamente o condenado.

A disposição normativa da audiência de justificação surgiu a partir da idéia do magistrado ouvir o reeducando acusado pela prática de determinado fato definido como crime doloso ou falta grave no curso da execução penal[1], devendo o ato ser obrigatoriamente realizado em período anterior a formalização de uma decisão final sobre uma eventual regressão de regime do preso.

Na formalidade do ato o condenado será conduzido até a presença do juiz competente a fim de aclarar toda sorte de fatos imputados contra si, sendo defesa a apresentação de uma justificativa oral ou técnica para tanto, de maneira que, tais justificativas possam vir a servir como meios de prova ao livre convencimento do julgador na tomada de uma decisão final.

Neste viés, na anuência de falta grave na execução penal, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é clara no condizente a necessidade da oitiva do preso em audiência de justificação, senão vejamos:

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. FUGA. FALTA GRAVE. COMETIMENTO DE CRIME DOLOSO. ART. 118, I E § 2° DA LEP. AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. NECESSIDADE. Comete falta grave o preso que fugir do estabelecimento carcerário, nos termos do art. 50, inciso II da LEP, sujeitando o infrator à regressão do regime carcerário - 118, I da LEP. O § 2° do art. 118 da LEP exige a oitiva do apenado em audiência de justificação, antes da deliberação sobre cometimento de falta grave. Justificativa a ser prestada em audiência especialmente designada para apuração de falta grave. Inobservância de comando de lei expresso. Imprescindibilidade da medida. Decisão desconstituída, para que outra seja proferida após a audiência de justificação prévia do apenado. DE OFÍCIO, DESCONSTITUÍDA A DECISÃO PARA QUE OUTRA SEJA PROFERIDA, APÓS OUVIDA DO APENADO, EM AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. AGRAVO PREJUDICADO. (Agravo Nº 70059342253, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 11/06/2014)

Com relação à oitiva do condenado[2], cumpre ressaltar o caráter “literal” desta expressão, ou seja, o mesmo terá a oportunidade de verbalizar ao magistrado todas as razões que o levaram a cometer determinado ato no âmbito da sua pena, bem, como, apresentar seus meios próprios de defesa.

Com relação à apresentação de defesa técnica sem o comparecimento do preso à audiência de justificação, a jurisprudência é clara:

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. FUGA. FALTA GRAVE. ART. 118, I E § 2° DA LEP. AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. NECESSIDADE. O § 2° do art. 118 da LEP exige a oitiva do apenado em audiência de justificação, antes da deliberação sobre cometimento de falta grave. Justificativa a ser prestada em audiência especialmente designada para apuração de falta grave. Inobservância de comando de lei expresso. Imprescindibilidade da medida. Manifestação prévia da defesa técnica que não supre a providência legal. Decisão desconstituída, para que outra seja proferida após a audiência de justificação prévia do apenado. AGRAVO EM EXECUÇÃO PROVIDO. DECISÃO DESCONSTITUÍDA, PARA QUE OUTRA SEJA PROFERIDA, APÓS OUVIDA DO APENADO, EM AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. (Agravo Nº 70057764029, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 29/01/2014)

De outra banda, a oitiva do apenado não dispensará a manifestação e presença de uma defesa técnica[3], sendo causa de nulidade a sua ausência no ato, sendo este entendimento uma clara decorrência do princípio do contraditório e da ampla defesa

A AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO E UMA NOVA CONDENAÇÃO

A instauração de um incidente específico de regressão de regime atenderá a uma série de formalidades na hipótese do inciso I do § 1º do art. 118 da LEP[4], situação onde, a oitiva do apenado em audiência de justificação será exigida, conforme amplo entendimento jurisprudencial existente, nestes termos:

AGRAVO EM EXECUÇÃO. LIVRAMENTO CONDICIONAL. PRÁTICA DE NOVO DELITO. FALTA GRAVE. NECESSIDADE DE AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. A prática de fato doloso no período de livramento condicional configura falta grave, que implica em imposição dos consectários legais. Necessidade da prévia oitiva do apenado. Audiência de justificação que se faz necessária. Artigo 118, § 2º da Lei de Execução Penal. Recurso provido. (Agravo Nº 70059494625, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, Julgado em 05/06/2014)

Contudo[5], a instauração deste incidente não exigirá maiores formalidades na anuência do inciso II do art. 118 da LEP, na situação onde o apenado venha a sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime”.

Neste sentido[6], em se tratando de revogação obrigatória ocasionada por sentença irrecorrível, a regressão de regime poderá ser decretada de ofício pelo juiz, ou a requerimento do Ministério Público, sendo nesta hipótese, desnecessária a oitiva do apenado.

Assim[7], a ausência da justificação prévia do condenado com relação a uma nova condenação por crime anterior não culminará em qualquer atentado aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, haja vista a existência de interdependência entre os fatos. Sobre o tema, a jurisprudência é cristalina:

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. CRIME PRATICADO NO CURSO LIVRAMENTO CONDICIONAL. REVOGAÇÃO OBRIGATÓRIA. PROCEDIMENTO. A condenação definitiva por crime praticado no curso de livramento condicional enseja a obrigatória revogação do benefício. E a decisão que a determina deve ser precedida do procedimento previsto no art. 112, §§ 1º e 2º, da Lei de Execução Penal, oportunizando-se manifestação da defesa acerca do pleito deduzido, no particular, pelo Ministério Público, afigurando-se desnecessária a oitiva do apenado em audiência de justificação. Mostra-se defeso o cômputo na pena do período em que o liberado esteve em livramento condicional, se a revogado o benefício em virtude de condenação definitiva por crime praticado durante a liberdade condicional. AGRAVO DESPROVIDO. (Agravo Nº 70059683383, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Honório Gonçalves da Silva Neto, Julgado em 24/06/2014)

De outra banda, o entendimento retro não é estendido ao âmbito da revogação facultativa da liberdade condicional (art. 87, CP), onde a realização da audiência de justificação de faz necessária:

AGRAVO EM EXECUÇÃO. REVOGAÇÃO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL FACULTATIVA. DESCUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES IMPOSTAS. AUSÊNCIA DE PRÉVIA OITIVA DO APENADO EM JUÍZO, BEM COM DE PRÉVIA MANIFESTAÇÃO DA DEFESA TÉCNICA. NULIDADE ABSOLUTA. 1 - Incabível a revogação do livramento condicional - devido ao descumprimento das condições impostas - sem a manifestação prévia da defesa técnica, bem como sem a prévia oitiva do apenado em juízo, nos termos do artigo 143 da LEP. Ausentes referidas manifestações há afronta aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. 2 - Esgotados os meios de procura do sentenciado, deve o juiz da execução tão somente suspender o benefício, ordenando, se for o caso, a prisão do apenado. Após a localização deste, deverá sempre ser aprazada audiência de justificativa, para, somente assim, ser possível ao juiz da execução a revogação definitiva do benefício do livramento condicional. POR MAIORIA, DECISÃO DESCONSTITUÍDA, DE OFÍCIO. MÉRITO RECURSAL PREJUDICADO. (Agravo Nº 70050819457, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em 14/11/2012)

Finalmente, havendo a revogação obrigatória do livramento condicional por quaisquer das hipóteses elencadas no art. 86 do Código Penal, a audiência de justificação com a oitiva do apenado igualmente não será obrigatória.



[1] MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 198.

[2] MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 198

[3] MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 199.

[4] CAETANO, Haroldo da silva. Execução Penal. 3ª edição. Porto Alegre: Ed. Magister, 2006. p. 183

[5] CAETANO, Haroldo da silva. Execução Penal. 3ª edição. Porto Alegre: Ed. Magister, 2006. p. 184

[6] CAETANO, Haroldo da silva. Execução Penal. 3ª edição. Porto Alegre: Ed. Magister, 2006. p. 183

[7] MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 198